HUMILDADE E ESPERANÇA

Na floresta, os sons dos espaços naturais,
a sensação de privacidade e de paz.

Silêncio relativo.
Orquestra da Natureza, melodias
coletivas, harmoniosas e surpreendentes;
coro multissom: animais, folhas, vento, chuva,
murmúrio do riacho, algazarra da cachoeira.

Sinfonias interrompidas quando
um bicho entoa sua apresentação solo;
os demais silenciam para escutar
gorjeios, pios, trinados, assobios ou
o cantar de bugios, capivaras, cobras,
gambás, graxains, lagartos, lontras,
maracajás, ouriços, ratos ou tatus.


Floresta... Flores? Abelhas...
Flores no chão e flores nas copadas das árvores.
Poucas flores à altura de olhos humanos;
privilégio dos répteis e das aves, tatus e de sabiás.

Para ver flores,
precisamos olhar pra baixo e olhar pra cima.

Um exercício que pode ser útil na Sociedade:
olhar pra baixo e olhar pra cima;
aceitar os pequenos e os grandes;
perceber as dificuldades da pobreza
e temer o poder da riqueza;
rever o passado e mirar o futuro.

ADMIRAÇÃO

   Eu admiro o voo dos pássaros. Posso passar horas, no templo da floresta, con-templando os pássaros em suas ousadias e em suas habilidades voláteis, que representam a real liberdade. Admiro, apenas... não quero estar com eles no ar, não pretendo imitar.
   Admiro os heróis; fujo de heroísmos. Prefiro ser normal, passageiro, substituível e livre de idolatrias. Jamais eterno. Meu corpo e minha mente são finitos. Talvez, minhas ideias se propaguem e sobrevivam ao meu sopro vital...
   Admiro os vizinhos. Admiro apenas. Prefiro ser plateia e auditório dos projetos e das realizações deles, enquanto continuo silvestre, como elemento da Natureza, convivendo com os bichos e plantando sementes.
   Admiro a Primavera. Todavia, o encanto dela está – exatamente – na impermanência, na fugidade das estações e dos ciclos cósmicos. Se, o tempo todo, fosse primavera, já estaríamos cansados do eterno florir. A beleza das flores começa na esperança, no saber esperar, que inclui semear, plantar, regar, cuidar e imaginar. E as esperanças vegetam durante os invernos.
   Procuro saber o que admiro; prefiro ter consciência do que vivo, do que quero continuar vendo de longe, do que quero viver integralmente no dia-a-dia. A beleza e a funcionalidade da vida estão na diversidade, na compreensão dos ciclos... semelhantes, porém, sempre modificados, diferentes em detalhes que fogem ao nosso entendimento. Depois de séculos, identificamos mudanças significativas.
   Se chovesse o tempo todo ou se nunca chovesse, as plantas seriam extintas. A monotonia mata. A monocultura se autodestrói. Inclusive, a monocultura literária.
   Viver para sempre seria a ‘morte de novas vidas’. A soberba humana pode pretender ser eterna; há quem acredite que sua estupidez seja insubstituível.
   O inverno e o morrer são tão importantes quanto a primavera e o nascimento. A ressurreição, então, seria a arrogância de renascer em detrimento de outras vidas, de se intrometer nas gerações futuras.
   O mundo já está superlotado de homo-deuses; para sobreviver, o Planeta Terra precisa que ocorram muitas mortes definitivas, para dar espaço a novas existências.
   Quero viver plenamente o meu agora com o máximo senso de realidade: essa consciência de que sou único, limitado e efêmero.
                                      ***
O prefixo latino ‘ad’ indica “movimento para, movimento em direção de, aproximação, diante de, junto a, ...”
Ad-miror, atus, sum: ad-mirar, intenção e ação consciente de mirar, de “fixar os olhos em, olhar longamente à distância, fazer pontaria”, se esforçar para atingir o ponto central, desenvolver acuidade, ...
                                               8 de setembro de 2020 11:19