Nome de estradas, ruas, pontes, túneis, …

Em rodovias, os políticos colocam
o nome de líderes paternalistas
para que possamos transitar sobre eles;
pisar, escarrar e jogar lixo neles.

Menos mal que a maioria das pessoas
logo esquece quem foi o laureado,
ignora a fama concedida e
passa a ver os letreiros das placas
como símbolo grafado, pouco importando
se com letras, algarismos ou desenhos.

O vocábulo ‘homenagem’
deriva de homem, autoridade masculina,
que concede às mulheres raras exceções,
em espaços desprezados, temidos por eles.

Assim, por obscura ironia vaginal,
os homens nomeiam túneis e pontes
em homenagem a mulheres
idôneas, dignas e castas,
para que sejam penetradas ou
para que possam passar por cima delas.
 
Para evitar e estar a salvo
de reações dos violentados,
estabeleceram em lei
que só podem ser usados,
nas placas informativas,
nomes de pessoas mortas.
 
São vinganças póstumas.

MINHA LISTA DE DESCONHECIDOS

Quando jovem, … (Quando mesmo que fui jovem? Quando deixei de ser jovem? Resta alguma jovialidade em mim?) Bem… Quando ainda imaginava ser jovem, eu enfrentava qualquer parada: serviço pesado, serviço difícil, festas, conflitos e campanhas eleitorais. Para muitos, fiz diferença, colaborei; para a maioria, fui paisagem, um rosto anônimo; para alguns, fui estorvo, um incomodador.

Como disse aquele monge ao completar 86 anos, comecei com a ilusão que poderia mudar o mundo e acabei mudando um pouco em mim mesmo.

Tive durante muito tempo a pretensão de elucidar dúvidas, desvendar mistérios, conquistar pessoas por convencimento e de manter relações amigáveis insistindo em explicações. Ah! Ajudar as pessoas no aprendizado do que eu considerava importante e que considerava seria muito importante para elas. Observava a forma como as pessoas dirigiam, criticava os desmatadores e os depravados, orientava os esbanjadores, me preocupava com os telhados dos vizinhos, ria dos ridículos, … Enfim: cuidava da vida alheia.

Aí, durante um desgosto mais amargo, tive a ideia de iniciar minha lista de desconhecidos. Quando uma pessoa de minha rede de relações se mostrava resistente ou incomodada com minhas opiniões, quando os parceiros sabotavam meus esforços, quando uma pessoa me traia, quando alguém me ofendia, … A lista cresceu, mesmo usando doses de benevolência e permitindo, em alguns casos, uma segunda chance.

Nessa minha lista de desconhecidos, coloquei arrogantes, brigões, vingativos, espertos, estúpidos, caloteiros, hipócritas, dissimulados e/ou fingidos. Reduzi contatos, deletei mágoas, evitei aborrecimentos, parei de querer mudar quem não quer mudar, deixei caídos os que me empurraram e economizei desprezos. Deixei de gastar minhas energias e de empatar o meu tempo com ex-conhecidos.

Para os ainda-por-conhecer, dedico parte da minha atenção, com precaução. Porém, quando encontro um desses desconhecidos contabilizados, concentro esforços em neutralidade planejada. Como diz a gíria: “passo reto”.

Há tempo, escrevi o poema “Menos amigos, mais amizade”, que procuro sempre reler, para me manter crítico e prosseguir no meu processo de enxugamento.

INFERIORIDADE COMPROVADA

O homem ouviu o canto do pássaro;
tentou imitar, assobiou, gragolejou, ...
mas, nem semelhança conseguiu.

Como pode um animal miúdo
afrontar o ser mais perfeito?

Na ordem natural, pensou o homem,
sou mais e maior que o pássaro;
logo, devo cantar melhor que ele.

Inventou melodias e cantou, cantou...
sem superar a voz mágica da ave.

O homem, com a vaidade ferida,
prendeu, então, o pássaro na gaiola
para que cantasse só para o dono.

Cego de orgulho, não vê que
é ele que está preso ao pássaro.