TIRANIA DOS HORMÔNIOS

A galinha preta está chocando há semanas. Não há ovos debaixo dela, apenas pernas, dedos, unhas e palha. Se estivesse sobre ovos, estaria ainda mais determinada a proteger o ninho. Quando as outras galinhas atacam, foge das bicadas e se esconde chorando. Raramente se alimenta.

A fisiologia das aves depende de hormônios que comandam outros hormônios para: nascer, se desenvolver, crescer, amadurecer sexualmente, atrair parceiros sexuais, formar ovos, construir os ninhos, botar e chocar ovos, cuidar dos filhotes, … As galinhas não planejam seus ciclos de postura, nem seguem regras estabelecidas por um coletivo de galinhas. Dizemos que elas seguem as leis naturais.

O Sistema Endócrino também comanda a fisiologia dos mamíferos: a fome, a sede e o cio. Os hormônios gerados pelas glândulas determinam a ocorrência e a intensidade dos processos orgânicos, como digestão, crescimento, sexualidade e envelhecimento.

Vez em quando, uma matilha passa pela estrada atrás de uma cadela. Se ela para (pára), todo o séquito para. Os mais exaltados rosnam e distribuem dentadas. Se ela segue por outra estrada ou se ela retorna, os ‘fiéis seguidores’ acompanham. Algumas horas depois, a procissão passa em sentido inverso. Durante alguns dias, a cerimônia será repetida, com pequenas diferenças no conjunto de participantes ou no estado físico dos machos em progressiva exaustão.

Ouvi e vi o apelo de vacas em cio, as lutas dos canários e dos lagartos pela chance de gerar filhos, admirei os cantos de machos chamando as fêmeas na primavera, vi homens e mulheres se enfeitando para parecerem melhores reprodutores. A estatura, a ‘cor dos olhos’, a altivez e os contornos sensuais de seus corpos interferem na disputa por parceiros sexuais. Como ‘seres culturais’, os humanos usam, além dos dotes físicos, os poderes representados pelas riquezas acumuladas: a herdeira de uma fortuna ‘dá melhores frutos’ que uma moça pobre; o dono de um automóvel vistoso atrai mais que um pedestre.

Como diz Beatriz Cardoso Soares, “tudo muito natural”. Sim. É a natureza que faz as ofertas e as escolhas e não a pretensa ‘racionalidade dos animais superiores’. Os hormônios comandam os flertes, os namoros e os acasalamentos. Os feromônios humanos desencadeiam as atrações, as repulsões, a defensividade, a percepção de perigos, a agressividade e os desempenhos sensual e sexual.

Na época em que eu mantinha cabras leiteiras com a ilusória intenção de produzir queijos, um caprinocultor alertou que a catinga do bode desencadeia os ciclos reprodutivos das fêmeas e não o porte físico, a beleza aparente, a produtividade em carne ou em leite. Os feromônios – o bodum – excitava as cabras e o plantel e os lucros aumentavam. Porém, os feromônios (o bodum) diminuíam com o avançar da idade do bode. Ou as cabras se acostumavam demais com o cheiro ‘de sempre’; queriam alguma variação…

Tenho observado que os acasalamentos de humanos ‘ao primeiro cheiro’ ou por ‘atração sexual instantânea’ prosseguem enquanto a produção de hormônios estiver alta. Poeticamente, “amor à primeira vista”. Muitos consumam o casamento. Outros, apenas consomem. Depois, separação, divórcio e a busca por novos parceiros. Será essa a causa da explosão demográfica dos humanos?

Os sapiens sapiens pouco sabem ou nem querem saber que são escravos dos hormônios, que agem e reagem conforme os códigos fisiológicos produzidos pelas glândulas endócrinas; que vivem sob o arbítrio hormonal. Além de serem manipulados por esses ditadores poderosos, os humanos cultivam mais tiranos ainda: a ambição e a vaidade. Além de dominados pela natureza, passam a depender de vícios que eles mesmos criam através do que chamam, orgulhosamente, de Cultura.

Ou seja, os corpos recebem ordens das glândulas endócrinas e se esforçam para mergulhar nos abismos da ambição e da vaidade. Somos conduzidos por hormônios e buscamos, cada vez mais, a beleza atraente e a posse de riquezas e de poderes. Quanto mais somos ou temos, mais desejamos e mais conquistamos. Somos insaciáveis, desequilibrados.

A criação de hormônios e de feromônios sintéticos pode ser considerada mais um exemplo da estupidez humana. Perfumes hormoniosos. Insatisfeitos com o que conquistamos por atração natural, fabricamos e compramos drogas para controlar os processos naturais: para atrairmos, nos sentirmos atraídos e ainda mais ‘felizes’ e poderosos, quase onipotentes. Queremos ser tudo e dominar todos. Qual será o fim dessa escalada de despudor?

LIMITES

   Cada ser vivo estabelece seu espaço vital, conforme o poder que tem de restringir o espaço dos outros. Se sozinho no mundo, provavelmente, o indivíduo estabeleça seus limites no limiar de suas necessidades de espaço.

No entanto, cada vez mais, aumenta a densidade de seres vivos, diminuindo a fatia que corresponde a cada um. Por isso, como algumas plantas e alguns animais, sobrepujam os mais fracos, invadindo os espaços vitais deles. Excedem aos seus limites, exatamente porque os vizinhos carecem de forças e de agressividade para defenderem os próprios limites.
Por outro lado, alguns dos invadidos utilizam justamente a inércia individual para provocar piedade, reivindicando direitos iguais.
A palavra respeito é aglutinação portuguesa da expressão latina ‘res pectus’, significando coisa alheia. Ou seja, se é dos outros, não devo mexer.
Mas, também, pode significar ‘ação de olhar para trás’. Então, respeitar deveria ser aceitar o limite dos outros, sem abrir mão dos próprios limites.
A convivência entre seres vivos será sempre uma relação de poder. Para nós seres humanos, poderá ser um conjunto de relações pacíficas, mediadas por comportamentos éticos.

VIDAS POR ESCOLHER

Dentre os animais,
nós - humanos – podemos fazer
escolhas racionais e construir
um modo cultural de viver.

Podemos escolher
a vontade de cooperar,
a prática da bondade, ...
o dinheiro como deus ou
"a doença como caminho".

Podemos cultivar a avareza,
a gula, a luxúria, o ódio, ...
abusar de mansos, de fracos,
de crianças e de idosos;
ser intolerantes, usar armas,
intimidar pessoas, fazer intrigas,
promover guerras, conquistas, ...

Pessoas simples
– muitas vezes, sem diploma,
com limitações físicas e com
poucos recursos financeiros – 
se unem para ajudar amigos,
desconhecidos e, até, inimigos,
na esperança que mais gente
entre no mutirão do bem.

Por outro lado,
predadores desfaçados
exploram familiares,
vizinhos e governos
para comprar e esbanjar.

Devassos se entregam
a prazeres desenfreados,
abusando dos outros e
desmoralizando a vida.

Quando alguém cai
na escuridão do fanatismo,
segue a voz que arrasta
para o abismo da alienação.

Quem segue leis naturais,
com simplicidade e desapego,
tem maiores chances de 
viver em paz e harmonia.

Alguns fazem escolhas iniciais
na infância ou na adolescência;
outros, escolhem aos poucos,
quando tomam consciência
da própria responsabilidade,
ou ... só na velhice...

Quem nunca escolhe
acaba escolhido e,
alienado e manipulado,
segue o fluxo social,
rumo ao fracasso.

FRASES 9

  1. A maior e a pior violência é a violência étnica: impor aos outros aquilo que chamam de cultura.
  2. Para o pobre, o pouco resolve; para o rico, nem o muito satisfaz.
  3. Ao organizar o ambiente e/ou o tempo, as pessoas estão também organizando a “mente” (inteligência). A desorganização externa (ambiente/tempo) é apenas reflexo da desorganização interna.
  4. A partir da fala surgem a reflexão e a consciência, como capacidades de descrever a si mesmo.
  5. Alguns anos atrás, era suficiente que parte da população passasse pelos bancos escolares para receber apenas informações. As exigências do mundo atual são bem maiores: toda população precisa dominar o conhecimento, desenvolver habilidades e assumir atitudes. É o saber, o saber fazer e ter a consciência do que faz.

FRASES 8

  1. A paz e a guerra são escolhas.
  2. Não se ama apenas o bem; muitas pessoas amam a guerra, a fofoca, o lucro, a promiscuidade, o vício, o jogo, …
  3. A paz rende mais que a guerra.
  4. O político tira um pouco de todos, distribui um mínimo aos amigos e guarda o resto.
  5. As pequenas ilhas é que são exóticas; paisagens para se olhar de fora e não lugares para se viver. É melhor viver em terra firme do que em ilhas de fantasia.

FÉLIX APAIXONADO

Félix passava a maior parte do tempo sentado no velho sofá da sala hipnotizado pelas imagens e pelo som da televisão. Os assuntos e os fatos eram sempre novos, porque ele esquecia tudo em minutos. Emocionava-se instantaneamente; esquecia imediatamente. Por isso, tudo era novidade. Até a aparição de um dos netos, que ele olhava com curiosidade, pois, na sua mente, não havia registros daquele personagem. Aliás, poderia ter, porém, o avô não encontrava os registros mnemônicos.

Passava horas babando pelos cantos da boca, agitado, excitado; as emoções estremeciam a velha carcaça a cada nova aparição feminina. As borrachas do sofá sofriam com os corpomotos, sismos intermitentes da tensão corporal. Esquecia do mundo. Aliás, de nada lembrava.

A esposa passava o dia em vigília. Preparava as refeições com um olho nas panelas e o outro no marido desmiolado. A mulher ia ao banheiro na correria, aproveitando os momentos em que ele estava encantado com alguma ninfa virtual. Até para atender quem batesse à porta, caminhava de ré, pois o caminho era mais estável que o pai de seus filhos.

Conceição – por ter concebido os filhos dele – prestava os serviços de esposa, de acompanhante e de enfermeira, sem reclamar e, até, com certo humor. Inicialmente, sofreu ataques de ciúme, como os havia sofrido desde que casara e acompanhava as investidas do farmacêutico, especialmente, quando aplicava injeções nas nádegas de suas vizinhas.

Porém, logo tomou consciência de que Félix nem mesmo sabia o que fazia. Deixou de levar a sério as babações, os acenos e os beijinhos jogados para o aparelho de TV. Às vezes, Conceição entrava na brincadeira, sorria para ele, piscava malícias, jogava beijos e perguntava:

— Qué casá comigo?

E ele, com os olhos vertendo ternuras:

— Pode ser…

JOGOS SEXUAIS

Os rebanhos humanos seguem em busca de saciedade.
E, saciados, mantêm, na lembrança, a sensação do prazer
sentido ao saciar a fome, a vaidade e os desejos.

O prazer norteia a marcha dos rebanhos que buscam
alimentos para satisfazer o corpo,
emoções para satisfazer a libido,
poderes para satisfazer o orgulho ou
dinheiros para comprar alimentos, emoções e poderes.

Saciadas as necessidades naturais,
os humanos criam artificialmente novas necessidades
para obter repetidas oportunidades de sentir prazer,
comendo, acariciando, comprando, subjugando e dominando.

O saciamento de necessidades, de desejos e de vaidades,
entretanto, cobra altos preços. Nada é de graça.
Quem pode saciar uma necessidade aproveita o ensejo
para capitalizar espaços de dominação e cotas de poder.

Talvez, a necessidade de pertencimento
seja a força que une e comanda a massa humana
que segue atrás de bandeiras de luta
desenhadas com ingenuidade e/ou má-fé.

Por detrás de slogans, palavras-ônibus e discursos
– hinos instantâneos e efêmeros –,
existe um emaranhado de correntes
que ovelhas e cordeiros ignoram ou fingem não ver.

Cidadania, democracia, direitos humanos, preconceito,
assédio sexual, racismo, desigualdade social, trabalho escravo, ...
os catecismos conseguem uniformizar a marcha do rebanho.
Cantando a mesma canção, ovelhas e cordeiros
se sentem seguros para caminharem na mesma direção.

Dentre as estratégias usadas pelo comportamento tribal,
está a cortina que encobre os jogos sexuais.

Robôs conduzidos por inteligência artificial
estão imunes a atrações sensuais,
hormônios provocadores, agressões físicas e assassinatos.
Seres humanos – por enquanto – ainda agem e reagem
por estímulos, excitações, provocações e artimanhas sensoriais.

É ingenuidade ou hipocrisia se esconder
atrás de ondas sociais ou de discursos superficiais
sem analisar as relações lógicas de causa-efeito
que ocorrem na fisiologia dos corpos.

As ondas moralistas se assemelham a religiões politeístas
com deuses virtuais instáveis e sacerdotes eventuais
que usam e dominam as ferramentas eletrônicas para subjugar
instintos, sentimentos, ciclos naturais e eventos biológicos.

Acondicionam os fenômenos reprodutivos
em fôrmas ideológicas anônimas e massacrantes:
trituram os grãos para formar uma massa
de aspecto aparente uniforme.

Usam a mídia e por ela são usados.

As árvores que expõe flores para as abelhas polinizarem
e que geram frutos com sementes férteis distribuídas pelas aves
devem ser submetidas às vontades humanas,
produzindo lucros para o mercado capitalista. 

Manipulam as videiras para produzir uvas sem sementes
durante todo o transcurso anual e em todas as regiões;
negam o convívio de casais de animais em primavera:
confinam, inseminam, engordam e abatem.

Escravizam animais e vegetais ao deus Consumo,
usando engenharias genéticas e transgenias.

As pessoas devem controlar seus hormônios e desejos,
fingindo desconhecer as reações naturais do próprio corpo,
como se as glândulas femininas não liberassem estrogênio
e as glândulas masculinas não liberassem testosterona;
esses odores devem ser abafados com perfumes potentes.

Porém, a indústria e o comércio podem livremente
explorar a moda baseada em atrativos sexuais e
obter lucros usando imagens e imaginações
dos próprios consumidores fanatizados, que são
o princípio e o fim dos processos consumidores.

A violência visível pode encobrir
a violência simbólica e a manipulação,
sejam elas conscientes, intencionais ou ingênuas.

Muitos buscam gozar prazeres e tirar vantagens
sem compensar as vítimas em ambos os lados da guerra.
Os espertos usam os mantras para ganhar palco
e para cobrar indenizações pelas reações alheias,
se fazendo de vítimas dos jogos sexuais de iniciativa própria.

Sítio Itaguá, das 03:08 às 04:10 horas do dia 01jan2017.