MINHA LISTA DE DESCONHECIDOS

Quando jovem, … (Quando mesmo que fui jovem? Quando deixei de ser jovem? Resta alguma jovialidade em mim?) Bem… Quando ainda imaginava ser jovem, eu enfrentava qualquer parada: serviço pesado, serviço difícil, festas, conflitos e campanhas eleitorais. Para muitos, fiz diferença, colaborei; para a maioria, fui paisagem, um rosto anônimo; para alguns, fui estorvo, um incomodador.

Como disse aquele monge ao completar 86 anos, comecei com a ilusão que poderia mudar o mundo e acabei mudando um pouco em mim mesmo.

Tive durante muito tempo a pretensão de elucidar dúvidas, desvendar mistérios, conquistar pessoas por convencimento e de manter relações amigáveis insistindo em explicações. Ah! Ajudar as pessoas no aprendizado do que eu considerava importante e que considerava seria muito importante para elas. Observava a forma como as pessoas dirigiam, criticava os desmatadores e os depravados, orientava os esbanjadores, me preocupava com os telhados dos vizinhos, ria dos ridículos, … Enfim: cuidava da vida alheia.

Aí, durante um desgosto mais amargo, tive a ideia de iniciar minha lista de desconhecidos. Quando uma pessoa de minha rede de relações se mostrava resistente ou incomodada com minhas opiniões, quando os parceiros sabotavam meus esforços, quando uma pessoa me traia, quando alguém me ofendia, … A lista cresceu, mesmo usando doses de benevolência e permitindo, em alguns casos, uma segunda chance.

Nessa minha lista de desconhecidos, coloquei arrogantes, brigões, vingativos, espertos, estúpidos, caloteiros, hipócritas, dissimulados e/ou fingidos. Reduzi contatos, deletei mágoas, evitei aborrecimentos, parei de querer mudar quem não quer mudar, deixei caídos os que me empurraram e economizei desprezos. Deixei de gastar minhas energias e de empatar o meu tempo com ex-conhecidos.

Para os ainda-por-conhecer, dedico parte da minha atenção, com precaução. Porém, quando encontro um desses desconhecidos contabilizados, concentro esforços em neutralidade planejada. Como diz a gíria: “passo reto”.

Há tempo, escrevi o poema “Menos amigos, mais amizade”, que procuro sempre reler, para me manter crítico e prosseguir no meu processo de enxugamento.

ESTRELAS DO DIA

Quantas vezes,
esperamos o sol se pôr
para contemplar as estrelas?

Porém, elas existem
também no céu diurno;
elas estão lá,
mesmo que ofuscadas pelo Sol,
a estrela mais próxima da Terra e
que, por isso, parece ser a maior.

Há estrelas em todas as direções;
nos céus da madrugada, da manhã,
da tarde, do ocaso, da noite, ...
Elas estão lá, só não as podemos ver,
por estarem encobertas pelo Sol.

E não são as mesmas.
A cada hora da noite,
vemos outras estrelas
ou uma mesma estrela
em várias posições.

E as estrelas do dia,
se pudéssemos vê-las,
seriam outras que não
as estrelas do ocidente,
no hemisfério sul.

Porque elas não giram conosco ...
nem mesmo giram ao redor do Sol.
São seres do espaço sideral.

A humanidade sabe disso há tempo,
mas, finge não saber. Ou nem finge.
Uma pessoa que só vê estrelas
na mesma hora da noite,
de um mesmo lugar,
vai pensar que aquele céu
é o teto de seu mundo.

Também as pessoas são estrelas,
pois, possuem luz própria.
E muita gente passa a vida
olhando a mesma estrela (pessoa).
Pensa que seu céu é aquele.

No entanto,
ao olhar diretamente para
uma estrela muito próxima,
ficamos ofuscados, cegos.

As pessoas também podem
brilhar intensamente ao nosso lado,
ofuscando outras estrelas humanas,
bem mais humildes e silenciosas.
E, por problemas de percepção,
podemos perder muitos amigos,
dos quais dispensamos a luz e o calor.

A vida tem muitas lições
que deixamos de aprender ...
Quantas vezes, esperamos que
a morte nos mostre as pessoas?

O SONHO DA VIDA

O sonho é a fonte

de toda realização.

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Realizar o sonho

é tornar real a ação;

é agir sobre a realidade.

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Nada será realidade

sem antes ter sido sonho.

Nada é realizado

sem antes ter sido sonhado.

.

O sonho é a semente

da realidade desejada;

sem sonho, não há gênese.

.

O sonho atrai energias,

concentrando no sonhador

as condições para a germinação.

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O sonhador é o chão em

que nasce e cresce o sonho.

É preciso acreditar,

persistir e ter paixão.

.

Inicialmente, o sonho

sobrevive por si só.

Depois se alimenta da fé

de quem o compartilha.

Se individual, o sonho é frágil,

se coletivo, o sonho se fortalece

se for da humanidade,

o sonho tem a força do universo.

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O sonho humano

projeta o futuro

sobre a terra.

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A vida depende do sonho

para poder viver.

A vida é do tamanho do sonho.

A DIALÉTICA DA VIDA

A manhã, ao fornecer a luz,

rompe o repouso da noite;

desperta o aconchego do sono.

.

A alegria da primavera

está impregnada de dor,

porque a flor que abre

e o ramo que cresce

precisam romper a si mesmos

para superar o corpo que foram

durante o tempo de recolhimento,

tempo de hibernação.

.

O despertar da vida,

de aparente alegria,

traz em si

o rompimento do próprio ser

para que ele possa ser mais…

.

A magia da vida está

em entender os ciclos vitais,

a alternância das estações,

a importância própria de cada momento,

que é único e necessário para o seguinte,

que não consegue ser mágico por si só,

por ser apenas um passo a mais

no caminho do todo indivisível

prazer de viver como pessoa feliz.

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A própria morte

traz dentro de si a vida,

pois, a saudade que nos invade

vem grávida da sabedoria de quem se foi,

da consciência de que tudo é efêmero

e de que precisamos viver intensamente

o momento presente,

valorizando as coisas simples e as pessoas,

porque, da vida, só lembraremos

da magia dos encontros humanos.

.

A alegria e a dor são

partes de um todo perfeito,

que alterna sofrimento e prazer,

na construção da vida.

.

A consciência dessa lógica

nos faz artífices do dia que nasce

e da primavera que floresce.

PENSAR NO IMPENSAR

Nada lembramos do que vivemos

– inconscientemente –

nos primeiros anos de vida.

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Da infância à adolescência,

agimos mais por impulso

que por raciocínio lógico.

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Aos poucos, vamos tomando consciência

de nossos acertos e de nossos erros

e passamos a refletir antes de fazer,

acreditando que construímos o destino

com nossas escolhas, sem responsabilizar

o azar ou a sorte por fracassos ou sucessos.

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Se planejarmos o que iremos fazer

e analisarmos o que fizemos,

poderemos reduzir o volume de erros

e viver sem tantas decepções.

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À medida que envelhecemos,

passamos a pensar mais sobre

o cada vez menos que podemos fazer.

Substituímos espontaneidade e ingenuidade

por responsabilidade crítica.

DEUS, UM DELÍRIO… COLETIVO.

     Eu tenho opinião diferente das opiniões do Richard Dawkins e do Gilvas.
https://mail.google.com/mail/u/0/h/1k1ikw0z3w40a/?&th=16787f1e759d0133&v=c
Deus existe. Sempre um deus coletivo; nunca ouvi falar em deuses individuais; um deus para si mesmo.
Existem muitos ‘de eus’; milhares ‘de eus’. Cada vez que algumas dezenas de pessoas se congregam e se concretam numa ‘verdade’, cada vez que algumas dezenas de eus se sentem irresistivelmente atraídos por uma ideia, esse pensamento se torna ‘ideia fixa’ sobre espiritualidade, etnia, identidade de gênero, medo da morte, martírio, futebol, política, penitência, finanças, economia, estrelas, animais, nacionalismo ou liberdade utópica.
A comunidade adepta constrói um coletivo ‘de eus’ que passa a comandar as subjetividades; pessoas que acreditam em horóscopos, superstições, magias, bruxarias, simpatias, benzeduras, mau-olhado, sucesso, destino, riqueza e compensação celestial.
Para que uma ideia fixa ou uma crença se torne religião, basta que sejam eleitos guardiões. “Muitos são os chamados; poucos, os escolhidos.” O guardião tem a missão de guardar a verdade que foi divinizada, de proteger os crentes que, ao acreditarem cegamente, perdem o senso de realidade, de fiscalizar o cumprimento integral das obrigações dos fieis seguidores e de administrar os tabernáculos que guardam almas e segredos. Daí a existência de confessionários...
Tudo o que for sagrado deve estar protegido em sacrários. Surgem os templos para abrigar as ‘riquezas espirituais’ e um guardião dos guardiões para organizar a estrutura da igreja; uma hierarquia de guardiões.
Assim, nascem as religiões: na contínua e cada vez mais intensa convicção da verdade tornada absoluta para pessoas que se prendem indissoluvelmente a um agregado ‘de eus’; pessoas que, guiadas por um salvador, se ligam, se religam e se sustentam em procissão rumo ao paraíso e/ou ao lucro prometidos.
Pode ser que seja apenas um processo natural, como os processos físico-químicos fundamentais. Quando alguns (ou muitos) elétrons são atraídos irresistivelmente por um núcleo formado por prótons e nêutrons, passam a formar um átomo; quando um ou vários átomos se unem permanentemente uns aos outros, formam moléculas; o aglomerado de moléculas forma matérias, corpos, ligas, artefatos, ... reconhecidos internacionalmente.
Nas Ciências Sociais, as ideias se estruturam em conceitos, teses, sínteses, definições, teorias, doutrinas, ... Os cientistas são guardiões das verdades científicas; nesse sentido, os cientistas são os sacerdotes da Ciência.
“É mais fácil desintegrar um átomo que remover um hábito.” Albert Einstein
E que diluir uma crença.
Porém, as instituições – como o dinheiro, por exemplo – só existem enquanto acreditamos nelas.

JOGOS SEXUAIS

Os rebanhos humanos seguem em busca de saciedade.
E, saciados, mantêm, na lembrança, a sensação do prazer
sentido ao saciar a fome, a vaidade e os desejos.

O prazer norteia a marcha dos rebanhos que buscam
alimentos para satisfazer o corpo,
emoções para satisfazer a libido,
poderes para satisfazer o orgulho ou
dinheiros para comprar alimentos, emoções e poderes.

Saciadas as necessidades naturais,
os humanos criam artificialmente novas necessidades
para obter repetidas oportunidades de sentir prazer,
comendo, acariciando, comprando, subjugando e dominando.

O saciamento de necessidades, de desejos e de vaidades,
entretanto, cobra altos preços. Nada é de graça.
Quem pode saciar uma necessidade aproveita o ensejo
para capitalizar espaços de dominação e cotas de poder.

Talvez, a necessidade de pertencimento
seja a força que une e comanda a massa humana
que segue atrás de bandeiras de luta
desenhadas com ingenuidade e/ou má-fé.

Por detrás de slogans, palavras-ônibus e discursos
– hinos instantâneos e efêmeros –,
existe um emaranhado de correntes
que ovelhas e cordeiros ignoram ou fingem não ver.

Cidadania, democracia, direitos humanos, preconceito,
assédio sexual, racismo, desigualdade social, trabalho escravo, ...
os catecismos conseguem uniformizar a marcha do rebanho.
Cantando a mesma canção, ovelhas e cordeiros
se sentem seguros para caminharem na mesma direção.

Dentre as estratégias usadas pelo comportamento tribal,
está a cortina que encobre os jogos sexuais.

Robôs conduzidos por inteligência artificial
estão imunes a atrações sensuais,
hormônios provocadores, agressões físicas e assassinatos.
Seres humanos – por enquanto – ainda agem e reagem
por estímulos, excitações, provocações e artimanhas sensoriais.

É ingenuidade ou hipocrisia se esconder
atrás de ondas sociais ou de discursos superficiais
sem analisar as relações lógicas de causa-efeito
que ocorrem na fisiologia dos corpos.

As ondas moralistas se assemelham a religiões politeístas
com deuses virtuais instáveis e sacerdotes eventuais
que usam e dominam as ferramentas eletrônicas para subjugar
instintos, sentimentos, ciclos naturais e eventos biológicos.

Acondicionam os fenômenos reprodutivos
em fôrmas ideológicas anônimas e massacrantes:
trituram os grãos para formar uma massa
de aspecto aparente uniforme.

Usam a mídia e por ela são usados.

As árvores que expõe flores para as abelhas polinizarem
e que geram frutos com sementes férteis distribuídas pelas aves
devem ser submetidas às vontades humanas,
produzindo lucros para o mercado capitalista. 

Manipulam as videiras para produzir uvas sem sementes
durante todo o transcurso anual e em todas as regiões;
negam o convívio de casais de animais em primavera:
confinam, inseminam, engordam e abatem.

Escravizam animais e vegetais ao deus Consumo,
usando engenharias genéticas e transgenias.

As pessoas devem controlar seus hormônios e desejos,
fingindo desconhecer as reações naturais do próprio corpo,
como se as glândulas femininas não liberassem estrogênio
e as glândulas masculinas não liberassem testosterona;
esses odores devem ser abafados com perfumes potentes.

Porém, a indústria e o comércio podem livremente
explorar a moda baseada em atrativos sexuais e
obter lucros usando imagens e imaginações
dos próprios consumidores fanatizados, que são
o princípio e o fim dos processos consumidores.

A violência visível pode encobrir
a violência simbólica e a manipulação,
sejam elas conscientes, intencionais ou ingênuas.

Muitos buscam gozar prazeres e tirar vantagens
sem compensar as vítimas em ambos os lados da guerra.
Os espertos usam os mantras para ganhar palco
e para cobrar indenizações pelas reações alheias,
se fazendo de vítimas dos jogos sexuais de iniciativa própria.

Sítio Itaguá, das 03:08 às 04:10 horas do dia 01jan2017.

Em memória de Júlio Dias de Queiroz.

Bom ler seus escritos. Sempre aprendo e ficam aspirações de desvendar como faz para criar relatos que nos fazem sempre querer chegar ao parágrafo seguinte.

Viver. Morrer. Você divaga e navega nestas correntes difíceis de aceitar ou concordar com tantas indagações, sempre sem respostas convincentes. Mas, na verdade, até me convenceu de que nascemos tantas vezes que, talvez, até possamos continuar vivendo…

Basta ser um bom escritor … talvez, um bom filho … ou (quem sabe?) um bom amigo como o seu velho mestre que faleceu aos mais de noventa anos. Foi seu amigo, seu mestre e seu leitor.

Você teve a humildade e a gentileza filial de reconhecer o saldo positivo das cartas trocadas. Sugestões singelas que o inspiravam a pensar no futuro e no que passou e (o pior) nas duas implacáveis certezas: a existência do nascer e do morrer. Por tantas vezes e por tantas causas.

E, quanto mais vivemos, amigo Mario Tessari, mais fingimos não acreditar no fim.

É alta madrugada. Vamos ao descanso.

Fraterno Abraço

Pedro Paulo Pamplona Vieira Peixoto