MOMENTOS

A realidade da vida é construída por nosso olhar.

Se olharmos o mundo sempre na mesma perspectiva, veremos sempre as mesmas faces das mesmas coisas.                  

As coisas parecem ser como são vistas, no entanto, teremos novas imagens delas se mudarmos a direção do olhar.

A criança vê o mundo com olhos de novidade, com curiosidade: não se satisfaz com o que vê; explora o objeto e constrói o novo a cada olhar. Não algo inexistente que passa a existir, mas uma nova imagem gerada por um olhar diferente sobre as mesmas coisas.

A beleza e a tristeza, que nascem nos mesmos olhos, são frutos de diferentes formas de olhar.

O medo do novo limita o olhar, condenando a realidade a permanecer o que foi e impedindo que a vida continue; o medo do novo nos mata por dentro.

Poemas são representações de novos olhares sobre uma mesma realidade; são como que fotografias dos momentos que o poeta vive.

(Em parceria com Maria Elisa Ghisi, no livro MOMENTOS.)

CURSO SALUTAR (para nossa saúde)

   Dor no braço? Qual deles? Importa saber qual braço? O nome da doença? Quando começa doer? Quando alivia? Por que?
Isso é um problema? Quem resolve esse problema? O médico? Os medicamentos? Anestesiar a dor ou descobrir e evitar a causa?
Como era aos vinte anos? Como começou? Qual a tendência? Como prevenir? Ou é melhor esperar o braço cair? O que fazer? Cirurgia? Consumir enganadores das doenças? Ou mudar as atitudes? Reconhecer o envelhecimento e os limites físicos e orgânicos? O que o corpo nos fala? Melhor calar as reclamações do corpo ou tomar consciência dos desgastes pelo excesso de trabalho, pelo estresse?
Quem nos aposenta? O Governo, as empresas ou nós é que devemos saber o momento de reduzir a carga, de fazer diferente, de fazer menos, nos aposentar aos poucos e, depois definitivamente? Vamos planejar a aposentadoria ou aguardamos os ‘prazos legais’? Depois de aposentados vamos viver nos aposentos ou vamos manter o corpo e a mente ativos?
Posso fazer sem ajuda ou vou pedir e contar com ajuda? Continuo ‘sabendo tudo’ ou será mais produtivo dialogar, ouvir pessoas? Ideias coletivas, trabalho em equipe? Heroísmo individual ou trabalho feito por muitas mãos, com humildade e vontade de cooperar?

ÁDVENA

A fruta estava madura, no ponto. A polpa estava deliciosa. E as sementes, muito semelhantes entre si, despertaram no homem a vontade de plantar, de ver as pequenas folhas emergirem, de admirar a planta tenra, de apreciar a folhagem juvenil e de saborear novos frutos, quem sabe?

Movido pelo impulso vital e revivendo sua infância na roça, contemplou as sementes e cedeu ao impulso de colocar algumas para germinar. Durante dias, aguardou a germinação dos óvulos, que iam rompendo os tegumentos até as radículas e a plúmulas surgirem dos embriões. A seguir, acalentou o desenvolvimento das plântulas.

Porém, ao derredor da morada humana, a terra e a Terra haviam sido dominadas e subjugadas por alvenarias e por asfaltos, sem um palmo de solo natural para receber árvores em crescimento.

Da janela, ele contemplava a rua quando percebeu um pequeno buraco ainda não cimentado após o conserto da calçada. Sorrateiro, a olhar para os lados temendo policiamento, ele cavou a terra e, em meio à esterilidade urbana, plantou uma das pequenas árvores.

A partir desse dia, sua função principal era vigiar e regar a árvore-criança com desejos de vicejamento. Temia que os cães satisfizessem as necessidades fisiológicas em cima e ao redor, que as formigas atacassem as folhas tenras, que algum funcionário público ou algum vizinho ‘limpasse’ a calçada. Fatal seria se um pneu esmagasse a vida em seu início.

Vencidos todos esses ‘inimigos’, ele e a árvore comemoraram a preservação da vida. Aos poucos, o arbusto solitário passou a ser ponto de referência, para a família e para os vizinhos. Todos amavam e defendiam a arvoreta, dos perigos da poluição, dos vândalos, das bicicletas e dos pisões. Confiavam que a vida venceria a esterilidade.

Iniciava um longo período de cultivo para que a árvore crescesse livre e sadia. Mesmo com toda a atenção e o carinho do homem, havia dificuldades. Enegrecidas pela fuligem oleosa dos motores e pela poeira dos pneus, as folhas tentavam respirar o gás carbônico liberado pelos pulmões dos estressados que corriam atrás de prazeres imediatos e totais. Poderiam assim contribuir para a redução do ‘efeito estufa’ E as pessoas poderiam sentar à sombra refrescante.

Os cães depositavam líquidos e sais alimentares. Entretanto, os excrementos liberavam odores desagradáveis. A árvore precisava de calor para seu metabolismo; porém, o sol escaldante cozinhava suas raízes sob as lajes de concreto.

Para viver, as plantas se renovam, soltando as folhas caducas e produzindo ramos e folhas novas, uma ressureição cotidiana e contínua. Então, as pessoas esqueciam ‘do grande amor pela Natureza’ e maldiziam as folhas caídas, elementos estranhos naquela perfeição urbana. Desconheciam (ou já tinham esquecido) que as folhas mortas podem virar alimento para as plantas vivas. As pessoas preferiam controlar a harmonia visual.

E mesmo os frutos incomodavam; os humanos preferiam devorar guloseimas açucaradas e bebidas energéticas, turbinadas. Por isso, os frutos amadureciam e caiam ao pé da árvore solitária, atraindo moscas. Havia também, o risco de quem passasse escorregar, cair, se sujar, sofrer fraturas. E as sementes, inconscientes da indignação do povo, começavam a germinar nas gretas das pedras e dos blocos de concreto, ameaçando entupir os bueiros e causar transtornos. A germinação das novas sementes preocupava os humanos que teriam de trabalhar muito trabalho para vigiar, cuidar, arrancar, limpar.

A árvore espalhava ‘problemas’ ao derredor. Então, as intrigas cresceram em volume e acidez contra quem encontrou, cuidou e plantou a semente. Acionados os ‘órgãos públicos’, a ‘Justiça’ montou o competente processo jurídico e os políticos ‘da oposição’ aproveitaram o alarido da mídia para fomentar a campanha eleitoral. Diversas polícias precisariam agir.

A árvore tinha ganho aversão comunitária e precisava ser erradicada, porque desassossegava a urbe. Nada mais incômodo que a ‘vida selvagem’ ocupando os exíguos e caríssimos espaços civilizados, sobrecarregando os serviços públicos e atrapalhando ‘a mobilidade urbana’.

Por mais lógico e simples que fosse arrancar uma árvore, fez-se uma guerra, com os ‘defensores da Natureza’ agredindo a todos que pretendessem ‘limpar a cidade’. Ecologistas que jamais haviam plantado uma semente invadiram as redes sociais e as ruas para vociferar contra os ‘agressores da Vida’. Paradoxalmente, ambos os lados da contenda gritavam ameaças de mortes. Todos tinham razão e ninguém tomava uma gota de senso de realidade.

Foram mobilizados os tribunais supremos e os exércitos policiais. Os julgamentos, transmitidos em tempo real, entretinham a multidão esquecida de seus afazeres e de seus problemas pessoais. Então, não mais a árvore e, muito menos, a semente, eram o foco do problema. A importância da árvore passou a ser as funções sociais que ela sustentava: os tribunais, as câmaras, as assembleias, as ONGs, os influenciadores, os jornalistas e os sindicatos.

Apesar de todos os transtornos para a perfeição urbana, a árvore teria de permanecer incomodando, porque um vegetal perdido na aridez urbana conseguia manter, em equilíbrio dinâmico, uma rede de descontentamentos úteis e lucrativos para os dois lados da contenda. As ‘graves consequências’ de um louco que fez germinar as sementes de uma fruta saborosa mantinham as pessoas vivas e orgulhosas de suas importâncias.

ARBÍTRIO CONDICIONADO

Livre arbítrio é ilusão; somos seres circunstanciados, influenciados e pressionados por condições externas e por vontades dos outros. Às vezes, somos cobrados por quem desconhece a realidade íntima em que vivemos; de forma similar, todo texto é escrito dentro de um contexto e lido no contexto de cada leitor, podendo ser incompreendido e depreciado.

O modo como vivemos decorre de escolhas. E nossas escolhas dependem de outras escolhas. Somos pouco autônomos; dependemos dos outros… que, sem essas análises filosóficas, sem diálogo franco, colaboram ou cobram.

Longe de ser classificação entre o bem e o mal, entre o que é bom e o que é ruim, entre acertar e errar. São apenas encruzilhadas, dilemas. Nossas escolhas geram desesperanças (Soren Kiekegard), pois, ao escolher um dos caminhos, não mais esperamos benefícios dos caminhos não escolhidos.

Escolher é impreciso, aleatório. Ou seja, escolhas são atitudes subjetivas; às vezes, até irracionais. Todavia, as escolhas alinhavam nossas vidas.

Para evitar esses ‘jogos’, há algum tempo, deixei – intencionalmente – de ser reativo, de agir conforme as ações dos outros; passei a agir de acordo com meus princípios éticos.

ENXERGAR O QUE VÊ

Quando compramos o direito de habitar o Sítio Itaguá, em 2005, havia uma ‘casa de madeira de lei’, assoalho de tábuas alternadas de canela-preta e de peroba-rosa; lindo de se ver! Toda a armação do telhado em peroba-rosa, com ‘tesouras’ encaixadas no capricho e telhado do tempo das sesmarias, de telhas-calhas feitas a mão. Com janelas e a porta da frente “fabricadas em marcenaria”, porém, as portas internas foram “feitas em casa”.

Casa construída em 1977, pelo Antônio Vieira e pela Helena Felisbino, irmã do Lauro, casado com Maria Jovina da Cruz.

A água potável descia da montanha, descansava numa caixa sobre uma torre de tijolos cimentados em cruz até a altura de três metros e meio, assentada sobre uma grande pedra firme. Descia dali por canos de PVC para abastecer a cozinha e o banheiro. A torre original, em tijolos irregulares ‘de quatro furos’, recebeu ao lado, colada a ela com massa de cimento, uma torre mais recente (2003?), de tijolos ‘com seis furos’, assentada em parte (só em parte…) sobre uma pedra menor, talvez colocada ali. Nunca entendemos o porquê dessa maracutaia.

Uma das dificuldades que enfrentávamos com a casa de madeira era o pretume sobre a tinta que cobria as tábuas das paredes. Renovamos a pintura e a situação piorou, até. As portas internas, maciças, estavam revesadas, além de vários problemas no banheiro. A ameaça de cupins também assustava. Por isso, dois anos depois, construímos uma casa totalmente em alvenaria e com janelas de vidros temperados, com exceção das portas internas.

Iniciamos reformando o capril construído pelo Gasparino de Souza Mateus, onde foi instalado um vaso sanitário para o uso dos construtores contratados. Com a inauguração da ‘casa nova’, em 2007, a velha caixa d’água passou a servir apenas para essa latrina e para a torneira do tanque ‘de fora’. A partir dessa data, durante dezessete anos, cuidamos dessa caixa d’água antiga e alta; alta para que, entre 1977 e 2003, a água chegasse com pressão à casa antiga, distante quinze metros.

Em 2024, percebemos que a torre ‘nova’ estava descolando da torre velha, ameaçando desabar com a caixa d’água. Inicialmente, pensamos que teria sido a força do vento. Depois, percebemos que a base havia se soltado da pequena pedra e afundava o lado oposto na terra.

Colocamos uma escorra provisória e, em seguida, colhemos um bambu-chinês bem maduro para garantir a sustentação. Estávamos nessa lida quando me ocorreu que as saídas de água em uso estavam dois metros abaixo; estávamos mantendo um ‘monstro’ desnecessário e perigoso. Então, deixamos a água escorrer, retiramos a torre em queda, cortamos a outra pela metade e, sobre ela, recolocamos a caixa d’água sobre essa base baixa.

Com essa modificação, aproveito aprender sobre as dinâmicas existenciais. Ou, antes, sobre as dificuldades de ver o óbvio, de mudar na mudança. Durante dezessete anos, enfrentamos dificuldades por algo desnecessário, perigos e trabalhos que poderiam ter sido evitados desde aquela época. Trabalheira, acidentes, riscos.

APRENDER PRATICAR SABER

       APRENDER PRATICAR SABER

Você sabe ler?

Sei, sim senhor.

Sei.

Mais ou menos.

Não sei, não.

Pergunta banalizada na boca

de quem julga saber;

de quem julga o saber.

Pergunta impensada;

resposta protocolar

cumprindo formalidade.

A maioria que aprendeu a ler

pratica apenas leituras rasas

de placas, de preços e de moedas.

A maioria lê o de sobrevivência

e o de interesse, o de lucro.

Mas, poucos praticam

analisar ideias escritas.

Leituras ativam memórias,

geram sentimentos,

traduzem o que foi escrito,

aceitam, acrescentam ou restringem,

mudam a cor dos significados.

Inventar ideias a partir de

ideias gravadas no papel…

Quem é que pratica?

Desafios físicos e aventuras

são jogos nas idades de vigor.

Quais as dinâmicas na velhice?

Quando o corpo pouco age e reage?

Feliz quem sabe aprender na velhice

a praticar jogos mentais e se encanta

com segredos que as letras revelam.

Mais feliz ainda quem exerce o desafio

de esconder ideias nas dobras das palavras.

Quem sabe proclamar, na velhice,

a sabedoria construída aos poucos?

Quem consegue manter a mente jovem?

ROSA COR-DE-ROSA

       ROSA COR-DE-ROSA

Em 2005,
ela sobrevivia na fresta da rachadura
de uma pedra submersa
ao lado da entrada do Sítio Itaguá.

Avaliei o calor que sentiria nas raízes sedentas
e transplantei a velha cepa para solo cultivado.

Ela demonstrou desconforto.
Por isso, em seguida, foi colocada num vaso,
com a possibilidade de ser levada
para a sombra, para a chuva e para o sol,
até que demonstrasse as preferências.

Durante dezoito anos,
migrou de vaso em vaso,
sempre oferecendo flores.
Depois de alguns dias,
os ramos despetalados foram enterrados
e geraram descendência.

Nesta primavera, definhou e morreu.

Com mãos enlutadas,
retirei o velho tronco e constatei
que o besouro-dourado tinha sugado a seiva das raízes
e que formigas solenopsis tinham roído as cascas das raízes,
causando a falência vegetal.

               Amanhecer do dia 24.12.2023.

LIMITES

   Cada ser vivo estabelece seu espaço vital, conforme o poder que tem de restringir o espaço dos outros. Se sozinho no mundo, provavelmente, o indivíduo estabeleça seus limites no limiar de suas necessidades de espaço.

No entanto, cada vez mais, aumenta a densidade de seres vivos, diminuindo a fatia que corresponde a cada um. Por isso, como algumas plantas e alguns animais, sobrepujam os mais fracos, invadindo os espaços vitais deles. Excedem aos seus limites, exatamente porque os vizinhos carecem de forças e de agressividade para defenderem os próprios limites.
Por outro lado, alguns dos invadidos utilizam justamente a inércia individual para provocar piedade, reivindicando direitos iguais.
A palavra respeito é aglutinação portuguesa da expressão latina ‘res pectus’, significando coisa alheia. Ou seja, se é dos outros, não devo mexer.
Mas, também, pode significar ‘ação de olhar para trás’. Então, respeitar deveria ser aceitar o limite dos outros, sem abrir mão dos próprios limites.
A convivência entre seres vivos será sempre uma relação de poder. Para nós seres humanos, poderá ser um conjunto de relações pacíficas, mediadas por comportamentos éticos.

Trecho do livro SUÇURÊ

“— Ele parecia temeroso com alguma situação...
— Você é ainda muito jovem para entender as redes de intrigas políticas... Podemos considerar que, para atender o pedido do deputado, o Coronel teria de se expor para o Juiz de Paz, pedindo favores que poderiam custar caro mais tarde.
— Quanto devo cobrar para ler e para escrever?
— Icobé, o preço das coisas depende mais da necessidade de quem paga do que do esforço despendido. Você pode carregar pedras para quem não precisa e, é claro, não vai te pagar por isso. No entanto, a carreira política do Coronel depende de um bom secretário.
— Mas, eu tenho apenas catorze anos...
— A qualidade do serviço independe da idade. O valor de teu trabalho será proporcional à utilidade dele; será tão importante quanto o problema que ele resolver. Nós nos fazemos profissionais ao resolver problemas. Mesmo sendo um menino, você pode resolver um grande problema do Coronel.
Icobé tomava consciência das responsabilidades da vida adulta e das complexas relações sociais, políticas e econômicas que se estabelecem mesmo que as pessoas não assumam o controle dos eventos. O livre arbítrio será sempre relativo: se a pessoa escolhe uma profissão e se prepara para ela, poderá exercer com maior competência a sua participação comunitária; se não assume as escolhas e não planeja as ações, acaba sendo escolhido e manipulado por outras pessoas e, até, pelas suas próprias necessidades.”
                                                                Pág. 62/63

REMISSÃO DE CULPA

Você pede desculpas.

Eu não tenho poderes para anular tuas culpas e, muito menos, poder para remir teus crimes. Não há como emendar bananeiras ou desfazer os cortes, os ferimentos e a morte de árvores; não consigo ressuscitar vegetais. Seria utópico (e é) se livrar das agressões apenas confessando as culpas.

Você veio reaver as armas do crime, sem trazer de volta os objetos que sumiram, destruídos ou jogados para o fundo do lago do esquecimento. Você não consegue devolver as horas de sono consumidas pela dúvida e pela insegurança decorrente da tua maldade ingênua. Você não consegue devolver a confiança em humanos; você não consegue remendar a paz dilacerada e, muito menos, restituir vida.