O GOSTO DO MAR

Antônio nasceu na serra, numa casa construída pela família, com a ajuda de outras pessoas dali. Logo que cresceu um pouco, ele também passou a ajudar as pessoas construírem suas casas. Fazia isso com prazer, porque seu corpo e seu espírito gostavam de atividade e de coisas novas, de coisas por aprender.

Da primeira vez, viu a casa como um todo e a construção como um trabalho só. Depois, percebeu que a casa está dividida em partes, que são construídas numa determinada sequência, durante determinado tempo. Assim, começou a pensar nas dimensões, na qualidade e no custo.

Antônio aprendia tudo sem esforço, porque entendia a razão de se construírem casas, porque sabia da necessidade de portas e de janelas e porque estava consciente da importância do alicerce. Mas, não aprendia apenas o que via.

Maria, moradora do lugar, teve oportunidade de viajar para o litoral e conheceu o mar. De volta, contou: O MAR É SALGADO. E todos, crianças e adultos, puseram-se a pensar: Porque o mar é salgado? Quem teria jogado sal no mar? Quanto sal foi necessário? Há quanto tempo isso ocorreu?

Ao ver Maria, todos se lembravam do mar e dessas questões todas. Ela se tornou um SÍMBOLO de O MAR É SALGADO. Não foi preciso decorar, aprenderam isso naturalmente. Mas, havia muita curiosidade e nasceram muitas dúvidas. Planejavam ir até a praia, procurar respostas para suas perguntas. Passaram ainda a provar as coisas para ver se havia mais coisas SALGADAS ou, até mesmo, com outros sabores.

Porém, passou-se muito tempo – gerações inteiras – e o conjunto de casas tornou-se uma cidade grande, onde as pessoas não se conheciam e as casas eram construídas por empresas e não mais por pessoas. As crianças não mais ajudavam construir casas e, delas, não mais sabiam distinguir as partes, o início e o tempo de construção. Também, não pensavam mais por que eram construídas, de onde veio o material e quem o produziu.

Na escola, ensinavam outra lição invariável: O MAR É SALGADO. E, nas provas, perguntavam sempre: “Que gosto tem o mar?” e “Quem é salgado?” E, como ninguém conheceu Maria, a escola também ensinava que foi ela quem descobriu, em determinada data, que O MAR É SALGADO. Por isso, essas informações também faziam parte do estudo; parte da História do Lugar, que era preciso decorar e saber de cor.

As demais perguntas estavam proibidas e seria um sacrilégio alguém tentar separar o sal da água. Os conhecimentos do Livro Didático eram considerados suficientes. Para se estudar mais, bastava repetir várias vezes a mesma lição.

Foi então que, cansadas de decorebas, as crianças perderam o gosto pela escola e, não tendo interesse no sabor de um mar que não conheciam, não conseguiam aprovação, repetindo, além das lições, o ano letivo. A maioria desistia da escola, porque ela não tinha vida, tratando apenas de coisas sem uso no dia-a-dia.

Nessa escola, as crianças só aprendiam a verdade dos outros; ficavam alienadas.

Esse texto nasceu após a leitura da “SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO”, de SONIA M. P. KRUPPA. FPOLIS25SET95

CASAMENTO PERCENTUAL

Alice é 100% solteira? Pedro está 100% casado? Cristina pode ser 75% viúva? As separações conjugais podem ultrapassar o 100%? Ex-cônjuges que se odeiam podem estar separados 202%? Alguém pode estar minimamente casado? É horrível ser filho de pais solteiros? Os traidores traem o quê? Um homem apaixonado ama sua esposa? É possível estar completamente apaixonada sem jamais ficar casada?

Em que proporção eu estou casado? Em que proporção você está separada? Em que medida somos felizes? Beatriz pode ser aparentemente feliz? Ou feliz só nas aparências? Ou só para aparecer? Fazemos de conta que estamos casados? Ou nosso casamento é um faz-de-conta? Quais os elementos fundamentais do amor? É possível pesar a intensidade do amor?

Se o casamento for totalidade de sentimentos complementares ou recíprocos, a partir de que percentual sentimental poderemos nos considerar casados? Um casamento pode ser total ou, por mais que nos esforcemos, sempre será uma união parcial? Com mais de 90% ou podemos chegar a 98%? Quanto, infinitamente e decrescentemente, ainda restará para alcançar a totalidade?

Quantas dimensões pode ter um casamento? É possível estabelecer categorias casamentais? Vamos fazer um exercício de categorização? Quais os aspectos sexuais de um casamento? Quais os critérios para indicar as medidas mínimas de carícias, de carinhos e de ternuras? Como medir os dados sexuais de um casamento? Um casal que pode ser feliz sem praticar atividades sexuais? Qual o regime anual de relações sexuais? Prazer a dois? Ou cada um visita o seu motel? Em diferentes continentes?

Cada um tem seu lazer? Quais as diversões e os entretenimentos que vocês partilham? Cada um tem sua praia, seus passeios e suas viagens? Nadam juntos? Ou na mesma piscina, na mesma lagoa, no mesmo rio? Viajam juntos? Riem juntos e choram em comunhão?

Nós mantemos contabilidades individuais? Ou nada contabilizamos? Temos um orçamento participativo? Dividimos as despesas? Ou só acumulamos prejuízos? E os lucros? Será fácil tabular os dados financeiros das participações societárias conjugais?

Documentos garantem casamentos? Quais? Qualquer um? É possível se sentir casado sem ‘documento passado’? Ou estar casados só no papel? Ser casada pressupõe gerar filhos? É permitida a geração independente? O que garante um casamento é a existência contínua de filhos por criar? Os filhos unem ou separam os pais? Quem sabe netos, bisnetos e tataranetos?

Casais que residem no mesmo endereço estão casados 100%? Ou cada um tem seu chuveiro, seu fogão e seu quarto? Ou, no mesmo quarto, em camas separadas? Preparam as refeições em conjunto ou cada um se vira como pode? Ou cada qual vai a seu restaurante?

Banho a dois? Ou privacidade total? Cada qual com sua banheira? A toalha de rosto é usada pelo casal? Ou cada um seca o rosto e as mãos com pano próprio? Cada um tem o seu tubo de creme dental? Mesmo que seja da mesma marca?

E a roupa? Cada qual lava a sua? Ou cada qual tem sua lavanderia e sua máquina de lavar roupas? Se o cônjuge estiver no trabalho e a chuva ameaçar, o outro recolhe as vestes secas que estão estendidas nos varais? Ou os dois fingem não ver, nem a roupa nem a chuva?

Vocês usam o mesmo aparelho de telefone? O mesmo celular? O mesmo endereço na Internet? O mesmo Watsapp? Cada um tem o seu aparelho de TV, com senha encriptada?

Cada um tem seu automóvel? Cada qual tem dois ou três? Em garagens separadas? Pedalam na mesma bicicleta? Ou os dois andam a pé e utilizam o transporte coletivo?

Cada um tem sua religião e respeita a opção do outro? Ou os dois rezam na mesma fé? Ou os dois se atacam religiosamente? Quantos deuses cada um criou? Para quantos deles cada um reza? Ao divino Sexo? Ao divino Sucesso? Ao divino Poder? Ao divino Dinheiro? Ao divino Capital? Ou praticam egolatria?

O espectro casamental abrange que categorias? Sexual, sentimental, financeira, residencial, religiosa, profissional, …? Qual a participação de cada uma dessas categorias no mapa casamental?

Qual o percentual de envolvimento de cada um de nós?