ROSA COR-DE-ROSA
Em 2005,
ela sobrevivia na fresta da rachadura
de uma pedra submersa
ao lado da entrada do Sítio Itaguá.
Avaliei o calor que sentiria nas raízes sedentas
e transplantei a velha cepa para solo cultivado.
Ela demonstrou desconforto.
Por isso, em seguida, foi colocada num vaso,
com a possibilidade de ser levada
para a sombra, para a chuva e para o sol,
até que demonstrasse as preferências.
Durante dezoito anos,
migrou de vaso em vaso,
sempre oferecendo flores.
Depois de alguns dias,
os ramos despetalados foram enterrados
e geraram descendência.
Nesta primavera, definhou e morreu.
Com mãos enlutadas,
retirei o velho tronco e constatei
que o besouro-dourado tinha sugado a seiva das raízes
e que formigas solenopsis tinham roído as cascas das raízes,
causando a falência vegetal.
Amanhecer do dia 24.12.2023.
LIMITES
Cada ser vivo estabelece seu espaço vital, conforme o poder que tem de restringir o espaço dos outros. Se sozinho no mundo, provavelmente, o indivíduo estabeleça seus limites no limiar de suas necessidades de espaço.
No entanto, cada vez mais, aumenta a densidade de seres vivos, diminuindo a fatia que corresponde a cada um. Por isso, como algumas plantas e alguns animais, sobrepujam os mais fracos, invadindo os espaços vitais deles. Excedem aos seus limites, exatamente porque os vizinhos carecem de forças e de agressividade para defenderem os próprios limites.
Por outro lado, alguns dos invadidos utilizam justamente a inércia individual para provocar piedade, reivindicando direitos iguais.
A palavra respeito é aglutinação portuguesa da expressão latina ‘res pectus’, significando coisa alheia. Ou seja, se é dos outros, não devo mexer.
Mas, também, pode significar ‘ação de olhar para trás’. Então, respeitar deveria ser aceitar o limite dos outros, sem abrir mão dos próprios limites.
A convivência entre seres vivos será sempre uma relação de poder. Para nós seres humanos, poderá ser um conjunto de relações pacíficas, mediadas por comportamentos éticos.
Comentário de Gilvanni de Amorim
Caro amigo, Mario Tessari, Passei os últimos dois meses seguindo os passos de Icobé nas andanças entre Suçurê, Tapiraí, o seminário e, depois, a permanência em Ibiabaré. Acompanhei suas aventuras e desventuras desde a sorte de ter escapado ao massacre na igreja até o definhar da última centelha, em Tapiraí, quando sua alma alçou silencioso voo, talvez para se encantar numa estrela, tal qual um macunaíma das paragens catarinas. Pois vamos lá ao que me pede, uma apreciação sobre a obra. De já, minhas escusas por qualquer tom que não se pareça ao de um aprendiz. Me detive mais nos processos literários, não fiz revisão formal da gramática, pois logo de cara percebi a correção e a clareza do texto. Distingo aqui apenas os aspectos comuns e básicos da análise literária. a) Personagens: tanto o personagem principal, Icobé, como os adjacentes, o Coronel, Speziale, Frauenkochen, Dona Lenice, Wiegando, Schreiner, Vasaro, Ângela, e são muitos, que fico apenas nestes; como ia dizer, os personagens são bem delineados: há conformidade em suas reações (inter-relacionamentos) com seus universos psíquicos (caráter e temperamento). b) Diálogos: de maneira geral, os diálogos mantêm a coerência com o nível de escolaridade dos personagens: para personagem culto, diálogo próximo da linguagem escrita e para personagem inculto, diálogo próximo da linguagem falada (fonema). c) Estrutura: divisão em capítulos e subcapítulos, obedecendo a uma ordem linear de começo, meio e fim, de acordo com a temporalidade da trama. d) Trama: o enredo segue ordem linear, temporal, de começo, meio e fim, tendo como sequência principal a trajetória de vida de Icobé (infância, adolescência, idade adulta, velhice e morte). À trajetória de Icobé, ladeiam-se, também em linha reta, peripécias e acontecimentos, como a criação e desenvolvimento de Tapiraí (fazenda de gado, vila e cidade). e) Estilo: sóbrio, direto, de períodos frasais curtos, para melhor clareza do texto. Feita esta análise rasa, coloco para sua apreciação algumas propostas, deixando já claro que não há regra, nem molde, para uma obra de ficção. Neste tipo de escritura, o autor tem total liberdade de imaginar, de inventar, de criar a obra conforme a sua maneira de pensar. Para mim, este é o grande barato da ficção. 1) Supressão dos boxes, das plaquetas, que resumem os capítulos. É bom para a ficção distanciar-se da didática, e, sempre que possível, é melhor sugerir do que explicar, muitas vezes alguma ambiguidade, mistério ou enigma, fazem bem à obra e põem o leitor para pensar. Além disso, Suçurê já possui capítulos e subcapítulos, com títulos e subtítulos, penso não ser mais essencial os boxes explicativos. a) No primeiro capítulo, o boxe, ao se referir à 'decisão fatal' de José, antecipa a tragédia na igreja e tira-lhe o suspense, que é um recurso de qualidade literária que o autor deve buscar. b) No capítulo 'Vida Urbana', o resumo do boxe é redundante com o subtítulo logo abaixo: 'Pai e Professor'. 2) Pelo mesmo motivo do item anterior, sugiro suprimir a nomenclatura. Ao ler a obra, o leitor vai conhecendo as atividades dos personagens, não sendo essencial, a meu ver, repetí-las em nota no início da obra. 3) No Pós-escrito, sugiro retirar os três últimos parágrafos. Na ficção, mesmo sendo num pós-escrito, penso não ser necessário o autor justificar suas convicções para a escolha dos personagens, sejam eles dentro ou fora do padrão. Ao autor, toda a liberdade de criar qualquer personagem: cruel ou generoso, íntegro ou inescrupuloso... O autor é neutro e conduz a ação conforme o livre arbítrio dos próprios personagens. Em resumo, minha apreciação tem o fim de reduzir uma certa faceta de didatismo da obra, uma vez que trata-se de ficção. Mas é o autor quem mais conhece as profundezas do seu trabalho e sabe o caminho a escolher. No mais, parabéns por este romance panorâmico, que tem como cenário um século de idas e vindas dos atores ali concebidos e certamente enriquece a sua obra de ficcionista. A mim, deu-me prazer viajar por suas entrelinhas. Um grande abraço do amigo, Gilvanni de Amorim
SUÇURÊ VISTO POR ELISABETH
Opiniões sobre o livro Suçurê. Li, neste livro, além da história de amor, a trajetória de uma pessoa rejeitada pela sociedade por causa de uma tragédia ocorrida em sua infância. No entanto, a força de vontade e a determinação contaram sempre com o apoio e auxílio de amigos verdadeiros (os avôs, o dono da farmácia, o vizinho, o padre...). A narrativa mostra também, os laços de amor, a amizade e a confiança entre as pessoas; a importância do diálogo e das opiniões de pessoas amigas para analisar as escolhas, as decisões, os caminhos a seguir. Mostrou, ainda, o Amor verdadeiro entre Icobé e Ângela, que supera o tempo e os preconceitos de uma sociedade. As relações familiares, com os casamentos de interesses, a família sobre o poder patriarcal... Por outro lado, a união consciente onde existe ajuda mútua, respeito, amizade, amor. A coragem, a força e as atitudes positivas de muitas mulheres daquela época que foram em busca da sua independência econômica, sua realização pessoal e profissional. O poder econômico e político do Coronel, também o poder religioso com padre austero, dominando o jeito de viver e ser do povo. A formação de uma vila, cidade, com tudo de que precisa para ser implantada: os projetos de ruas, casas residenciais, comerciais, escolas, igreja, a parte física e jurídica. Os sentimentos entre as pessoas; a lealdade, respeito, gratidão. Muitas vezes me imaginei em vários cenários: na cozinha da casa grande, na roda de chimarrão rindo com amigos, passeando com um lindo cavalo no meio daquela natureza esplendida, viajando de trem com Icobé, ... Essa obra aborda muitas situações e assuntos em diversas áreas: familiar, política, espiritual, paranormal, psicológica, social, ambiental, educacional, transportes, saúde, habitação, costumes, ... Como já lhe falei, amigo Mário, esse livro poderia se transformar num filme ou novela, pois tem uma linda história de superação, de amor, e, juntamente, as transformações políticas, econômicas, culturais e sociais do Brasil. Acredito que possa ser utilizado como fonte de pesquisa. Pesquisei, inclusive, o Monge João Maria de Agostini, citado no livro; queria saber como era sua vida, sua aparência para ter uma ideia de como seria a aparência do padre italiano, Isidoro. Não ria de mim! A obra mostra o seu lado poético, romântico, amigo, humano, pesquisador, instigador... Gostei do final de Icobé, vivendo com serenidade entre os amigos e os livros. E da frase final: “O voo da alma deixou a casa em silêncio”. Forte abraço! Maria Elisabeth Ghisi
Comentário da Elisa para Suçurê
“Os fatos históricos e os personagens em geral foram bem situados e, ao mesmo tempo, o autor extrapolou os acontecimentos da época. Muito bem descrito o protagonista que viveu uma mistura de trauma, culpa, bondade, desapego das coisas, intelectualidade, ternura, reflexivo, sensação de estar presente na vida do povo. E, ao mesmo tempo, ele viveu isolado, quieto, mas, sempre laborioso, ocupado, de bem consigo mesmo. Icobé soube viver o momento presente.” Maria Elisa Ghisi
SUÇURÊ
Depois de sete anos em maturação, está ganhando corpo o meu livro mais pesado, literalmente: 943 gramas, 624 páginas.
Foram muitas leituras, muitos comentários e muitas pequenas melhorias. Agradeço a todos.
Enfim, será plasmado sobre folhas em branco.
Ainda de SUÇURÊ…
“Aproveitou para falar de Ana Terra, a personagem de um livro, que reclamava eternamente que o destino das mulheres era esperar, esperar, esperar. Esperavam o príncipe encantado, esperavam os filhos nascerem e esperavam o marido que estava nas revoluções ou nos bolichos bebendo com os amigos. Depois, pelos mesmos motivos, esperavam pelos filhos que tinham virado homens. Como a guerra sangrava os heróis, os homens acabavam morrendo cedo e as viúvas passavam o resto de suas vidas esperando a morte.” Pág. 486
Outro parágrafo de SUÇURÊ.
“Ela apoiava em tudo, desde que pudesse ficar de fora, quieta no canto dela. Detestava a política, pois o partido político sugava as amizades e envelhecia os homens; depois de fracos e desgastados, ninguém cuidava deles na velhice. O partido arrebanhava os homens na fase em que estavam em pleno vigor e em que poderiam dar atenção à família, se fazendo presentes na educação dos filhos e nas visitas a amigos, nas celebrações cristãs e nas dificuldades com doenças. Ela sempre apoiou e continuaria apoiando, contanto que não precisasse participar daquelas ‘reuniões de cobras negaceando um bom bocado’.” Pág. 257
Trecho do livro SUÇURÊ
“— Ele parecia temeroso com alguma situação...
— Você é ainda muito jovem para entender as redes de intrigas políticas... Podemos considerar que, para atender o pedido do deputado, o Coronel teria de se expor para o Juiz de Paz, pedindo favores que poderiam custar caro mais tarde.
— Quanto devo cobrar para ler e para escrever?
— Icobé, o preço das coisas depende mais da necessidade de quem paga do que do esforço despendido. Você pode carregar pedras para quem não precisa e, é claro, não vai te pagar por isso. No entanto, a carreira política do Coronel depende de um bom secretário.
— Mas, eu tenho apenas catorze anos...
— A qualidade do serviço independe da idade. O valor de teu trabalho será proporcional à utilidade dele; será tão importante quanto o problema que ele resolver. Nós nos fazemos profissionais ao resolver problemas. Mesmo sendo um menino, você pode resolver um grande problema do Coronel.
Icobé tomava consciência das responsabilidades da vida adulta e das complexas relações sociais, políticas e econômicas que se estabelecem mesmo que as pessoas não assumam o controle dos eventos. O livre arbítrio será sempre relativo: se a pessoa escolhe uma profissão e se prepara para ela, poderá exercer com maior competência a sua participação comunitária; se não assume as escolhas e não planeja as ações, acaba sendo escolhido e manipulado por outras pessoas e, até, pelas suas próprias necessidades.”
Pág. 62/63
O BATISMO DAS ÁRVORES
Anos depois de ter plantado árvores no Sítio Itaguá, eu desejei colocar placas penduradas em algumas delas; principalmente, naquelas que foram quase extintas pelos ‘civilizados’.
Duas razões moveram minha vontade: instruir os que venham a se interessar pelas árvores que havia na região e manter o patrimônio cultural. (Usando ironia, uma figura de linguagem que colocaria as árvores como riquezas do ‘pai’; um preconceito machista.)
Hoje, decidi registrar literariamente esse desejo. Comecei imaginando um título para o texto; O BATISMO DAS ÁRVORES surgiu poeticamente em minha mente. Talvez, eco das pressões remanescentes na cultura de minha família. Porém, o dicionário indicou a total incoerência da expressão cristã, pois, nenhuma árvore nasce com “pecado original”. Muito menos, necessita de “purificação” dos ‘fiéis’. Aliás, a “salvação” das espécies naturais pode estar na condição de serem ‘profanas’. Mesmo assim, mantive o título como instigação para os leitores e escreverei sobre O NOME DAS ÁRVORES DO SÍTIO ITAGUÁ.
Minha intenção, confesso, é publicar a existência dessas árvores; ou seja, tornar público que elas existem e merecem viver. Nesse sentido, o batismo pode ser cerimônia humana útil para a preservação da floresta. Batismos são cerimônias públicas que superam em muito rituais simples e insignificantes; a imersão do corpo ou o banho da testa servem apenas como simbolismo para os humanos ‘convidados’ como testemunhos do compromisso social. O importante será a ‘crença’ dos padrinhos (dos que foram incluídos como pais também) de que reconhecem e devem defender aqueles que foram batizados.
Plantei árvores, que receberão nomes escritos em placas penduradas nelas, com a esperança de que os convidados cuidem das árvores que plantei e continuem plantando vidas responsáveis.