MUDAR NA MUDANÇA

Podemos mudar de apartamento, casa, bairro, cidade, região, país, … Talvez, … de planeta…

Impulsionados por insatisfações, saturamentos, esgotamentos, tragédias, expulsões, aversões ou oportunidades.

Podemos deixar o indesejado, algo do que fomos, apelidos, relações, humilhações, perseguições, limitações espaciais ou emocionais.

Em busca de horizontes amplos, harmonia interna, familiar, social ou comunitária: melhores condições de vida.

Podemos mudar de residência e aproveitar para mudar de vida.

Ou, ingenuamente, carregar conosco idiossincrasias, ilusões, manias, comportamentos, …

Assumindo os mesmos papeis, repetindo hábitos prejudiciais, reconstruindo o desagradável…

Ou podemos aproveitar a mudança para mudar a nós mesmos, abandonando ‘verdades’, replantando esperanças e concretizando sonhos.

COLONIALISMO DIDÁTICO

Aproveito o título da Deutsche Welle¹, a entrevista de Michael J. Sandel² para Pablo Guimón e minhas conversas com Cecília Kotzias e com Maria Elisa Ghisi para eu expor ideias sobre a função das escolas na reprodução das classes sociais. Agradeço as contribuições.

***

As pessoas podem aprender sozinhas, por incentivo e orientação da família, na parceria com outros aprendizes ou recebendo as informações científicas ministradas por professores em instituições de ensino. Podem aprender, espontaneamente, por curiosidade e podem, intencionalmente, pesquisar, experimentar e/ou tentar aprender por necessidade, para resolver um problema. Podem ser obrigadas a aprender por pressão dos familiares ou por determinação legal. Podem aprender práticas e desenvolver habilidades; podem descobrir e inventar. Podem aprender teorias proveitosas ou … inúteis.

Aprender faz parte do estar-no-mundo, do estar vivo. Todos os seres vivos aprendem. O ser humano aprende durante toda a sua vida, mesmo que inexistam governos, ideologias e instituições escolares.  O aprender é inerente à natureza humana.

Sendo natural (ou, exatamente, por ser natural), o aprender pode ser usado para influenciar pessoas e/ou exercer dominação social. Seja nas famílias, nas comunidades ou nas nações, os indivíduos dominantes (ou os que pretendem dominar) utilizam o aprender para disciplinar os submissos, para submetê-los ao seu controle. A intensidade e o volume de controle exercidos determinam o grau de liderança e o grau de autoridade.

Podemos considerar que a aprendizagem conduzida receba o nome de ENSINO (transmissão de princípios que regulam a conduta humana e a vida em sociedade; educação [Houaiss]).

Ensino familiar (pelos pais e avós), ensino tribal, ensino empresarial e ensino religioso podem ser exemplos de ensino informal, tácito, ‘privado’, restrito, facultativo. Cada clã, comunidade ou sociedade exerce o direito de promover e de aperfeiçoar sua cultura (conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes, … que distinguem um grupo social [Houaiss]).

Por outro lado, o ensino oficial obrigatório é ferramenta governamental para ‘uniformizar’ a população, com o objetivo de controlar as índoles e de orientar a formação técnica, moral e cívica das futuras gerações. Educar, disciplinar, treinar, submeter, premiar e/ou subjugar para transformar crianças livres e alegres em cidadãos obedientes, sérios e produtivos.

O ensino informal e o ensino oficial são fundamentais para a convivência harmônica das pessoas em busca de melhores condições de vida. Nenhuma delas ocorre isoladamente; uma não exclui a outra; sempre se espera que se complementem. E, se houver sincronia entre essas duas ações educativas e se todas as crianças forem educadas em igualdade de condições, cada geração gozará de avanços técnicos e sociais.

No entanto, sempre houve, há e haverá luta pelo poder. E, quanto maior o conjunto de indivíduos sob o mesmo comando, maior a manipulação dos sistemas de ensino, seja no direcionamento estratégico, na exploração do trabalho, na coação por ameaças, na coerção de movimentos sociais ou na extorsão de contribuições e de impostos.

Ainda dentro da liberdade de analisar, podemos comparar a educação informal a uma oficina de artesanato em que o mestre-artesão permite que os discípulos opinem, inventem e modifiquem os processos e os produtos. Em oposição ao ensino ‘industrial’ que esmerilha cada criança para produzir ‘cidadãos em série’, meras peças da engrenagem política ou da lógica capitalista.

Em uma ‘escola artesanal’, a imaginação e os sentimentos das crianças podem criar obras inéditas, imprevisíveis, raras, até. Porém, esses artesões podem fugir do controle militar e/ou policial dos governantes e podem ‘contaminar’ o mercado com produtos irregulares, incomuns ou extraordinários, até.

Por outro lado, a produção em série, padronizada e com o descarte de ‘peças anormais’, facilita a ‘comercialização’ de ideias e de mercadorias. A palavra ‘padrão’ vem de ‘pedrão’, medida rígida estabelecida como modelo de medida. Na Idade Média, os padrões de peso e de comprimento eram pedras ‘oficiais’ que serviam de referência para aferir balanças e instrumentos de medição. Como se as pedras fossem imutáveis e, por isso, garantissem a regularidade das medidas.

A indústria alimentícia deve respeitar padrões em todos os aspectos, para fornecer alimentos idênticos. Com mesmo peso, mesmo gosto, mesma cor, mesmas substâncias, …   Ou seja, comida sempre igual, repetida, sabor invariável, sem surpresas.

Por outro lado, os cozinheiros amadores, inconstantes ou indisciplinados, desrespeitam as medidas, manipulam e/ou substituem os ingredientes, alteram o ‘modo de fazer’ e adulteram as receitas. Cada bolo será inédito e surpreendente. Assim como os demais assados, cozidos e crus que mastigamos e engolimos.

Paradoxalmente, queremos que nenhuma ‘iguaria’ seja ‘igual’. Por que haveríamos de querer que todos os adultos sejam semelhantes, uniformes, insossos, padronizados?

Só existe Ciência nas clausuras do ensino oficial?

Com as abelhas-sem-ferrão e na culinária, nós praticamos e desenvolvemos “conhecimento científico”. O método científico pode ser usado por qualquer pessoa; o cientista não é o dono do método. E o ‘método científico’ não é de ‘uso privativo do cientista’.  O “conhecimento científico” não é privilégio para diplomados por ‘universidades’. “A realidade está grávida de seu contrário.” A “Universidade” não é universal. Ao contrário, é elitista, privilégio de poucos. Tampouco, contém o saber universal. “Didaticamente”, seleciona as informações que melhor escondem o enigma do poder. Polinômios, por exemplo. Ou a lista de presidentes de uma república. Informações sem serventia… que, entretanto, mantêm as mentes ocupadas e alienadas.

Ah! O objetivo é a socialização das crianças. Será que o grau e a qualidade da socialização dependem diretamente do tamanho do rebanho? Digo, do tamanho das turmas e/ou da escola?

A socialização da criança ocorre no contato com os educadores e educandos.  Estejam eles ligados pela Internet ou presos em salas de aula. As crianças (os jovens, os adultos e todos os seres vivos) aprendem envoltas em uma determinada realidade. Se as escolas forem depósitos de crianças, as crianças aprenderão a ser depósitos dos códigos de quem os deposita: autoridades, pedagogos ou pais. As crianças serão depositárias da cultura depositada.

Estudar numa ‘escola grande’ não garante um grande número de amigos. Viajar no ônibus escolar e participar da baderna coletiva parece não contribuir para a convivência cooperativa e harmônica dos futuros adultos. Ao contrário, a competição, o bando, o bullying, o individualismo, a solidão, a timidez, a vergonha, as críticas, a gozação, … a necessidade de acompanhar o rebanho arrasa (torna rasas, nivela) as individualidades. As multidões nos anulam. Quanto maior a multidão, mais oprimido me sinto.

Os limitados de contatos com poucos colegas e com os orientadores podem suprir nossas necessidades de afeto, de estímulo e de segurança bem mais que as intensas e ilimitadas gritarias das manadas escolares e dos discursos das complexas equipes pedagógicas dos grandes educandários. Quanto maior o exército, mais forte seu comandante, mais insignificante a importância do soldado.

Penso que a escola sonhada pela Cecília seja espaço propício ao desenvolvimento de relações limitadas, porém, reais, verdadeiras, respeitosas, interessadas, cooperativas e suficientes para construirmos “uma sociedade mais justa”.

Desde tempos imemoriais, as elites detêm os segredos intelectuais: feiticeiros, sacerdotes, … doutores, juízes, … A casta dominante recebe a ‘senha’ e a autorização (o diploma), mediante o ‘sacrifício’ de – muitas vezes – passar aulas ouvindo o ‘professor’ ler, durante um semestre escolar, sua tese de mestrado ou de doutorado.

Onde se concentram os títulos de doutorado? Nos hospitais (quarteis das doenças)? Não. No Fórum da Comarca (quartel das arbitrariedades)? Não. Se concentram nas ‘universidades’ (quarteis das diplomações acadêmicas). Cartórios da Ciência.

O título da terra, o título do conhecimento científico; a escritura pública, o diploma. Títulos oficiais, não testes de proficiência. Quem tem amplo conhecimento de mecânica… se prestar exames de proficiência, será aprovado… sem ganhar título de Engenheiro… que gera status e dinheiro. Muitos são eficientes nas funções que exercem. Entre dois coordenadores de equipe com equivalente desempenho, o que tiver título de capacidade será melhor remunerado.

Só podem filosofar os que frequentaram o Curso de Filosofia e receberam o diploma? Um biólogo, como Mia Couto, ou quem aprendeu escrever por conta própria podem escrever livros? Se eu tivesse o Curso de Letras com diploma conseguiria escrever esse texto? Os alunos aprendem melhor com quem tem Curso de Doutorado?

Terreno de posse vale menos. Terreno com escritura pública registrada vale muito mais. A utilidade do espaço permanece a mesma… Conhecimento científico COM DIPLOMA, título de sabedoria, rende mais… Todo conhecimento é muito útil.

As hortas comunitárias podem ser exemplos de campos experimentais com sucesso… por usarem conhecimento científico… não titulado… Quem certifica a Ciência do horticultor? Do caminhoneiro, do cozinheiro, do mecânico, do cabeleireiro, … A trupe do Circo Torricceli é genial e … não certificada… Não receberam diplomas.

Somos colônia norte-americana e podemos ser agentes, instrumentos de colonização.  Temos que decidir entre seguir Donald Trump ou ouvir José Pacheco. Perigoso estar com um pé em cada continente. Mais que isso: com um pé em cada conteúdo ou com um neurônio em cada ideologia. E sobre o abismo social. Trump recolonizando e Pacheco tentando descolonizar.

As leituras de Marguerite Duras e de Mia Couto, além de surpresas literárias, revelam as tragédias do colonialismo francês na Cochinchina (Vietnã) e do colonialismo português em Moçambique. Leio as verdades históricas e não os estilos contundentes. Os dois “escrevem poesia”; eu leio o sofrimento humano causado pelo poder humano: as elites cultas explorando os escravos da ‘ignorância’… do ponto de vista dos colonizadores. Os vencedores que pouparam a vida dos derrotados se tornaram – moralmente – donos da vida deles.

Enfim, sonho que a pandemia do Covid-19 condene a escola tradicional ao passado e que consigamos evitar a reprodução comportamental da sociedade de consumo através da “linha de produção” dita “científica”, da formatação em série de pessoas ‘produtivas’, competitivas e vencedoras. A escola aceita e defendida pelos políticos são verdadeiras ‘fábricas de papel’, que fabricam e acumulam livros didáticos, monografias, teorias e diplomas (documento oficial que concede um direito, um cargo, um privilégio [Houaiss]), verdadeiras cargas mortas que carregamos para obter sucesso. Espero que a pandemia do Covid-19 acabe com esse modelo industrial. QUE AS CRIANÇAS SE EDUQUEM SEM SEREM EDUCADAS.

Enfim, sou um louco com uma lanterna e com uma lupa… Um antropólogo de mim mesmo… procurando uma sociedade igualitária, sem sacerdotes e sem analfabetos.

1 – Deutsche Welle, em 11 out 2020

https://www.terra.com.br/noticias/colonialismo-nos-livros-didaticos-a-historia-dos-vencedores,22050d5b0002c3b6995db2401949cff4vv7r8jvl.html

2 – Jornalista Pablo Guimón, do jornal El País, entrevista Michael J. Sandel

Brasil.elpais.com, em 12 de setembro de 2020

<p style="line-height:0.4" value="<amp-fit-text layout="fixed-height" min-font-size="6" max-font-size="14" height="80">Brasil.elpais.com, em 12 de setembro de 2020Brasil.elpais.com, em 12 de setembro de 2020

ADMIRAÇÃO

Eu admiro o voo dos pássaros. Posso passar horas, no templo da floresta, con-templando os pássaros em suas ousadias e em suas habilidades voláteis, que representam a real liberdade. Admiro, apenas… não quero estar com eles no ar, não pretendo imitar.

Admiro os heróis; fujo de heroísmos. Prefiro ser normal, passageiro, substituível e livre de idolatrias. Jamais eterno. Meu corpo e minha mente são finitos. Talvez, minhas ideias se propaguem e sobrevivam ao meu sopro vital…

Admiro o circo que está (des)armado aqui em frente. Admiro apenas. Por enquanto, sou plateia e auditoria. Logo, o circo seguirá seu espetáculo e eu permanecerei silvestre, parte da Natureza, convivendo com os bichos, plantando sementes.

Admiro a Primavera. Todavia, o encanto dela está – exatamente – na impermanência, na fugidade das estações e dos ciclos cósmicos. Se, o tempo todo, fosse primavera, já estaríamos cansados do eterno florir. A beleza das flores começa na esperança, no saber esperar, que inclui semear, plantar, regar, cuidar e imaginar. E as esperanças vegetam durante os invernos.

Procuro saber o que admiro; prefiro ter consciência do que vivo, do que quero continuar vendo de longe, do que quero viver integralmente no dia-a-dia. A beleza e a funcionalidade da vida estão na diversidade, na compreensão dos ciclos… semelhantes, porém, sempre modificados, diferentes em detalhes que fogem ao nosso entendimento. Depois de séculos, identificamos mudanças significativas.

Se chovesse o tempo todo ou se nunca chovesse, as plantas seriam extintas. A monotonia mata. A monocultura se autodestrói. Inclusive, a monocultura literária.

Viver para sempre seria a ‘morte de novas vidas’. A soberba humana pode pretender ser eterna; há quem acredite que sua estupidez seja insubstituível.

O inverno e o morrer são tão importantes quanto a primavera e o nascimento. A ressurreição, então, seria a arrogância de renascer em detrimento de outras vidas, de se intrometer nas gerações futuras. O Planeta Terra já está superlotado de homo-deuses; para sobreviver, precisa que ocorram muitas mortes definitivas, para dar espaço a novas existências. Quero viver plenamente o meu agora com o máximo senso de realidade: essa consciência de que sou único, limitado e efêmero.

VÍTIMA DA HOSPITALIDADE

Quando menino, minha mãe me mandou levar alguma coisa para a casa de uma família de descendentes de alemães. Como minha mãe ganhava dinheiro costurando, deve ter sido para entregar algum vestido, camisa ou calça encomendada. Fui um pouco antes do meio-dia.

Eu conhecia ‘de longe’ a família de tons meio dourados, na pele e nos cabelos. As sardas – ilhas de pigmento mais adensado que, agora, o dicionário me conta que são ‘efélides’ ou lentigos’ – cobriam parte dos rostos, com maior concentração nas áreas mais expostas à luz solar, e cabelos entre louros e ruivos cobriam as cabeças. Os sotaques pronunciadamente germânicos completavam as nossas disparidades.

Ah! E eles costumavam almoçar cedo. E estavam almoçando. E minha timidez não encontrou palavras para me livrar do convite quase autoritário.

Mais uma diferença cultural. Os meninos De Negri se serviam do que escolhessem à mesa e nas quantidades desejadas; a mamãe loura serviu o prato de cada menino. Inclusive, o meu.

A bondosa mulher colocou diante de mim um pouco de arroz e diversas bolas de sangue brilhante, que ia tingindo o prato, o garfo e o arroz. Me senti encurralado. Meus pais nos disciplinaram a sermos muito corteses, afáveis, até. Entretanto, aquele sangue vermelho vivo trancava de náuseas a minha garganta.

Depois de um longo exercício mental – que eles tomaram como tempo em que eu rezava em silêncio… – garfei a primeira bola rubra, me concentrei, fechei os olhos e enchi a boca… com um gosto desconhecido, mais desconhecido ainda que o sabor que eu imaginava ser o de sangue cru. Ainda bem que era macia e meio adocicada… Mastiguei com os olhos fixos num retrato de família pendurado na parede em minha frente.

Não doeu. Mais uma, mais uma, mais uma, … Ufa!!! Sobrou o arroz com as beiradas ‘ensanguentadas’. Porém, nem deu tempo de avançar nos grãos; a mulher, contente ‘por eu ter gostado tanto das beterrabas’, depositou no meu prato mais uma farta remessa…

O GOSTO DO MAR

Antônio nasceu na serra, numa casa construída pela família, com a ajuda de outras pessoas dali. Logo que cresceu um pouco, ele também passou a ajudar as pessoas construírem suas casas. Fazia isso com prazer, porque seu corpo e seu espírito gostavam de atividade e de coisas novas, de coisas por aprender.

Da primeira vez, viu a casa como um todo e a construção como um trabalho só. Depois, percebeu que a casa está dividida em partes, que são construídas numa determinada sequência, durante determinado tempo. Assim, começou a pensar nas dimensões, na qualidade e no custo.

Antônio aprendia tudo sem esforço, porque entendia a razão de se construírem casas, porque sabia da necessidade de portas e de janelas e porque estava consciente da importância do alicerce. Mas, não aprendia apenas o que via.

Maria, moradora do lugar, teve oportunidade de viajar para o litoral e conheceu o mar. De volta, contou: O MAR É SALGADO. E todos, crianças e adultos, puseram-se a pensar: Porque o mar é salgado? Quem teria jogado sal no mar? Quanto sal foi necessário? Há quanto tempo isso ocorreu?

Ao ver Maria, todos se lembravam do mar e dessas questões todas. Ela se tornou um SÍMBOLO de O MAR É SALGADO. Não foi preciso decorar, aprenderam isso naturalmente. Mas, havia muita curiosidade e nasceram muitas dúvidas. Planejavam ir até a praia, procurar respostas para suas perguntas. Passaram ainda a provar as coisas para ver se havia mais coisas SALGADAS ou, até mesmo, com outros sabores.

Porém, passou-se muito tempo – gerações inteiras – e o conjunto de casas tornou-se uma cidade grande, onde as pessoas não se conheciam e as casas eram construídas por empresas e não mais por pessoas. As crianças não mais ajudavam construir casas e, delas, não mais sabiam distinguir as partes, o início e o tempo de construção. Também, não pensavam mais por que eram construídas, de onde veio o material e quem o produziu.

Na escola, ensinavam outra lição invariável: O MAR É SALGADO. E, nas provas, perguntavam sempre: “Que gosto tem o mar?” e “Quem é salgado?” E, como ninguém conheceu Maria, a escola também ensinava que foi ela quem descobriu, em determinada data, que O MAR É SALGADO. Por isso, essas informações também faziam parte do estudo; parte da História do Lugar, que era preciso decorar e saber de cor.

As demais perguntas estavam proibidas e seria um sacrilégio alguém tentar separar o sal da água. Os conhecimentos do Livro Didático eram considerados suficientes. Para se estudar mais, bastava repetir várias vezes a mesma lição.

Foi então que, cansadas de decorebas, as crianças perderam o gosto pela escola e, não tendo interesse no sabor de um mar que não conheciam, não conseguiam aprovação, repetindo, além das lições, o ano letivo. A maioria desistia da escola, porque ela não tinha vida, tratando apenas de coisas sem uso no dia-a-dia.

Nessa escola, as crianças só aprendiam a verdade dos outros; ficavam alienadas.

Esse texto nasceu após a leitura da “SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO”, de SONIA M. P. KRUPPA. FPOLIS25SET95

DEUS, UM DELÍRIO… COLETIVO.

     Eu tenho opinião diferente das opiniões do Richard Dawkins e do Gilvas.
https://mail.google.com/mail/u/0/h/1k1ikw0z3w40a/?&th=16787f1e759d0133&v=c
Deus existe. Sempre um deus coletivo; nunca ouvi falar em deuses individuais; um deus para si mesmo.
Existem muitos ‘de eus’; milhares ‘de eus’. Cada vez que algumas dezenas de pessoas se congregam e se concretam numa ‘verdade’, cada vez que algumas dezenas de eus se sentem irresistivelmente atraídos por uma ideia, esse pensamento se torna ‘ideia fixa’ sobre espiritualidade, etnia, identidade de gênero, medo da morte, martírio, futebol, política, penitência, finanças, economia, estrelas, animais, nacionalismo ou liberdade utópica.
A comunidade adepta constrói um coletivo ‘de eus’ que passa a comandar as subjetividades; pessoas que acreditam em horóscopos, superstições, magias, bruxarias, simpatias, benzeduras, mau-olhado, sucesso, destino, riqueza e compensação celestial.
Para que uma ideia fixa ou uma crença se torne religião, basta que sejam eleitos guardiões. “Muitos são os chamados; poucos, os escolhidos.” O guardião tem a missão de guardar a verdade que foi divinizada, de proteger os crentes que, ao acreditarem cegamente, perdem o senso de realidade, de fiscalizar o cumprimento integral das obrigações dos fieis seguidores e de administrar os tabernáculos que guardam almas e segredos. Daí a existência de confessionários...
Tudo o que for sagrado deve estar protegido em sacrários. Surgem os templos para abrigar as ‘riquezas espirituais’ e um guardião dos guardiões para organizar a estrutura da igreja; uma hierarquia de guardiões.
Assim, nascem as religiões: na contínua e cada vez mais intensa convicção da verdade tornada absoluta para pessoas que se prendem indissoluvelmente a um agregado ‘de eus’; pessoas que, guiadas por um salvador, se ligam, se religam e se sustentam em procissão rumo ao paraíso e/ou ao lucro prometidos.
Pode ser que seja apenas um processo natural, como os processos físico-químicos fundamentais. Quando alguns (ou muitos) elétrons são atraídos irresistivelmente por um núcleo formado por prótons e nêutrons, passam a formar um átomo; quando um ou vários átomos se unem permanentemente uns aos outros, formam moléculas; o aglomerado de moléculas forma matérias, corpos, ligas, artefatos, ... reconhecidos internacionalmente.
Nas Ciências Sociais, as ideias se estruturam em conceitos, teses, sínteses, definições, teorias, doutrinas, ... Os cientistas são guardiões das verdades científicas; nesse sentido, os cientistas são os sacerdotes da Ciência.
“É mais fácil desintegrar um átomo que remover um hábito.” Albert Einstein
E que diluir uma crença.
Porém, as instituições – como o dinheiro, por exemplo – só existem enquanto acreditamos nelas.

ANOTAÇÕES GRAMATICAIS

ANOTAÇÕES GRAMATICAIS PARA USO PESSOAL

 do Mario Tessari

Os especialistas em gramática assumem o papel de policiais e avocam para si o direito de disciplinarem as escritas dos usuários da Língua Portuguesa. Para sorte dos falantes, falta tempo para que eles policiem também a prosódia, a ortoépia e a ortofonia.

Os gramáticos, na sua maioria, categorizam todos os sinais impressos como ‘ortográficos’. Sabemos que a Ortografia disciplina a grafia correta das palavras, conforme um conjunto de regras estabelecidas pela gramática normativa; o hífen une elementos de palavras compostas e os sinais diacríticos (cedilha e acentos) e os pontos colocados sobre as letras ‘i’ e ‘j’ são sinais gráficos usados para indicar valores fonéticos específicos para determinadas letras.

No entanto, os sinais ‘de pontuação’ (vírgula, ponto, dois-pontos, ponto-e-vírgula, reticências, parênteses, travessão e aspas), criados para facilitar a leitura e o entendimento das ideias, são ferramentas da Análise Sintática, estudo das funções das palavras e das orações em uma frase.

A Ortografia estabelece regras ‘oficiais’ de como as palavras devem ser escritas, diferenciando ‘escritas populares’ de ‘escritas eruditas’. E não, regras de sintaxe ou o estilo literário correto.

Os professores de gramática são formados pelas academias científicas com a responsabilidade de professar a ‘pureza gramatical’ e as academias literárias escolhem seus membros dentre os que obedecem a padrões científicos, como a ortografia e o formato dos textos (prosa, poema, conto, novela, romance).

A ciência linguística analisa a funcionalidade da linguagem falada e/ou escrita, a evolução e a diversificação dos sistemas de representação do pensamento humano.

A PONTUAÇÃO NA PRÁTICA LITERÁRIA

Posso usar dois-pontos (:), ponto-e-vírgula (;) ou ponto e vírgula (. e ,). Mais provavelmente, usarei vírgula e ponto (, e .), nessa sequência. Nas frases, uso vírgula para separar ideias que complementam a oração principal, ponto-e-vírgula para incluir ideias divergentes ou paralelas, ponto para indicar que completei o enunciado e ponto-final para encerrar o assunto.

Ao afirmar que o ponto-e-vírgula (;) é “sinal de pontuação que indica pausa mais forte que a da vírgula e menos que a do ponto”, o dicionarista obrigaria o gago a colocar ponto-e-vírgula a cada ‘pausa gaguejada’, além de uma procissão de vírgulas, para as pausas ‘menos fortes’. O especialista deixa outra complicação: mensurar as pausas “mais forte que a da vírgula e menos que a do ponto”. Imagino que as pausas possam ser breves ou longas. Como seriam as pausas fracas ou fortes?

Mais preocupantes ainda são as afirmações que a vírgula é uma “ligeira pausa para respirar”. Provavelmente, esse autor seja um biólogo preocupado com nossa fisiologia respiratória.

RETICÊNCIAS

As reticências, além das funções técnico-linguísticas, podem ser usadas como recurso estilístico. Vai depender se as reticências são dúvidas da palavra… ou indecisões das ideias …

No caso, estou indicando indeterminação, hesitação, dissimulação, dúvida da palavra… ou a omissão de algo que deixo de escrever para que o leitor continue … a frase por conta dele. Também uso reticências para indicar uma ‘pausa emocional’ (aposiopese) ou uma insinuação.

Em Suçurê, aparecem reticências em:

“— Vejo que a aliança ainda está no dedo… Logo … para o povo daqui,  a situação continua na mesma: só mistério.”

“— Mesmo assim, o Icobé vai ficar sozinho e não sabe lidar com o gado; a gente vai deixar tudo organizado, pra ele apenas atender alguma eventualidade. Por falar nisso, seria bom se você, Icobé, pudesse dar seu passeio de reconhecimento agora pela manhã porque cismo de saber que você saia por aí sozinho… Pode lhe acontecer algo e … – opinou Genuíno.

— Boa ideia! Vou encilhar o Zaino e dar uma volta pela invernada. Mas não demoro… – concordou Icobé.”

“— Tem que ver… – ponderou o capataz. Eu devo me afastar por uns dias… O João não pode ficar solito por muito tempo…

— Si desse … fais tempo qui num falo c´a mana Maria Rosa… – choramingou o Silvino.”

“— Não sou eu que procuro antes de ser chamado. São eles que me perturbam com vozes estranhas…

— Estranhas, porém bem audíveis, claras, pois indicam quem é e o local exato em que estão …”

O USO DA VÍRGULA ANTES DO PRONOME RELATIVO ‘QUE’

  1. Os senadores que foram eleitos no último dia 15 tomarão posse no dia …
  2. É difícil encontrar os gatos que fogem de casa durante a noite.
  3. O povo cobra dos senadores, que foram eleitos democraticamente, a responsabilidade…
  4. Os gatos, que são venerados desde o tempo dos faraós, preferem viver livres, sem coleiras.

Nas duas primeiras frases, o pronome ‘que’ indica a delimitação dos sujeitos, através de oração subordinada restritiva, com função de adjunto adnominal da palavra antecedente, indispensável para expressar o sentido pretendido. Sem vírgula.

1a. Apenas os senadores que foram eleitos no último dia 15 tomarão posse no dia …

2a. É difícil encontrar apenas os gatos que fogem de casa durante a noite.

Nas duas últimas, o pronome relativo ‘que’ é usado para iniciar uma explicação (oração subordinada adjetiva explicativa); oração opcional que acrescenta uma informação complementar, que pode ser retirada sem prejuízo de entendimento; escrita ‘entre vírgulas’.

3a O povo cobra dos senadores[, os quais foram eleitos democraticamente,] a responsabilidade…

3b O povo cobra dos senadores a responsabilidade…

4a Os gatos[, os quais são venerados desde o tempo dos faraós,] preferem viver livres, sem coleiras.

4b – Os gatos preferem viver livres, sem coleiras.

USO DE LETRAS MAIÚSCULAS

Escrevo siglas em letras maiúsculas. Uso letra maiúsculas para iniciar nomes próprios, tecnicamente, substantivos próprios. Uma palavra composta é uma palavra composta e não duas palavras ‘amarradas’. Se uma palavra composta exercer a função de substantivo próprio, deverá ser grafada com letra inicial maiúscula: Serra-abaixo, Serra-acima, Baia-norte, Baia-sul, …

EXEMPLOS DE USO DE HÍFEN

Abelha-sem-ferrão é palavra composta (substantivo) que nomeia abelhas com uma característica específica: uma espécie de abelha. E abelha sem ferrão é locução substantiva usada no caso do animal ter perdido a ‘arma’.

Se for nome da espécie, deve ser escrito ‘uruçu-amarela’. Se determinada espécie de uruçu tiver indivíduos uns pretos e outros amarelos, haverá abelhas uruçu pretas e abelhas uruçu amarelas. Mirim-guaçu preta e mirim-guaçu amarela; manduri preta e manduri amarela; porque as espécies são denominadas mirim-guaçu e manduri, respectivamente.

É questionável que os meliponíneos não possuam ferrões; mas, com certeza, não ferroam. Logo, a locução deveria ser: abelha que não ferroa. Abelha-sem-ferrão ou abelha-da-terra = espécie de abelhas dos gêneros melípona, trigona, … Uma abelha do gênero Apis que deixou o ferrão em alguém será uma abelha sem ferrão. Se os chifres de um boi forem decepados, teremos um boi sem chifres. Os que já nascem mochos serão bois-sem-chifres.

Batata-doce é uma espécie vegetal; batata doce pode ser uma batata adoçada. Boca-de-leão: uma flor; boca de leão: a abertura inicial do tubo digestivo do ‘rei dos animais’. Copo-de-leite nomeia uma flor e ‘copo de leite’ é uma porção de leite que pode estar num copo ou em outra vasilha; a expressão se refere à quantidade do alimento. Ponto-e-vírgula nomeia um sinal de pontuação; ponto e vírgula são dois sinais de pontuação.

Mesmo depois da última Reforma Ortográfica, as palavras compostas que designam espécies animais ou vegetais continuarão sendo grafadas com hífen: bem-te-vi, copo-de-leite, boca-de-renda, porco-bravo, porco-do-mato, aroeira-folha-de-salso, uruçu-boi, formiga-açucareira, formiga-cabeça-de-vidro, …

SEO OU SEU

A palavra ‘seu’ é pronome possessivo.

Eu uso ‘seo’ para traduzir a pronúncia caipira de ‘senhor’. A fala coloquial abrevia as palavras, ‘comendo letras’, economizando tempo e voz, através de síncopes, pronunciando apenas as ‘essências’ da palavra. Maior / mor, senhor / seo, está / tá, estive / tive, … Logo, ‘seo’ é pronome de tratamento. Da mesma forma, uso Sinhá ou Siá, para designar senhora.

ETCÉTERA

Et cetera, do Latim = e outras coisas, e assim por diante, …

A abreviatura (etc.) já vem precedida do conetivo ‘e’ (et). Logo, não uso vírgula antes de ‘etc.’ Aliás, uso reticências ao invés de usar etcétera. Deixo o ‘et cetera’ para os romanos. Sou de época mais recente.

aprender praticar saber

Você sabe ler?

 

Sei, sim senhor.

Sei.

Mais ou menos.

Não sei, não.

 

Pergunta banalizada na boca

de quem julga saber;

de quem julga o saber.

 

Pergunta impensada;

resposta protocolar

cumprindo formalidade.

 

A maioria que aprendeu a ler

pratica apenas leituras rasas

de placas, de preços e de moedas.

A maioria lê o de sobrevivência

e o de interesse, o de lucro.

 

Mas, poucos praticam

analisar ideias escritas.

 

Leituras ativam memórias,

geram sentimentos,

traduzem o que foi escrito,

aceitam, acrescentam ou restringem,

mudam a cor dos significados.

 

Inventar ideias a partir de

ideias gravadas no papel…

Quem é que pratica?

 

Desafios físicos e aventuras

são jogos nas idades de vigor.

Quais as dinâmicas na velhice?

Quando o corpo pouco age e reage?

 

Feliz quem sabe aprender na velhice

a praticar jogos mentais e se encanta

com segredos que as letras revelam.

 

Mais feliz ainda quem exerce o desafio

de esconder ideias nas dobras das palavras.

 

Quem sabe proclamar, na velhice,

a sabedoria construída aos poucos?

 

Quem consegue manter a mente jovem?

DESEDUCAÇÃO

Lendo essas notícias,

http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2017-10/mec-quer-colocar-auxiliares-em-sala-de-aula-para-melhorar-alfabetizacao

https://novaescola.org.br/conteudo/7067/nova-politica-do-mec-coloca-assistentes-de-alfabetizacao-nas-escolas

fico ainda mais preocupado.

Colocar (ainda) mais professores em sala de aula é como colocar um segundo locutor na rádio, um segundo volante nos automóveis ou mais vendedores em lojas falidas.

Pouco resolve dar um carro para quem não sabe para onde ir e dar escola multimídia para aluno que não vê função na leitura/escrita/matematização.

Os filhos de pessoas que usam intensamente essas tecnologias ‘educacionais’ aprendem ler, escrever e calcular bem antes da ‘idade escolar’. Quando os pais e a família não alcançam os benefícios do letramento, de nada adiantará estender os períodos letivos ou entulhar a escola de ‘profissionais’. Essa é uma estratégia capitalista que amplia o mercado, ‘valoriza a profissão’ e atravanca a aprendizagem.

Precisamos mudar a Sociedade, os governos e o povo. Principalmente, o povo. E não fazer mais do que a realidade mostra ser um equívoco.

Fica muito difícil convencer alguém a andar a cavalo numa época em que sobram motocicletas e automóveis. As possibilidades e as formas de aprender mudaram; a ‘escola’ continua a mesma do tempo do lampião a gás. Ninguém aprende por decreto. Sobram ameaças e projetos mirabolantes.

Ampliar a hospitalização e a educação gera mais problemas para a saúde e para a aprendizagem. É preciso analisar quem lucra com a doença e com a ignorância.

Vamos mudar o Brasil?

ALEGRIAS HUMANAS

ALEGRIAS HUMANAS

Vida dura,
pagar as contas,
criar os filhos,
dois empregos,
voltar pra casa,
lavar a roupa,
cozinhar marmita,
dormir exaustos.

Melhores salários,
casa nova,
menos trabalho,
tempo pra TV,
descontração,
‘esquecer da Vida’,
alienação.

Acordar:
ligar a TV,
chegar pro almoço:
ligar a TV,
voltar do trabalho:
ligar a TV,

desligar da Vida.

Que tragédia!!!
TV quebrada,
sem diversão,
sem novela,
sem religião,
sem notícias…

Contar pro vizinho
desgraça da família:
TV não liga,
aparelho de plasma,
um dinheirão…
que não funciona.

Vizinho ocupado,
vendo na TV:
futebol manipulado,
corrupção política,
estupro eclesiástico,
propaganda enganosa.

Entrar no carro,
sair à toa,
ver paisagens,
(re)conhecer o mundo,
admirar a árvore,
assustar passarinho,
saudar pessoas…

Choque de realidade:
gente falante,
notícias humanas,
crianças correndo,

alegrias humanas.

Alegria humanas???