MORTE CONSCIENTE

   Morremos no momento que tomamos consciência da morte. A falência dos órgãos vitais determina o término do processo biofísico; apenas, o desligar da máquina humana.
   Hoje (20.01.2023), eu morri. Isto é, tomei consciência da minha morte: da inutilidade de meus esforços, durante décadas, para construir estruturas habitacionais e estruturas culturais. Eu sou nada. Nada ficará. A floresta será derrubada, as aves silvestres serão presas ou abatidas, as fontes voltarão a secar, o dinheiro será gasto e as palavras serão dispersas ao vento.
   Eu é que, fantasma de mim mesmo, sobrevivi à minha morte, para contemplar a dissipação no meu mundo idílico. Como fantasma, me sinto bem mais leve...
   Viver é acreditar nas próprias ilusões.

LEIS DA NATUREZA

   Duas borboletas azuis, grandes e reluzentes, movidas pelas energias da juventude, voejavam acrobaticamente em todas as direções. Envolvidas no prelúdio pré-nupcial, alheias ao mundo, seguiam os instintos juvenis, sem rota, sem lógica e sem termo.
   As árvores, passivamente, aceitavam que as duas pousassem sobre elas e depositassem ovos que, em breve, serão lagartas em desenvolvimento no interior da casca, onde devorarão o felogênio, ganhando forças para furar o tronco e matar as plantas.
   Lembrei das borboletas humanas que voam ao meu redor...
   Talvez, também eu seja suporte para outras vidas...

HUMILDADE E ESPERANÇA

Na floresta, os sons dos espaços naturais,
a sensação de privacidade e de paz.

Silêncio relativo.
Orquestra da Natureza, melodias
coletivas, harmoniosas e surpreendentes;
coro multissom: animais, folhas, vento, chuva,
murmúrio do riacho, algazarra da cachoeira.

Sinfonias interrompidas quando
um bicho entoa sua apresentação solo;
os demais silenciam para escutar
gorjeios, pios, trinados, assobios ou
o cantar de bugios, capivaras, cobras,
gambás, graxains, lagartos, lontras,
maracajás, ouriços, ratos ou tatus.


Floresta... Flores? Abelhas...
Flores no chão e flores nas copadas das árvores.
Poucas flores à altura de olhos humanos;
privilégio dos répteis e das aves, tatus e de sabiás.

Para ver flores,
precisamos olhar pra baixo e olhar pra cima.

Um exercício que pode ser útil na Sociedade:
olhar pra baixo e olhar pra cima;
aceitar os pequenos e os grandes;
perceber as dificuldades da pobreza
e temer o poder da riqueza;
rever o passado e mirar o futuro.

PROSTITUIÇÕES

Podemos conceituar ‘prostituição’
como ‘compra (e venda) de prazer’.
Pessoas que têm dinheiro pagam
pelo prazer que sentem
(ou poderiam ter sentido)
com pessoas, animais e/ou objetos.

Pelo senso comum e pelos dicionaristas,
seria uma atividade feminina
degradante e condenável...
por aqueles que não precisam se prostituir,
pelos que têm prazer de graça
e pelos que têm a graça de sentir prazer
com coisas normais, simples e gratuitas.

Então, podemos, também, considerar
que receber e pagar por outros prazeres
seja, também, uma forma de prostituição.

Pagar ao Papai Noel
para dar prazer a uma criança,
por exemplo, pode ser
prostituição ‘socialmente aceita’,
louvável e religiosa, até.

Gastar dinheiro com banquetes
para dar prazer aos que,
naturalmente, não sentem
alegria na nossa companhia,
poderia ser ‘prostituição afetiva’? 

HOMO SAPIENS SAPIENS FUTURUS

     A Medicina e os profissionais ‘da saúde’ atendem doentes e combatem doenças. As pessoas enfermas vão (ou são encaminhadas) ao Sistema de Saúde: consultórios, médicos e hospitais. Paradoxal. “A realidade está grávida de seu contrário.”*
     Se uma pessoa saudável, em pleno exercício de sua saúde, chega a um consultório, clínica ou hospital, será considerada ingênua e corre o risco de ser ridicularizada em seus temores ou, bem possível, de ser explorada emocional e financeiramente. O mercado clínico explora, lucrativamente, o nosso medo de adoecer e o nosso pavor diante da certeza de que vamos morrer.
     Além do interesse profissional e financeiro da Indústria Clínica, agora, pessoas sadias, que gozam até de saúde invejável, desejam ser ainda mais saudáveis: SUPERsaudáveis ou mais, HIPERsaudáveis. Possivelmente, na esperança de fazer parte de uma nova espécie humana que viveria trezentos anos, com possibilidade de viver ‘para sempre’.
     Mesmo que inconsciente ou de forma disfarçada, talvez, já exista um grupo humano sonhando com a construção de uma elite de gigantes, como há uma elite capitalista, que acredita na importância de ficarem cada vez mais ricos, para que os riquíssimos consigam amealhar ainda mais riqueza, formando uma casta que se afastará ainda mais da pobreza popular. Essa elite quer criar um ‘mundo à parte’, distante da miséria e da possibilidade de morrer de fome...
     Chega, agora, a notícia de que um inglês insatisfeito com o corpo dele pagou mais que R$ 800.000,00 para um cirurgião enxertar ossos nas pernas ... e ele “cresceu 8 cm”.** Imagino que o ego do homem tenha crescido muito mais... Será que ficará mais saudável? Será que estará mais feliz?
     Na minha terceira passagem como estudante da UFSC, aos cinquenta e três anos, muitos colegas ainda meio adolescentes olhavam com compaixão para o grupo de ‘velhos’ da turma, porque a “Matrix” estava se realizando aos poucos: que eles, SUPERjovens e SUPERinteligentes, seriam os primeiros pós-sapiens-sapiens e que nós éramos bichos do passado, hominídeos a serem usados como serviçais deles, para resolver pequenos problemas que ainda não eram resolvidos pela inteligência artificial e pela automação total.
     Nesses tempos antropocêntricos e de reinvenção do homem, ressurgem células de fascismo e de nazismo, adeptos da eugenia, e as escolas trabalham na formação de SUPERdotados, a partir da seleção de alunos SUPERinteligentes que possam construir um mundo virtual, espaços cibernéticos ... nas nuvens, residência de semideuses...
     Lembro que, ao final do Século XX, durante um dos muitos trabalhos meus na Amazônia, me contaram que, em uma aldeia próxima, estava surgindo “uma nova ‘raça’ de índios, índios gigantes”. Isso acontecia em uma única aldeia daquela tribo que habitava uma vasta região. Antropólogos, sertanistas, biólogos, sociólogos e cientistas de ‘instituições superiores’ haviam estudado o fenômeno sob todos os aspectos, sem, porém, encontrar “evidências científicas” que explicassem ‘a boa nova’.
     Passados alguns anos, um viajante, leigo e despretensioso, perguntou, a um caçador que conhecia quase todas as aldeias, em quantas delas atracava esse barco com câmara frigorífica. “Só nesse”, afirmou ele. Ou seja, os ‘frangos de granja’, com altos níveis de somatotropina (hormônio do crescimento) só chegavam a essa aldeia e os resíduos continuavam agindo naqueles índios ‘privilegiados’.
     Décadas depois, uma pesquisa acadêmica ‘descobriu’ que, naquela aldeia, as doenças desenvolvidas pelo próprio corpo matavam antes e mais que as doenças transmissíveis.

*Princípio fundamental da Filosofia Dialética.
**https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2022/11/21/homem-gasta-mais-de-r-800-mil-para-fazer-cirurgia-e-crescer-8-centimetros.htm

			

MONETARIZAÇÃO DO AFETO

O vocábulo ‘humanidade’ pode ser entendido, dentre outros significados, como “conjunto dos seres humanos” ou “sentimento de bondade, benevolência, em relação aos semelhantes, ou de compaixão, piedade, em relação aos desfavorecidos”.

Em suma, espera-se que os humanos demonstrem um mínimo de ternura por filhos, pais, irmãos, avós, netos, amigos, vizinhos, …, conhecidos ou estranhos, nos dois sentidos. Ou seja, espera-se que os humanos pratiquem empatia. Para a Psicanálise, ternura seria “atitude com relação a outrem, na qual, um indivíduo reproduz a relação amorosa que mantinha com a pessoa que dele cuidava e o alimentava, quando criança”.

Nesses tempos internéticos, o zelo pelos familiares virou ‘cafona’, atitude desprezível, fora de moda, fraqueza, vergonha diante de seres evoluídos. Pais, filhos, irmãos, avós, tios, sobrinhos, primos e afins passaram a ser ‘clientes’ ou fornecedores. Cuidar de pessoas virou ‘mercado de trabalho’; profissão do futuro, indício de evolução da Sociedade.

Ainda no estudo do Dicionário Houaiss, encontramos que afeto, cognição e volição são funções mentais. Talvez… apenas dos humanos. Tomara que não.

Tomo a liberdade de considerar que os humanos estejam com excesso de vontades e buscam dominar cada vez mais conhecimentos. São dominados pela volição e querem construir cognição infinita. Para a maioria dos humanos, a falta de vontade, a inércia e a preguiça causam poucos problemas; o problema, para si e para os outros, está na “vontade imperfeita”, que deixa de ser voluntária, para ser fúria que domina muitos dos que defendem o livre-arbítrio, o pseudodireito de agir inconscientemente, com graves prejuízos para si e para seus arbitrados.

Parece que estamos vivendo tempos negros em que a Humanidade se desumaniza, transformando a humanidade em mercadoria à venda por preços adequados a cada interesse e a cada situação. Os afetos passaram a ser objetos de desejo e de lucro. Quem conseguir juntar dinheiro poderá pagar por amores, carinhos, cuidados, ternuras e tranquilidades. Fornecer afetos virou profissão lucrativa. Assim, a pobreza, além de continuar causando fome e privações, pode se consumar em abandono, porque a caridade também está à venda.

A IMAGEM E A ESTÁTUA

   O cérebro, através de processos sensitivos, registra na memória imagens (construções mentais de objetos e de acontecimentos), analisadas pela razão ou aceitas “de maneira irrefletida pela consciência imediata” [Houaiss]. Em geral, essas imagens revelam o quanto e o como percebemos a realidade objetiva. 
   O vocábulo ‘imagem’ descende de ‘imago’, do Latim, imitar. No caso, imitar as características de algum objeto ou fenômeno. Objeto como ação do sujeito pensante; parte do predicado, um atributo, fruto da intuição e da imaginação, formatado de acordo com as categorias do intelecto. 
   Talvez, por se sentirem inseguros, alguns constroem ou mandam esculpir estátuas das imagens que temem possam fugir da memória deles. Assim, toda vez que esquecerem ou forem tentados a mudar a imagem que formaram de uma pessoa, de um sentimento ou de um fato, eles podem olhar as estátuas correspondentes e voltarem a sentir ‘que nada mudou’, que eles continuam os mesmos, como continua igual a estátua que erigiram.
   Platão, em Alegoria da Caverna, analisa como que pessoas presas a imagens ilusórias acreditam conhecer a realidade. Conhecimento ingênuo, frágil diante de análises críticas. E nos força a concluir: “O sábio, depois de desenvolver o conhecimento verdadeiro, sabe apreender, sob a aparência das coisas, a ideia das coisas.”
   O ídolo, eleito por seus admiradores, pode rejeitar as imagens que dele fazem, aceitar opiniões alheias ou cultivar a veneração para si mesmo. O cultivo do fascínio pode gerar encantamento e se consolidar em mito.
   Muitas vezes, grupos humanos constroem ídolos e se entregam à idolatria. Veneram pessoas e coisas com a convicção de que são sublimes, quase divinas.
   Às vezes, nem a morte rompe a quimera. Ao contrário até, pode ampliar e prolongar cultos, gerando mitos.

VIDAS POR ESCOLHER

Dentre os animais,
nós - humanos – podemos fazer
escolhas racionais e construir
um modo cultural de viver.

Podemos escolher
a vontade de cooperar,
a prática da bondade, ...
o dinheiro como deus ou
"a doença como caminho".

Podemos cultivar a avareza,
a gula, a luxúria, o ódio, ...
abusar de mansos, de fracos,
de crianças e de idosos;
ser intolerantes, usar armas,
intimidar pessoas, fazer intrigas,
promover guerras, conquistas, ...

Pessoas simples
– muitas vezes, sem diploma,
com limitações físicas e com
poucos recursos financeiros – 
se unem para ajudar amigos,
desconhecidos e, até, inimigos,
na esperança que mais gente
entre no mutirão do bem.

Por outro lado,
predadores desfaçados
exploram familiares,
vizinhos e governos
para comprar e esbanjar.

Devassos se entregam
a prazeres desenfreados,
abusando dos outros e
desmoralizando a vida.

Quando alguém cai
na escuridão do fanatismo,
segue a voz que arrasta
para o abismo da alienação.

Quem segue leis naturais,
com simplicidade e desapego,
tem maiores chances de 
viver em paz e harmonia.

Alguns fazem escolhas iniciais
na infância ou na adolescência;
outros, escolhem aos poucos,
quando tomam consciência
da própria responsabilidade,
ou ... só na velhice...

Quem nunca escolhe
acaba escolhido e,
alienado e manipulado,
segue o fluxo social,
rumo ao fracasso.

O PORVIR E O POR VIR

Vivo uma vida singela, entre árvores e pássaros, ouvindo a música das cachoeiras, cultivando a horta e o jardim, usufruindo uma aposentadoria tranquila, que possibilita passar algumas horas lendo ou escrevendo.

Amanhã …?

Viverei como escritor-sitiante até quando perder o domínio sobre o corpo e sobre a mente; por enquanto, cuido da casa e do corpo e, com a ajuda do Vanderlei, consigo dar conta dos trabalhos de manutenção do Sítio Itaguá. Depois… quem sabe alguém que ame a natureza queira continuar a obra? Acredito que sempre haverá utópicos dispostos a ‘dar a vida pela natureza’.

Morrer…

Se a morte repentina me apagar, minha velhice será breve…. Caso tenha uma morte longa, dependerei de cuidadores que caibam no meu orçamento e de alguém que administre a situação.

Prefiro morrer ‘na luta’, peleando, de pé. Se acaso as pernas fraquejarem, continuarei a caminhar sobre muletas, rodas ou esteiras, pois, enquanto vivo, quero andar.

Pode a mente sofrer períodos de descontinuidade ou ser desligada definitivamente; sei que pode ocorrer. Quando isso acontecer, peço o favor: desliguem o corpo também. Quando perder o ‘eu’ existencial, nada mais terei para pensar, ler ou escrever e a vida corporal será inútil para mim e um estorvo para as pessoas próximas.

Espero que mente e corpo morram simultaneamente; se um tiver que morrer primeiro, que seja o corpo. Quando a mente morrer, o corpo não saberá o que fazer.

INSPIRAÇÃO

   Inspirar pressupõe absorção de algo que estava fora de nós, seja o ar que respiramos ou sensações e/ou imagens que atraem nossa atenção e despertam sentimentos capazes de gerar energia para agir, decidir, registrar, ... (Imagens e sensações podem ser apenas aparências externas do que acreditamos ver...)
   Durante a vida, inspiramos ar, dele, retirando oxigênio para incorporar ao sangue que alimenta as células para produzir energia. Processo mecânico, possível de comprovar e de medir. Para viver, todos os animais dependem do ar que respiram.
   No processo mental, formamos ideias e representações do que percebemos na realidade objetiva. Como não absorvemos os objetos e imagens, só podemos dizer, em sentido figurado, que ‘inspiramos’ ideias. Não inspiramos (puxamos para dentro de nós) percepções ou ideias; formamos, em nossa mente, imagens e representações sobre o que observamos ou recebemos pelos órgãos dos sentidos. Ideia, “representação mental de algo concreto, abstrato ou quimérico” [Houaiss].
   Porém, cada um de nós constrói a sua realidade – realidade subjetiva –, que, raramente, coincide com a realidade objetiva; por isso, sempre será transitória, substituível. Construímos nossas realidades através da intuição, por forças instintivas espontâneas que influenciam nossos pensamentos sem que tenhamos desejado ou planejado. Vemos e interpretamos, revemos e reinterpretamos o mundo, formando conceitos, opiniões e códigos de conduta.
   Por isso, pode parecer estranho o que o outro sente, seus temores, suas ilusões, seus valores, seus julgamentos, ... Nem sempre acreditamos no que o outro acredita e muitas mágoas e muitos traumas podem parecer absurdos para os outros. Eventos similares podem desencadear e manter sofrimento intenso em alguns (por longo período ou, até, por toda vida) e ser irrelevante e, imediatamente, esquecido por outros. Nossas realidades serão sempre ‘realidades relativas’.
   A arte e a criatividade resultam mais do ócio e da transpiração do que de ‘dons sobrenaturais’. Quem vive ‘de rendas’ dispõe de todo seu tempo para se dedicar a exercícios mentais ‘sem fins lucrativos’. Operários que trabalham doze horas por dia terão pouco tempo e pouca disposição para ‘cultivar devaneios’. Embaixadores e afortunados (herdeiros de fortunas) terão maior chance de pintar lindos quadros e de escrever livros excepcionais. Mesmo assim, podem ser exigentes e lapidar e aprimorar suas artes, por determinação e com esforços extras.