QUEM MANDA?

— Quem manda?

— Manda quem paga.

— Ué! Os políticos mandam e ainda ganham um bom dinheiro…

— De fato. E existem outras situações semelhantes. Mas, vamos ver na prática. O dono da oficina mecânica é que decide quando e o que fazer no teu carro? Ou é você que procura a oficina, negocia os preços, encomenda os serviços e, estando de acordo, manda fazer?

— Sim. Eu mando arrumar o carro… E, se o serviço for feito conforme foi combinado, eu pago.

— Se você vai à barbearia, quem é que decide o que fazer? Você ou o cabeleireiro?

— Eu é que digo: “Apare a juba. Corte mais ali, menos aqui. Depois, se quiser, ainda mando aparar a barba. ”

— E sai sem pagar?

— Não. Pago certinho. Já sei o preço…

— Mas quem decidiu o que fazer?

— Eu, é claro.

— Você mesmo constrói a tua casa ou paga alguém pra construir?

— Faço alguns remendos… Mas, a casa toda, não faço. Contrato um construtor.

— E o construtor faz o que bem quiser?

— Não. Só faz o que eu quero. Mando fazer de alvenaria ou de madeira, com laje ou sem laje, do tamanho que quero, com telhado p’um lado ou p’ro outro, …

— E paga a mão-de-obra e os materiais de construção?

— Claro. Mandei fazer. Por isso, devo pagar.

— Quando você vai ao dentista?

— Vou quando preciso arrumar algum dente.

— Você é que indica o dente ou os dentes a serem tratados?

— Sim. Eu é que digo qual o dente. E só faço o tanto que tiver dinheiro pra pagar.

— E quando vai ao médico?

— Bem. No médico, é bem diferente. Lá não adianta falar nada. Lá, é eles que sabem…

— Ou seja: o médico é que decide o que fazer?

— Sim. Ele é doutor. Eu sô meio analfabeto…

— Então, ele faz o que quer e manda o que fazer?

— É.

— No fim, você paga a conta?

— Conta pesada. Muito dinheiro… muito exame…

— Então, ele manda e você é quem paga?

— Pois é. E a vida…

VERDADE E LONGEVIDADE

A veracidade das teorias é sempre relativa e superável.

 

Há quem afirme que a longevidade

seja consequência de uma vida calma,

sem grandes desgastes físicos ou emocionais.

Outros afirmam justamente o contrário:

quanto mais ativa for a pessoa,

mais longa será sua vida.

 

Tem teoria sobre os benefícios do vinho

como elixir da longa vida,

com especificação de doses, horários e varietais;

outras teorias, porém, decretam que

as bebidas – quaisquer bebidas – encurtam a vida.

 

Contra convicções que a vida rural é saudável

e garante ‘viver cem anos’,

surgem verdades sobre desgastes da vida agreste,

como câncer de pele e acidentes,

responsáveis pela brevidade da vida campesina.

 

Um casamento regrado e sem surpresas

leva esposa e esposo à longevidade,

independente do lugar em que vivem;

não, não! – gritam os aventureiros –

a mesmice de um casamento estável

mata lentamente pelo desgaste mútuo.

 

Assim, cada teoria tem o seu exemplo de longevidade

e provas definitivas da veracidade teórica;

no entanto, os exemplos são tão contraditórios

quantos as teorias que os usam

e chega-se a longevidade – ou à morte –

por caminhos semelhantes ou antagônicos,

sem uniformidade de causas.

 

Sinal de que as teorias

sobrevivem e proliferam

conforme a fé e a crença

nas verdades que elas anunciam

e não na veracidade e

na consistência dos exemplos.

 

Na prática, a vida segue seu caminho,

indiferente à vã sabedoria dos teóricos.

 

Sítio Itaguá, 11.03.09 – 05:11

A ROSA QUE APARECEU

Quando desci as escadas do condomínio, a Cida estava ajoelhada sobre a brita grossa que recobre o pátio do estacionamento. Parecia insensível à dor que, evidentemente, as pedras causavam em seus joelhos e cavava o chão batido com uma velha colher de pedreiro. No meio do buraco que havia aberto, estava um ramo enegrecido de roseira, em cujas pontas, algumas folhas muito verdes insistiam em brotar.

Aproximei-me com o respeito que se deve ter pela emoção intensa vivida por uma pessoa em sofrimento. Ela parecia ter esquecido que tinha joelhos e tentava salvar a roseira dos pisões dos automóveis. O local era bem em frente à entrada da garagem da Brasília dela. Perguntei:

  • Cida, o que você está fazendo? Como se o que eu via não fosse suficiente para explicar a concentração com que ela cavava o cascalho.

Ela ergueu o rosto avermelhado pelo esforço e pelo calor daquele dia de mormaço e explicou com voz embargada:

  • É uma rosa amarela; aqui era o meu jardim. Parece que ela ficou com saudade dos meus tratos e pôs as mãos para fora, me pedindo socorro.

Fiquei calado, reverente diante da profundidade da declaração. E ela continuou a cavar com dificuldade o chão pedregoso. Ofereci ajuda e ela aceitou, mais por impotência diante da tarefa muito difícil do que por julgar que eu teria o devido cuidado com a planta. Porém, percebendo que eu cavava com excessivo vigor e que a raiz avançava para a lateral do buraco, num movimento brusco, arrancou a ferramenta de minha mão.

Lembrei do luto que ela havia vivido, tempos antes, com a morte do papagaio da família. Passei algum tempo a contemplar aquele trabalho exaustivo e persistente. A ternura que ela sentia pela roseira de flor amarela estava toda esculpida naquele rosto afogueado. Comentei:

  • Quando morreu o papagaio, você sofreu muito…

Ela parou repentinamente de cavar e fincou os olhos em mim.

  • Eu gostava muito dele e sinto muita falta da algazarra que ele fazia.

Deixando ela com seus sentimentos e com sua roseira, fui cuidar da minha vida. Quando retornei, ao final do dia, o buraco estava tapado e coberto de brita. Nem sinal da planta. Pensei o pior: que a haste fosse longa e, estando a raiz muito funda e muito fraca, tivesse se rompido.

Dias depois, sorridente, mostrou um canteirinho com uma planta bem verde, rodeada de cascas de pêssego.

  • Cida, ela gosta de pêssego?

  • Pensei em algo que fizesse adubo pra ela. Por quê?  Não pode ser?

  • Ah! Se todas as pessoas se dedicassem à vida com tanto cuidado e com tanta ternura…

 

In CRONICONTOS, página 6-9.

A VIDA NO ORIGINAL

Ah! Se eu pudesse corrigir o passado

e passar a vida a limpo…

Mas, não é assim…

A vida é sempre escrita no rascunho.

Mesmo quando repito,

é como se fosse a primeira vez que faço.

Continuamos a viver imperfeições,

apesar de sempre tentarmos fazer o melhor.

 

Ah! Se eu pudesse antever as possibilidades

e, só então, tomar as decisões…

Mas, não é assim…

O futuro é inédito.

Mesmo quando planejamos,

a vida prefere fazer do seu jeito.

Somos presenteados pela vida com aventuras

e a aventura é algo novo, imprevisível.

 

Ah! Se eu pudesse amar as pessoas certas,

nas épocas apropriadas…

Mas, não é assim…

O sentimento é indomável.

Mesmo quando o coração está avisado,

acaba se apaixonando sem critérios.

Somos pensados por um corpo imprudente,

que escolhe, por nós, pessoas e tempos para amar.

 

Ah! Se eu pudesse calar o desejo

e negar o prazer que sinto…

Mas, não é assim…

O corpo tem sua força vital.

Mesmo quando resistimos,

somos vencidos pela emoção.

Somos vítimas do amor que nasce em nós;

porém, não fosse assim, talvez nem vivos estivéssemos.

Do livro MOMENTOS, pág. 71/72

ONDE PROCURAR QUEM?

Todos nós desejamos a companhia de alguém
que compartilhe nossas atividades diárias ou eventuais;
companheiras e companheiros leais, sinceros, compreensivos
que nos acompanhem nos sonhos, nas labutas e nos prazeres.

Acompanhar quem? Surgem muitas dúvidas.
Curiosidades sobre os objetivos pessoais.

Dificuldades para entender as surpresas que acontecem.

Se valorizamos o silêncio, a meditação, a paz  …
talvez, na quietude de um templo, na floresta, a beira-mar ou no nosso lar,
poderemos encontrar pessoas que entendam nossos sentimentos mais íntimos.

Se privilegiamos a aprendizagem, o desenvolvimento intelectual, …
existem livros, escolas, cursos, … e
outros aprendizes dispostos a partilhar conhecimentos.

Se somos apaixonados por arte …
devemos procurar artistas e participar de shows e de promoções culturais.

Se sonhamos com riqueza, sucesso, fama, …
os meios de comunicação e os empreendedores poderão nos ajudar bastante.
Noivos ricos, famosos e importantes também oferecem boas alternativas.

Se quisermos trabalhar em equipe, alcançar estabilidade, segurança social, …
basta participar das dinâmicas laborais normais e realizaremos nossas aspirações.

Se procuramos agitação, destaque social, energia vibrante, prazeres, saciedade, …
possivelmente, eles serão encontrados na internet, no trânsito urbano, nas boates,
nos shoppings, nos bares, nos restaurantes, nas festas e nos bailes.

Se buscamos companhia noturna,
para desfrutar de especiarias em restaurante chique,
até a madrugada e de carona em carrão vistoso, … encontraremos na noite.

Encontraremos as pessoas que procuramos nos ambientes em que elas estão.

Qual a companhia desejada?
Que companheiros procuramos?
Ou somos oferenda para quem anda caçando companhia?

INDIVIDUALIDADE COMPARTILHADA

Sozinhos, podemos fazer algumas coisas.

Para fazer outras, precisamos de ajuda…

 

Para realizar nossos projetos

diante das dificuldades naturais,

dependemos de nossas forças,

de colaborações alheias e

de permissão de circunvizinhos.

 

Apesar de tudo e apesar de todos,

das diferentes ideias e pretensões,

um dia, nascemos sem ter escolhido nascer e

iniciamos nossa luta pela sobrevivência individual.

 

Luta contínua, enquanto estivermos vivos.

 

Compartilhamos alguns trechos dessa viagem

com outras pessoas, por um tempo.

Depois, as pessoas mudam,

mudamos para várias moradias,

os filhos crescem e deixam o ninho,

os parentes mais velhos vão morrendo

e, mais uma vez, um dia, estaremos sós.

 

Por isso, o importante é pensar em si,

construir espaços, reservar recursos,

abrir mão de umas amizades e cultivar outras,

nos preparando para a velhice com autonomia.

 

A vida é longa e é breve.

Pode ser fecunda ou vazia.

 

Quem nasceu, um dia, morre,

e ninguém mais pode ajudar.

INTERESSES INTER-ESSES

Conhecer uma pessoa não é obra do acaso. Posso encontrar algumas ou várias pessoas, todos os dias, sem estabelecer, com elas, conhecimento; posso vagar pela multidão, sem fazer “novos conhecidos”.

O conhecimento se dá quando as pessoas se fazem presentes: se apresentam ou são apresentadas porque estão (ao menos uma delas) interessadas por conhecer. O apresentador não é dono do conhecido e nem o único que o conhece; foi um dos muitos que poderiam ter apresentado.

A partir desse contato, a pessoa passa a ser ‘uma conhecida’ a ser reconhecida em novos encontros. As relações se estabelecem re-conhecendo o já conhecido e conhecendo um pouco mais.

O aluno busca algo que não pode ser “dado”. O professor pode apresentar assuntos, temas, informações históricas e/ou científicas, técnicas, regras, valores morais ou culturais; pode despertar a consciência da importância das habilidades intelectuais para o desempenho social e das técnicas para o desempenho profissional; pode despertar o interesse do aprendiz pelo conteúdo programático. No entanto, o professor não é doador de interesse, de consciência ou de conteúdo.

Se o professor e o conteúdo passarem imutáveis pela sala de aula, não houve evolução; apenas repetição. Processo ensino-aprendizagem é relação dinâmica entre elementos em desenvolvimento: o conteúdo, o aluno, o professor e os saberes de ambos.

O professor não é o dono do aluno e/ou do conhecimento; o professor apresenta um ao outro, porque já conhece o suficiente dos dois. (Ao menos, se espera que conheça.)

Inter-esses acontece o conhecimento; interesse é relação desejada. Aluno, objetos a conhecer e professor são inter-locutores e devem dialogar entre si. A troca de informações entre esses locutores produz educação.