RESPONSABILIDADE CRÍTICA

Nada lembramos do que vivemos inconscientemente quando bebês. Durante a infância e a adolescência, agimos mais por impulso que por raciocínio lógico. Aos poucos, fomos tomando consciência de nossos acertos e de nossos erros. Passamos a pensar antes de fazer e a acreditar que nossas vivências são construídas por nossas escolhas e não por azar ou sorte.

À medida que envelhecemos, passamos a pensar mais sobre o cada vez menos que fazemos; substituímos ingenuidade e espontaneidade por responsabilidade crítica.

Se analisarmos o que formos fazer ou o que já fizemos, poderemos reduzir o volume de decepções e de fracassos, bem como, viver sem tantos sobressaltos e sofrimentos.

DEUS, UM DELÍRIO … COLETIVO

Eu tenho opinião diferente das opiniões do Richard Dawkins e do Gilvas.
https://mail.google.com/mail/u/0/h/1k1ikw0z3w40a/?&th=16787f1e759d0133&v=c
     Deus existe. Sempre um deus coletivo; nunca ouvi falar em deuses individuais; um deus para si mesmo.

     Existem muitos ‘de eus’; milhares ‘de eus’. Cada vez que algumas dezenas de pessoas se congregam e se concretam numa ‘verdade’, cada vez que algumas dezenas de eus se sentem irresistivelmente atraídos por uma ideia, esse pensamento se torna ‘ideia fixa’ sobre espiritualidade, etnia, identidade de gênero, medo da morte, martírio, futebol, política, penitência, finanças, economia, estrelas, animais, nacionalismo ou liberdade utópica.
     A comunidade adepta constrói um coletivo ‘de eus’ que passa a comandar as subjetividades; pessoas que acreditam em horóscopos, superstições, magias, bruxarias, simpatias, benzeduras, mau-olhado, sucesso, destino, riqueza e compensação celestial.
     Para que uma ideia fixa ou uma crença se torne religião, basta que sejam eleitos guardiões. “Muitos são os chamados; poucos, os escolhidos.” O guardião tem a missão de guardar a verdade que foi divinizada, de proteger os crentes (que, ao acreditarem cegamente, perdem o senso de realidade), de fiscalizar o cumprimento integral das obrigações dos fiéis seguidores e de administrar os tabernáculos que guardam almas e segredos. Daí a existência de confessionários…
     Tudo o que for sagrado deve estar protegido em sacrários. Surgem os templos para abrigar as ‘riquezas espirituais’ e um guardião dos guardiões para organizar a estrutura da igreja; uma hierarquia de guardiões.
     Assim, nascem as religiões: na contínua e cada vez mais intensa convicção da verdade tornada absoluta para pessoas que se prendem indissoluvelmente a um agregado ‘de eus’; pessoas que, guiadas por um salvador, se ligam, se religam e se sustentam em procissão rumo ao paraíso e/ou ao lucro prometidos.
     Pode ser que seja apenas um processo natural, como os processos físico-químicos fundamentais. Quando alguns (ou muitos) elétrons são atraídos irresistivelmente por um núcleo formado por prótons e nêutrons, passam a formar um átomo; quando um ou vários átomos se unem permanentemente uns aos outros, formam moléculas; o aglomerado de moléculas forma matérias, corpos, ligas, artefatos, … reconhecidos internacionalmente.
     Nas Ciências Sociais, as ideias se estruturam em conceitos, teses, sínteses, definições, teorias, doutrinas, … Os cientistas são guardiões das verdades científicas; nesse sentido, os cientistas são os sacerdotes da Ciência.
     “É mais fácil desintegrar um átomo que remover um hábito.” Albert Einstein
     E que diluir uma crença.
     Porém, as instituições (como o dinheiro, por exemplo) só existem enquanto acreditamos nelas.

Notas:

  1. A Bíblia foi a primeira enciclopédia europeia da Humanidade, contendo tudo o que havia sido manuscrito, os textos eruditos, e o que se conseguiu reunir da tradição oral e da sabedoria popular.
  2. De fato, temos imensa dificuldade de assumirmos nossos ceticismos.

Ceticismo, “doutrina segundo a qual o espírito humano não pode atingir nenhuma certeza a respeito da verdade, o que resulta em um procedimento intelectual de dúvida permanente e na abdicação, por inata incapacidade, de uma compreensão metafísica, religiosa ou absoluta do real” Dicionário Houaiss

PIOLHENTO

Em Ipoméia, os adultos contavam e repetiam a história da “Véia Pina” e do “Celestino Pancada” toda vez que uma criança insistisse em implicar com os colegas ou na prática de maldades sem nexo. A história era usada como fábula, com função moral de corrigir comportamentos.

Nos tempos atuais, seria preconceito com ela e boas reflexões sobre o nome dele: Celestino, porque ‘merecia o céu’ de tanta pancada que recebeu na vida? Piolhento, dizia ela.

Relatavam um evento fatídico que ficou impresso em nossas memórias. Nunca lembrei de perguntar quem de fato eram, se tiveram filhos, do que viviam. Nem mesmo o nome civil completo dos dois. Lembro apenas que a casa deles ficava na barranca da margem direita do Rio Preto, a meio caminho entre a vila e o moinho. Era uma faixa estreita de chão batido e varrido, com uma casa de madeira escurecida pelas intempéries durante muito tempo.

Diziam que ela vivia implicando com o marido, debicando, enticando e chamando de piolhento. Diziam que a vida conjugal deles sempre teria sido assim: ela depreciando o marido e ele suportando tudo calado.

Naquele dia, ela teria chamado e apontado para a algo invisível no meio do rio. Ele teria olhado o ponto apontado, com atenção, forçando as vistas. E ela, aproveitando a concentração dele no inexistente apontado, embalou carreira pra empurrar o marido pra morte. Ele, porém, escutou os passos acelerados dela e, no momento que seria empurrado, saiu de lado, deixando que a mulher passasse a toda e caísse na água profunda do rio.

Ela, mesmo submersa e se afogando, ainda punha as mãos pra fora da água e fazia o gesto de quem esmaga piolho entre as unhas dos polegares.

LIMITES

   Cada ser vivo estabelece seu espaço vital, conforme o poder que tem de restringir o espaço dos outros. Se sozinho no mundo, provavelmente, o indivíduo estabeleça seus limites no limiar de suas necessidades de espaço.

No entanto, cada vez mais, aumenta a densidade de seres vivos, diminuindo a fatia que corresponde a cada um. Por isso, como algumas plantas e alguns animais, sobrepujam os mais fracos, invadindo os espaços vitais deles. Excedem aos seus limites, exatamente porque os vizinhos carecem de forças e de agressividade para defenderem os próprios limites.
Por outro lado, alguns dos invadidos utilizam justamente a inércia individual para provocar piedade, reivindicando direitos iguais.
A palavra respeito é aglutinação portuguesa da expressão latina ‘res pectus’, significando coisa alheia. Ou seja, se é dos outros, não devo mexer.
Mas, também, pode significar ‘ação de olhar para trás’. Então, respeitar deveria ser aceitar o limite dos outros, sem abrir mão dos próprios limites.
A convivência entre seres vivos será sempre uma relação de poder. Para nós seres humanos, poderá ser um conjunto de relações pacíficas, mediadas por comportamentos éticos.

Trecho do livro SUÇURÊ

“— Ele parecia temeroso com alguma situação...
— Você é ainda muito jovem para entender as redes de intrigas políticas... Podemos considerar que, para atender o pedido do deputado, o Coronel teria de se expor para o Juiz de Paz, pedindo favores que poderiam custar caro mais tarde.
— Quanto devo cobrar para ler e para escrever?
— Icobé, o preço das coisas depende mais da necessidade de quem paga do que do esforço despendido. Você pode carregar pedras para quem não precisa e, é claro, não vai te pagar por isso. No entanto, a carreira política do Coronel depende de um bom secretário.
— Mas, eu tenho apenas catorze anos...
— A qualidade do serviço independe da idade. O valor de teu trabalho será proporcional à utilidade dele; será tão importante quanto o problema que ele resolver. Nós nos fazemos profissionais ao resolver problemas. Mesmo sendo um menino, você pode resolver um grande problema do Coronel.
Icobé tomava consciência das responsabilidades da vida adulta e das complexas relações sociais, políticas e econômicas que se estabelecem mesmo que as pessoas não assumam o controle dos eventos. O livre arbítrio será sempre relativo: se a pessoa escolhe uma profissão e se prepara para ela, poderá exercer com maior competência a sua participação comunitária; se não assume as escolhas e não planeja as ações, acaba sendo escolhido e manipulado por outras pessoas e, até, pelas suas próprias necessidades.”
                                                                Pág. 62/63

HIGIENE DA CUECA

   Nasci e cresci imerso na cultura brasileira: machista, reprodutiva, contraditória e simplista; às vezes, simplória e, até, leviana.
Por procura ou por sorte, fui ouvindo vozes dissonantes, indicações de ingenuidades coletivas que se enraizavam em mim também. Sou cientista amador, movido por curiosidade, em busca de atitudes mais coerentes.
   Lá pela terceira década de vida, um comentário, quase um murmúrio, despertou minha mente para as condições higiênicas de minhas cuecas.
   Quando criança, habitante de um cafundó, minha mãe aproveitava panos velhos, restos de camisas ou sobras de retalhos para confeccionar uma roupa íntima elementar. Ainda menino, fui enviado ao seminário para aprender a ler e a escrever. Ela precisa fazer bonito. Afinal, o filho seria alfabetizado. Então, ela aprimorou o modelo, chegando a algo próximo de uma cueca samba-canção. Só passei a usar cuecas compradas em loja quando ganhei algum dinheiro e saí da vila para estudar e trabalhar em uma pequena cidade.
   Paralelamente, a “privada” dos meus tempos na roça evoluiu, nos seminários, para “banheiro coletivo”; para banheiros de pensionatos e para um banheiro adaptado em minha primeira casa; de madeira, mas, “com banheiro”, se bem que ‘adaptado’. Nos seminários, só o nome de “banheiro”, pois, os banhos semanais dependiam das águas – às vezes, barrentas – dos rios.
   E assim fui evoluindo... Mesmo que – hoje, percebo – ainda faltasse muito para poder me vangloriar da higiene pessoal. Aí, ouvi o cochicho a que me referi em alguns parágrafos atrás.
   Desde menino, depois de urinar, toda vez, eu esperava as últimas gotas abandonarem a glande; me demorava... e as pessoas ironizavam esse tempo extra, insinuando malícias ou ironias. Por mais que cuidasse e usasse estratégias para evitar as gotas de urina restantes, a cueca, vez em quando, manifestava o odor de desasseio.
   Perguntei para algumas mulheres como elas faziam para evitar que a calcinha ‘ficasse temperada de urina’. Estranharam a pergunta e demonstraram preocupação com meu comportamento e com minha masculinidade. Ora, usavam papel higiênico...
Pensei: nunca vi meninos, rapazes e homens usando papel absorvente para secar as gotas temporãs... Porém, mesmo que fosse ironizado, decidi experimentar a técnica sanitária.
   Confesso que sofri zombarias e reprimendas. Afinal, estava violando o código do machismo, posto em risco a segurança dos ‘verdadeiramente homens’ e semeando dúvidas sobre minha opção sexual.
   Outra decisão minha: sentar no vaso sanitário para urinar. Afinal, quem convive comigo merece encontrar o assento limpo e inodoro.
   Na Década de 1980, quando passei a trabalhar para uma empresa em que os mictórios se estendiam ao longo de uma parede, às vezes, passava por humilhação, porque algum colega me via a higienizar a glande e o prepúcio e proclamava essa ‘pouca vergonha’ para debochados colegas e clientes na grande sala de trabalho.
   Também sofria escárnios em estações rodoviárias e aeroportos. Os que viam secando os restos de urina riam com complacência, parecendo se apiedarem dos meus desvios ‘morais’. Entretanto, minhas cuecas ficavam quase livres de imundícies e eu sentia o orgulho de romper um preconceito. Por me sentir menos sujo e mais confortável, fiz desse cuidado um hábito.
   No final do Século XX, embarcava mais uma vez para exercer meu trabalho no extremo-norte do país. Depois de encaminhar minha bagagem e meu embarque, fui aos ‘sanitários’, carregando a ‘bagagem de mão’.
   Como sempre se faz, ao adentrar ao ambiente restrito, lancei um olhar estratégico para a parede em frente, onde se alinhavam os mictórios ... e encontrei um rolo de papel higiênico ao lado ‘direito’ de cada urinol de louça.
   Aquela visão me deixou paralisado. E a estátua viva chorou... Inicialmente, um choro manso, lágrimas escorrendo silenciosamente... Os dois passageiros que lá estavam, ao sair, passaram por mim olhando o chão, compadecidos com meu pranto. Os que vinham entrando me olharam com assombro e um deles veio me consolar, pois, então, eu já me sacudia em soluços.
   Me emocionei porque via realizado um sonho evolutivo; um espaço público tinha sido preparado para atender a uma necessidade daqueles que desejavam privilegiar a higiene íntima em detrimento da glória machista de ‘jamais se comportar como mulher’.
   Tenho consciência de que aqueles rolos de papel higiênico foram colocados ali para atender mais da metade dos ‘homens’ que ali urinassem; que, sozinho, nada teria conseguido. Todavia, eu tinha sido um dos que lutaram em silêncio por aquele benefício. Vibrei de alegria por ter participado de um evento social evolutivo; de ter ouvido o Zeitgeist (“o espírito do tempo”) e contribuído para a higiene das cuecas.
                                              Sítio Itaguá, 08.09.2020

LER O QUE NOS MANDAM LER

No jogo político-social, cada personagem defende a sua trincheira. Os bandidos (que andam em bando…) espertos, os canalhas eficientes, os malvados e os maldosos diplomados exercem funções da Sociedade ‘elevada’ … para a sociedade levada…

Quando o dedo aponta a lua, os idiotas olham o dedo.” Herbert Marshall McLuan

Ou seja, enquanto o povo olha o dedo, o Sistema age livre de análises críticas.

Lendo a reportagem https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2023/05/01/escritor-tem-livro-retirado-de-vestibular-de-universidade-apos-deputado-criticar-obra.ghtml, concluo (talvez, só eu, louco, Lúcifer, …):

Os professores e os reitores ‘responsáveis’ (ir…) pelo ‘vestibular’ não leem os livros que usam como texto-base … que são indicados por professores/atores de ‘cursinhos pré-vestibular’.

Segue a quadrilha educativa (com bem mais que quatro…), não é José Pacheco?

“… Hoje, o tirano governa não pelo cassetete e pelo punho; mas, disfarçado em pesquisador de mercado, ele conduz seu rebanho pelos caminhos da utilidade e conforto.” Herbert Marshall McLuan

É a experiência, e não a compreensão, que influencia o comportamento.” Herbert Marshall McLuan

A esquizofrenia pode ser uma consequência inevitável da alfabetização.” Herbert Marshall McLuan

RECONHECIMENTO

   Desconheço as razões pelas quais escrevo; apenas, escrevo.
   Ler e escrever foram desejos gerados por meus pais, Anna Maria e Vitorino, bem antes de "deus lhes dar um filho". (Nem imaginavam existir óvulos e espermatozoides...) Devo a eles muito do que sou. Além de me darem corpo, cultivaram minha mente e forjaram valores que prezo e procuro praticar.
   Escrevi literariamente a partir da adolescência. O primeiro poema, que guardo por escrito, foi dedicado a meu pai, matado anos antes. Durante o Ensino Médio, a professora de Língua Portuguesa, Irmã Maria Rosa, como avaliação escrita, determinou: “Escreva uma redação sobre o tema: RUAZINHA DA MINHA INFÂNCIA”. Escrevi um soneto, contemplado com nota dez e estrelinhas. O poema está na página 9 do livro Ipoméia. Segundo poema, logo a seguir do poema-título.
   À medida que o tempo passava, mais e melhor fui escrevendo. Escrevi e escrevo por escrever, para ajudar pessoas a escreverem, para organizar meu código de valores, para construir vida intelectual e como possibilidade pós-morte.
   Alguns mestres escolares me incentivaram e orientaram. Quando ganhei dinheiro, comprei uma máquina de escrever e papel em resma. Montei livros datilografados... O primeiro computador, a primeira ferramenta de digitação eletrônica (o aplicativo Fácil), depois, o Windows e o Word.
   Em 1977, as senhoras luteranas da OASE, de Canoinhas SC, estavam organizando um grande evento cultural e Ederson Luis Matos Mota, diretor da EEB Almirante Barroso, propôs que fosse lançado um livro e que poderia ser um livro com poemas do Mario Tessari. O Ederson selecionou trinta e um poemas que receberam capa e ilustrações de Maria de Lourdes Brehmer e formaram o pequeno livro Ipoméia.
   A partir dessa publicação, recebi convite de jornais e de revistas, onde pratiquei as artes poéticas, narrativas, cronicontadas, ...
   Aos dezesseis anos, tive a sorte de conviver com um homem culto, que colocou à minha disposição sua biblioteca e que me propunha desafios todos os dias. Eu admirava imensamente o casal e considerava a história do amor deles algo com direito a ser narrado; iniciei as escrituras de SUÇURÊ.
   Depois de aposentado, voltei à UFSC como aluno do Curso de Psicologia. Como participante daquele centro cultural, me senti no direito de publicar um livro pela EdUFSC. O poeta que presidia a Editora, me tratou com desdém e encaminhou a negativa com o conselho de que aguardasse alguns anos 'para amadurecer' e reescrever os poemas. Eu estava com cinquenta e três anos... E os leitores poderão avaliar a 'maturidade' dos poemas que compõe o livro MOMENTOS, publicado em 2004.
   Essa publicação foi o desencadear de muitas outras publicações. E não por acaso: a partir desse ano passei a conviver dia-e-noite com Maria Elisa Ghisi.
   Além de parceiros nas lidas cotidianas, domésticas e profissionais, unimos nossas mentes em leituras compartilhadas e no esforço para bem escrever.
   A Elisa tem ótimas ideias. Porém, as ideias dela permanecem orais, ágrafas. Apenas anota e registra pensamentos ... em letra cursiva; tudo manuscrito.
No entanto, sem ela, não haveria tantos ‘livros do Mario Tessari’, nem tantos textos publicados no blogue. Ela também é a principal divulgadora de minhas obras.
   Todavia, a maior contribuição dela sempre foi e continua sendo a leitura atenta, as críticas assertivas e acertivas, a indicação da presença de obscuridade ou de ideias confusas (falta de clareza ou ambiguidade), a denúncia de incoerências, vazios ou absurdos, o questionamento das construções frasais, o apontamento da necessidade de coerência ética, os alertas sobre estética e fluência e a exigência de responsabilidade sobre o que se escreve. 
   Sem ela, a qualidade dos meus livros (conteúdo e redação) estaria bem abaixo.
   No início do ano 2022, fui movido pelo desejo de escrever estórias para meus netos. As ideias foram surgindo em minha mente e transformadas em textos digitais. Porém, dependeria de alguém que conseguisse desenhar melhor do que eu, que consigo apenas rabiscar...
   Com auxílio da WEB, encontrei a ilustradora Renata Ramos e iniciamos uma parceria literária. Além de criar imagens lindas e comunicativas para cada ideia escrita, ela trabalhou bastante e conseguiu publicar nosso primeiro livro para crianças de alguns países.

HOMO SAPIENS SAPIENS FUTURUS

     A Medicina e os profissionais ‘da saúde’ atendem doentes e combatem doenças. As pessoas enfermas vão (ou são encaminhadas) ao Sistema de Saúde: consultórios, médicos e hospitais. Paradoxal. “A realidade está grávida de seu contrário.”*
     Se uma pessoa saudável, em pleno exercício de sua saúde, chega a um consultório, clínica ou hospital, será considerada ingênua e corre o risco de ser ridicularizada em seus temores ou, bem possível, de ser explorada emocional e financeiramente. O mercado clínico explora, lucrativamente, o nosso medo de adoecer e o nosso pavor diante da certeza de que vamos morrer.
     Além do interesse profissional e financeiro da Indústria Clínica, agora, pessoas sadias, que gozam até de saúde invejável, desejam ser ainda mais saudáveis: SUPERsaudáveis ou mais, HIPERsaudáveis. Possivelmente, na esperança de fazer parte de uma nova espécie humana que viveria trezentos anos, com possibilidade de viver ‘para sempre’.
     Mesmo que inconsciente ou de forma disfarçada, talvez, já exista um grupo humano sonhando com a construção de uma elite de gigantes, como há uma elite capitalista, que acredita na importância de ficarem cada vez mais ricos, para que os riquíssimos consigam amealhar ainda mais riqueza, formando uma casta que se afastará ainda mais da pobreza popular. Essa elite quer criar um ‘mundo à parte’, distante da miséria e da possibilidade de morrer de fome...
     Chega, agora, a notícia de que um inglês insatisfeito com o corpo dele pagou mais que R$ 800.000,00 para um cirurgião enxertar ossos nas pernas ... e ele “cresceu 8 cm”.** Imagino que o ego do homem tenha crescido muito mais... Será que ficará mais saudável? Será que estará mais feliz?
     Na minha terceira passagem como estudante da UFSC, aos cinquenta e três anos, muitos colegas ainda meio adolescentes olhavam com compaixão para o grupo de ‘velhos’ da turma, porque a “Matrix” estava se realizando aos poucos: que eles, SUPERjovens e SUPERinteligentes, seriam os primeiros pós-sapiens-sapiens e que nós éramos bichos do passado, hominídeos a serem usados como serviçais deles, para resolver pequenos problemas que ainda não eram resolvidos pela inteligência artificial e pela automação total.
     Nesses tempos antropocêntricos e de reinvenção do homem, ressurgem células de fascismo e de nazismo, adeptos da eugenia, e as escolas trabalham na formação de SUPERdotados, a partir da seleção de alunos SUPERinteligentes que possam construir um mundo virtual, espaços cibernéticos ... nas nuvens, residência de semideuses...
     Lembro que, ao final do Século XX, durante um dos muitos trabalhos meus na Amazônia, me contaram que, em uma aldeia próxima, estava surgindo “uma nova ‘raça’ de índios, índios gigantes”. Isso acontecia em uma única aldeia daquela tribo que habitava uma vasta região. Antropólogos, sertanistas, biólogos, sociólogos e cientistas de ‘instituições superiores’ haviam estudado o fenômeno sob todos os aspectos, sem, porém, encontrar “evidências científicas” que explicassem ‘a boa nova’.
     Passados alguns anos, um viajante, leigo e despretensioso, perguntou, a um caçador que conhecia quase todas as aldeias, em quantas delas atracava esse barco com câmara frigorífica. “Só nesse”, afirmou ele. Ou seja, os ‘frangos de granja’, com altos níveis de somatotropina (hormônio do crescimento) só chegavam a essa aldeia e os resíduos continuavam agindo naqueles índios ‘privilegiados’.
     Décadas depois, uma pesquisa acadêmica ‘descobriu’ que, naquela aldeia, as doenças desenvolvidas pelo próprio corpo matavam antes e mais que as doenças transmissíveis.

*Princípio fundamental da Filosofia Dialética.
**https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2022/11/21/homem-gasta-mais-de-r-800-mil-para-fazer-cirurgia-e-crescer-8-centimetros.htm