Nascer e morrer são conceitos subjetivos.
Quando nasceu Júlio Dias de Queiroz? No momento em que saiu do ventre da mãe? Ou a vida biológica começou bem antes, no dia da concepção?
Objetivamente, podemos datar os ritos de passagem: para a família, nasceu no dia do parto; para a Nação, no dia do registro civil; para a Igreja, no dia do batismo; para a Academia Catarinense de Letras, no dia da entronação na cadeira 10.
Para a mente do Júlio, a vida psicológica se efetiva a partir das memórias mais antigas; talvez, lá pelos quatro anos civis. Para mim, Júlio Dias de Queiroz nasceu na véspera de Natal de 1981, quando recebi a carta dele, escrita cinco dias antes. Foi aí que ele passou a existir pra mim. O mestre tinha encontrado três poemas de minha autoria no Varal Literário da Praça XV, que impressionaram “pela intensidade e pela precisão de linguagem”. Por se sentir identificado comigo, propôs “conversar sobre a poesia, sobre o mundo e sobre a gente”.
Durante 34 anos, trocamos cartas e mensagens. E recebi alguns bons puxões de orelha: “Estou fora do linguajar moderno, mas não empregaria “usufruir” para dizer “fruir” ou “gozar”. […] Você é bom demais para cair (três vezes) no linguajar dos ‘cocôs’.”
No dia 24 de janeiro de 2016, o Júlio manifestou seu estado de espírito: “Mario, do pouco do que tenho – e não estou sendo falsamente modesto – tenho a obrigação de dividi-lo antes da partida para a outra dimensão do existir, que está muito próxima.”
Agora, ouvi dizer que ele morreu… Deve ser mais uma das brincadeiras dele, pois, ultimamente, ele vivia dialogando ludicamente com a morte; se tornaram amigos, se entendiam perfeitamente. Talvez, tenham combinado dar uma volta, fazer um passeio ou mesmo uma viagem mais longa.
Depois que ele comemorou o aniversário de noventa anos, foi aos poucos se retraindo, ficando lacônico, trocando nossas conversas por silêncios misteriosos. Talvez, estivesse realizando um dos últimos desejos: “viver o meu morrer”.
Ficaram alguns assuntos pendentes… Ele cobrava meus romances e eu ia mostrar pra ele os rascunhos de Suçurê; o outro está apenas concebido e inicia a gestação… Também ele, nunca me mostrou o livro que estava escrevendo depois dos noventa… Espero que tenha deixado os manuscritos com a Salma ou com o Celestino…
Levando em conta os silêncios dele – ultimamente –, pra mim vai fazer pouca diferença, pois posso conversar com os livros que ele escreveu, ler a lista de obras indicadas por ele e escrever sempre mais e melhor.
Vai ser bastante difícil o Júlio Dias de Queiroz morrer dentro de mim; ele será eterno…
E pra você? Você acredita no que estão dizendo por aí: que ele morreu? Ou dará vida e continuidade às brilhantes ideias dele?