DESTINOS

O primeiro passo (e todos os outros…)

só terão sentido e direção

se soubermos onde queremos chegar.

*

Para iniciar,

precisamos decidir nosso destino:

para onde queremos ir.

*

Podemos planejar, estabelecer metas,

iniciar a construção, rever o planejado,

avaliar as escolhas e as metas,

retomar ou abandonar utopias,

mudar os destinos, reinventar caminhos,

comemorar as etapas concretizadas

ou voltar ao primeiro passo.

*

Passo a passo, construímos ‘o destino’.

*

O destino passa a existir

quando estabelecemos nossas metas;

começa a se realizar com o primeiro passo

na direção das nossas escolhas.

*

Sempre aparecerão novos rumos a seguir,

opções à espera de nossas decisões.

*

Para quem o destino está traçado

por ‘entidades’, seres divinos,

a espera se prolonga até depois da morte;

*

para quem depende de guias espirituais,

a submissão conduzirá a esperança…

por labirintos intermináveis;

*

para quem espera apoio familiar e heranças,

a beira-do-caminho será, eternamente,

o ponto do ônibus que jamais passará.

*

Pouco importa onde estejamos:

o seguinte será sempre um primeiro passo

esperando pelas nossas decisões.

*

Para quem se considera satisfeito,

desnecessitado de desafios,

a vida perde o sentido e a direção.

*

Vamos iniciar a caminhada de hoje?

PEDIDA

Ao finalizar o curso de pós-graduação em psicopedagogia clínica, promovemos uma confraternização em que cada um deveria falar ‘algumas palavras como despedida’. Aproveitei para refletir sobre o significado da palavra despedida. DES PEDIR: desfazer o pedido.

“O que queremos dizer ao pronunciar o vocábulo ‘despedida’? Que desejamos desfazer nossos pedidos? Que desistimos das perguntas, das respostas e dos auxílios pendentes? Que abdicamos dos nossos interesses?

Realmente, após a partida de uma pessoa, quando dela nos separamos definitivamente, a ela, não mais pedimos favores, nem opiniões. É isso mesmo que nós queremos fazer a partir de hoje? Não mais procurar os colegas e os professores para pedir opiniões e ajudas? Se assim procedermos, será porque não aprendemos a lição psicopedagógica maior.

E, durante o curso, o que perguntamos ou pedimos aos colegas? E o que oferecemos? Ao estudar psicopedagogia, estávamos procurando compreender as dificuldades de aprender… só dos outros?

Como lidamos com as nossas dificuldades de aprender? O que aprendemos? Poderíamos fazer um inventário das nossas aprendizagens nesse grupo? O que aprendemos sozinhos? O que aprendemos com as pessoas que concordaram com nossas ideias? O que aprendemos com as pessoas que se opuseram às nossas verdades?

Penso que aprendemos mais com os que tiveram a coragem e a amizade de quebrar nossos espelhos… espelhos viciados e coniventes, que refletem apenas a parte da realidade que aceitamos. Espelhos que refletem nossas máscaras.

Se, nesse curso, fomos ajudados a nos ver um pouco mais parecidos com o que somos, agora, poderemos trabalhar as nossas próprias dificuldades de aprender; de saber: QUEM SOU EU?

E, psicopedagogicamente, sabemos que a aprendizagem tem seu tempo de gestação. Não de uma gestação biológica; gestação de ideias, tempo para aprender, período de uma gestação cultural, intercalada de períodos de latência, de vazios e de retrocessos. Sabemos que a aprendizagem não é automática e instantânea. Que podemos chegar ao conhecimento em um dia, em uma semana, em um mês, em um ano, no fim da vida … ou nunca. Que cada um tem seu ritmo e seu prazo. Talvez, no futuro, nos surpreenderemos com descobertas concebidas nesses catorze meses de curso, entretanto, com períodos de incubação diversos.

Nem todas as sementes da Turma ’J’ já nasceram; algumas estão em processo, outras ainda não caíram no chão da vida.”

22maio2002

MUNDOS

Cada um cria o seu mundo.

Há quem viva entre as paredes de um apartamento, apartado dos vizinhos e a salvo de bichos intrusos. Outros, apenas dormem em apartamento e passam o dia perambulando pelas ruas da cidade.

Quem queira ainda mais mobilidade, compra um apartamento com rodas ou remos e percorre o mundo em busca de novidades.

Os naturistas se refugiam em área rural para viver em contato com a vida selvagem, cultivar hortas, pomares e jardins, e dormir no silêncio das noites enluaradas.

A população urbana se alimenta às pressas, em restaurantes ou compra, por telefone, lanches, comida pronta e iguarias.

Há quem prefira cultivar a horta, plantar e colher chás, hortaliças e legumes, e preparar a alimentação que consome.

São mundos bem diversos, antagônicos, até.

Sobre a Terra, há – por enquanto – espaço para esses humanos esquisitos realizarem seus diferentes projetos individuais, de acordo com seus modos de viver.

Cada um com sua loucura, podemos ser todos felizes.

RECREIO: espaço para crer, imaginar e inventar.

Por opção, Maria Alfabetizadora passava os intervalos entre as aulas com os alunos. Aproveitava esse tempo para descontrair, conhecer melhor as ideias e os hábitos dos jovens e, principalmente, aproveitava essa convivência para rejuvenescer o espírito e para atualizar as visões de mundo.

Esses momentos de convívio destituído de hierarquias favoreciam as trocas de informações, autorizavam os alunos a ensinar o que sabiam e, consequentemente, a se abrirem para a aprendizagem. Com ganhos relacionais decentes e discentes, todos voltavam para suas salas com outro ânimo.

Os demais professores não compartilhavam dessa opção e mesmo a consideravam ‘esquisita’. Por isso, ela pouco se encontrava com os colegas ou com eles conseguia conversar. A maioria deles se refugiava na Sala dos Professores, onde as conversas giravam em torno de assuntos sociais, futebolísticos e/ou políticos; preferencialmente, futilidades que os ajudassem a esquecer dos ‘suplícios’ em sala de aula. Para eles e para alguns alunos, o recreio era um momento de folga, em que comemoravam o prazer do ócio.

Nos dois primeiros anos de trabalho, Maria Alfabetizadora exerceu o magistério em escola rural, onde era a única professora, lecionando para duas séries matutinas e duas séries vespertinas, em sala mutisseriada. A escola, a igreja, o cemitério e o campo de futebol formavam a sede do distrito. O relvado se estendia por entre os prédios até o bosque que abrigava a fonte d’água. Havia muita sombra, além de flores, frutos silvestres e uma passarada tagarela.

Nos horários de aula, a mestra e os estudantes conversavam em voz baixa, sem grandes intercalações; se alguém passasse pela estrada em frente, teria muita dificuldade para entender o que falavam. O mesmo acontecia no início do recreio, quando cada qual mastigava seu lanche, sem tempo para conversas. Porém, rapidamente, as frutas, os pães e os bolos eram devorados e as crianças se levantavam e começavam as brincadeiras de roda. Aos poucos, a algazarra ecoava pelos morros e matarias.

Maria Alfabetizadora aproveitava esse início de intervalo para organizar a sala, preparar alguma atividade ou resolver alguma pendência administrativa. Mas, só enquanto os alunos consumiam os lanches, porque, tão logo as cirandas subiam ao céu, a professora deixava as obrigações e se juntava à brincadeira. Roda-cotia, joão-bobo, ciranda-cirandinha, peteca, bambolê, pula-corda, esconde-esconde, cabra-cega e pegador. As cantigas eram compartilhadas em igualdade de condições: ali Maria Alfabetizadora era uma criança a mais a cantar, a correr, a rir e a gritar. Apesar do dinamismo e da alegria, tudo transcorria de forma harmoniosa, sem excessos e sem agressões.

No entanto, bastava o relógio indicar o fim do recreio, todos retornavam às atividades escolares, deixando o silêncio campestre reinar novamente. Entravam com uma alegria diferente da alegria dos folguedos, sem resmungos ou queixas, porque eles continuariam se divertindo, mesmo que tivessem dificuldades para aprender. Para eles, aprender era um desafio semelhante aos desafios do jogo ou da brincadeira.

Nos anos seguintes, já nas escolas da cidade, Maria Alfabetizadora acompanhava os recreios das turmas dela, como se ainda estivesse na sua escola rural. Lanchava com os alunos e com eles se divertia. É óbvio que causava estranheza ao restante do corpo docente, que preferia ficar confinado na Sala dos Professores. Além disso, Maria Alfabetizadora percebia que os alunos dela eram menos agitados e mais cooperativos. Formavam uma ‘lagoa’ naquele ‘mar revolto’.

De forma semelhante, mesmo no Ensino Universitário, Maria Alfabetizadora continuou a passar os recreios com os alunos dela. Passava na Sala de Professores apenas para assinar o ‘ponto’. De certa forma, essa passou a ser uma das características que faziam dela uma educadora diferente. É claro que, também em sala de aula e no processo ensino-aprendizagem, as atitudes dela destoavam da maioria.

Quando passou a atuar como consultora pedagógica, foi convidada a visitar uma escola em que havia muitas queixas dos pais e dos professores sobre a excessiva agitação das crianças, antes do início das aulas, nas saídas da escola e durante os recreios.

De fato, a gritaria invadia os quarteirões mais próximos e, mesmo visto da rua, o espetáculo assustava um pouquinho. As crianças corriam atabalhoadamente, sem que se pudesse identificar quem brincava com quem. O tumulto era tanto que os choques frontais e os tropeços se sucediam, levando muitas crianças a rasgarem as roupas e a se esfolarem no chão irregular e áspero.

Maria Alfabetizadora ficou em pé diante do portão trancado a cadeado. Não havia adultos no pátio, as crianças ignoraram a presença dela e ninguém a esperava, apesar de ser sido convidada para chegar naquele horário.

Quando a sirene sinalizou o fim da ‘guerra’, a gritaria alcançou os maiores – e piores – níveis auditivos. Momento também para pequenas vinganças e para provocações violentas. As portas foram abertas e as ‘autoridades’ saíram com voz de comando. Aos poucos, foram organizadas as filas que levavam cada turma para sua sala. Então, a diretora percebeu que tinha visita à espera e veio abrir o portão.

Depois das conversas protocolares, Maria Alfabetizadora foi conduzida em turnê pelas salas de aula, onde os alunos cumpriam silêncio absoluto para receber a visitante. Ao entrar, Maria Alfabetizadora avaliava os espaços exíguos, repletos de carteiras pouco confortáveis e os alunos amontoados sob iluminação escassa, de braços cruzados e com olhos de assustados. Pareciam estátuas.

Em cada sala, Maria Alfabetizadora solicitava que a professora continuasse sua aula como se nada de diferente estivesse acontecendo e que os alunos se comportassem normalmente. E ela observava, construía leituras e ia montando um ‘mapa mental’ da situação. Depois desses rápidos diagnósticos, foi conversar com a diretora da escola e com os seus conselheiros; todos aguardavam ansiosos pelo veredicto.

No entanto, antes da esperada resposta, a consultada tinha muitas perguntas. Foi perguntando que ela encaminhou o relatório do que viu. Questionou o que eles entendiam por ‘recreio’, por atividade, por passividade e por trabalho coletivo. Indagou qual o método que escolheram para educar as crianças e qual o papel dos alunos na avaliação do processo educativo. Perguntou ainda pela participação dos pais na vida escolar.

Como era de se esperar, a equipe demonstrou grande decepção com o interrogatório, afinal, justamente eles é que tinham as dúvidas e esperavam dela todas as soluções. Apesar da insinuação da pedagoga de que eles não se colocavam como parte do problema e de que se negavam a refletir sobre as próprias práticas, eles continuaram a esperar uma resposta mágica que transformasse a fracassada instituição em uma referência educacional.

Decepcionada também ficou Maria Alfabetizadora, pois foi condenada a um monólogo. Esperava trabalhar coletivamente, mas esperava demais, dado que ali nenhum trabalho era realizado daquela forma; tudo ali era feito individual e competitivamente, seguindo uma disciplina militar. Os superiores mandavam e, nos recreios, sem os superiores, as crianças tentavam mandar umas nas outras.

Mais uma vez, a diretora perguntou por que as crianças corriam tanto pelo pátio. E Maria Alfabetizadora ponderou:

-Nos momentos livres, elas entram em atividade, já que nas salas estão condenadas à passividade. São crianças ativas, precisam agir; criar situações e soluções objetivas. Se divertem fazendo isso. Gostariam de fazer algo semelhante durante as aulas, porém são proibidas de falar e de agir espontaneamente; devem apenas reproduzir trabalhos ou cruzar os braços. Foi assim que as crianças foram preparadas para minha visita: mandaram calar a boca e cruzar os braços.

Os ouvintes empalideceram. Estavam pedindo ajuda e Maria Alfabetizadora ‘se voltava contra eles’, como se eles fossem a causa da violência durante os recreios escolares.

E, de certa forma, os professores poderiam ser a causa da violência nos pátios da escola. Não só eles, mas também os pais que passavam o dia trabalhando e sem as mínimas condições de assumirem as responsabilidades inerentes às formações intelectual, espiritual e social de seus filhos.

Mais precisamente: os métodos e os procedimentos de pais e professores se mostravam inadequados para organizar as aprendizagens necessárias e esperadas. Ao contrário: a violência simbólica caracterizada pela negação do diálogo e pela imposição de regras arbitrárias e absurdas produzia reações agressivas que podiam extravasar nos recreios escolares e nas ruas em que as crianças transitavam ou brincavam.

Maria Alfabetizadora via naquela situação mais um exemplo da situação nacional: nas famílias de todas as classes sociais, os pais investem cada vez menos tempo para conviverem com os filhos, os quais vivem no abandono afetivo e na liberalidade moral ou a cargo de babás e bedéis igualmente autoritários e insensíveis. E, como a escola é uma extensão do lar, os diretores, orientadores e professores dão continuidade ao processo de militarização do ensino. Para isso, são usadas as provas, as coerções e as reprovações. As autoridades escolares exercem o poder para ‘manter a disciplina’.

Em consequência do ambiente escolar desfavorável, poucos alunos conseguem bom desempenho estudantil, porque o aluno do professor autoritário usa, continuamente, estratégias para se defender das arbitrariedades e agressões, não sobrando o tempo para brincar, conversar, ler, pensar, escrever, inventar, estudar e aprender. A tensão, a vergonha e o medo impedem que ele se concentre nas tarefas escolares. Em consequência, ele pode ser acusado de desinteresse, desleixo e apatia. A segurança e a motivação são fundamentais para o desenvolvimento da mente e das habilidades. Uma pessoa insegura e acuada pode parecer indiferente, aversiva e, até, rebelde. Esses comportamentos permitem que o professor insensível classifique os alunos como ‘burros’ e incompetentes para aprender. Fecha-se assim o ciclo vicioso da educação ditatorial.

Do livro Maria Alfabetizadora, páginas 67 a 70.

https://livrosdomariotessari.wordpress.com/maria-alfabetizadora/

PEDOFILIA HUMANA

À medida que sobrevivo por sete décadas, percebo que meu olhar alcança outros níveis, outros horizontes ou que eu consigo visualizar o que estava perto (porém, em segundo plano) e permanecia ‘invisível’. Talvez, minha mente envelhecida, com melhores configurações, consiga ultrapassar o imediato e penetrar através das frestas do senso comum.

Durante a gestação, os meus olhos e a minha mente em construção devem ter visto, inicialmente, escuridões e, gradualmente, penumbras. Na primeira infância, reconheceram rostos familiares, objetos coloridos e fontes de alimentos, como mamas e mingaus? Até os três anos, dispensado de análises éticas e/ou filosóficas, devo ter visto o mundo apenas como paisagem dinâmica.

A ‘idade da razão’ surgiu aos sete anos? Talvez, por aí. Quais as análises que eu fazia aos dez anos? E aos quinze? O que o Mario neo-adulto passou a pensar? Quais os critérios éticos do Mario quarentão? Em que fase radicalizei minhas visões de mundo? (aprofundei raízes…)

Justificadas as minhas idiossincrasias (predisposição do organismo que leva o indivíduo a reagir de maneira peculiar à influência de agentes exteriores/Houaiss), vamos ao tema proposto.

Até envelhecer, lutei para acomodar a ideia de pedofilia como vício de “perversão que leva o indivíduo adulto a se sentir sexualmente atraído por crianças”. Apenas de seres humanos?

Esparramei minha atenção para o reino vegetal e procurei por eventos em que uma planta adulta teria tentado atos reprodutivos com uma planta recém-nascida, com brotos tenros ou com plantas sexualmente imaturas. Nada. Nenhum indício… Concluo que faltam evidências de pedofilia vegetal.

Haveria pedofilia entre os seres microscópicos? Está lançado o desafio…

Entre humanos existe. Humanos são animais. E os outros animais? Vasculhei as prateleiras mais antigas de minha memória, catalogando imagens registradas durante a infância, quando adolescente, durante a juventude e depois de adulto.

Galos, galinhas, pintos; cachaços, porcas, leitões; baguais, éguas e potrinhos; cães, cadelas e filhotes; gatos, gatas, gatinhos; patos, patas, patinhos; marrecos, marrecas e marrequinhos; perus, peruas, peruzinhos; … Nunca vi machos adultos dessas linhagens assediando os recém-nascidos, os desmamados ou os jovens. Pelas minhas interpretações, as danças sensuais animalescas iniciavam depois da maturidade dos animais domésticos.

Os pássaros machos assediam os filhotes nos ninhos? Os passarinhos em treinamento de voo são perseguidos por machos tarados? Quem já presenciou alguma cena comprometedora? Existe pedofilia entre tatus, capivaras, cotias, gambás, lebres, veados, quatis, onças, leões, girafas, elefantes, cobras, baleias, avestruzes, hienas, chipanzés, gorilas ou micos?

Os animais selvagens seriam mais éticos que os humanos? Mas, a ética e a moral não são preceitos humanos? Pedofilia seria um ‘efeito colateral’ da ‘inteligência superior’ do Homo Sapiens? Os seres humanos seriam mais animalescos e selvagens que os ‘animais inferiores’?

OPINIÃO DE ESPECIALISTA

Todos nós temos opiniões. Os especialistas têm muito mais. E mais imponentes. Basta analisar as opiniões de juízes, de médicos e de vendedores. Para navegar a salvo desses impositores, precisamos ouvir e analisar com discernimento, sem sucumbir a argumentos cristalizados.

Como pretenso escritor, sei que exagero na insistência de que todos devem escrever, pois, me sinto vivendo plenamente a era da experiência e dos sentimentos.  Acredito que ser espontâneo, comunicativo e autor da própria história possa contribuir para que todos vivam melhor.

Sei que a tecnologia quer me livrar das tarefas repetitivas e/ou cansativas, como controlar as etapas da lavação de roupas na máquina, empurrar o cortador de grama, recolher as folhas caídas ou dirigir o automóvel.

Se, por um lado, isso pode me livrar dos encargos, por outro lado, posso ficar à mercê das ‘inteligências artificiais’. Todas as máquinas de lavar roupas disponíveis no mercado são ‘completas’, para ‘facilitar’ nosso trabalho. São todas inteligentes e automáticas.

Nós não usamos alvejantes, amaciantes e perfumantes. Entretanto, a máquina está programada para direcionar jatos d’água, na quantia e na velocidade projetada pelos especialistas, para os diferentes recipientes onde deveríamos depositar os produtos químicos. No nosso caso, só perda de tempo e exercício de paciência. Todos os dias… até a maldita máquina inteligente parar de vez… e comprarmos outra ainda mais inteligente que essa, que mude também a hora do computador da máquina para o horário de verão, que nem foi promulgado neste ano. Viramos escravos da máquina de lavar roupas; impedidos de lavar roupas do nosso jeito. Além do que, nossa máquina inteligente não informa em qual etapa se acha o processo de lavação. Isso tudo, para ‘nos ajudar’.

Os nutricionistas, os médicos e os psiquiatras condicionam o restabelecimento de nossa saúde a uma infinidade de exames laboratoriais, os advogados nos submetem à burocracia sufocante e os vendedores querem nos cobrir com negras liquidações. Com a autoridade de especialistas…

A maioria dos pais entrega os filhos às inteligências artificiais para que robotizem suas mentes. Alguns pais são ‘especialistas’ e impõem aos filhos as verdades ancestrais. Muitos pais dialogam com os filhos e interagem como seres sensíveis que têm mais experiência que os jovens. Pais e filhos podem pensar de forma diversa e até divergentes.

Um pai despretensioso de filhos normais. Sei que penso diferente que meus filhos e que eles têm opiniões mais diferentes ainda. Se perguntarem sobre minhas opiniões, serei solícito. No entanto, permito que façam suas escolhas. Dentre elas, lacrar todos os canais de comunicação.

Sou pai natural, genérico; sem especialização em paternidade.

ENTIDADES DE RUA

O vocábulo ‘entidade’, designando estruturas sociais criadas por leis ou por estatutos, passou a dominar a linguagem dos meios de comunicação. De certa forma, uma palavra-ônibus que carrega o descompromisso das pessoas que virtualizam as instituições, como se fossem essências descoladas do mundo real: virtuais, etéreas, ideais, intangíveis e inatingíveis. Coisa do outro mundo. Espíritos puros despidos de qualquer vestígio de realidade existencial.

Essa, a primeira repugnância minha ao ouvir que “as entidades estão oferecendo abrigo aos moradores de rua”. Aí, um segundo sintoma de alienação; o de se esconder atrás de ‘termos politicamente corretos’, de fugir de supostos ‘preconceitos’, como usar as palavras pedintes, indigentes ou mendigos. Hipocrisia praticante.

Sim. Mesmo que “Graças aos deuses!!!”, enfim, um gesto humano de solidariedade. Louvável a compaixão para com os absolutamente pobres; para com os enjeitados pela sociedade de consumo. Partilhar o pão e oferecer abrigo. Alimentos que estão sobrando e hospedagem em prédios pouco usados ou, até, abandonados.

As igrejas e os clubes esportivos podem recolher os ‘moradores de rua’ nas noites geladas dos invernos sulinos. Entretanto, ‘ajudar os pobres’ tem um custo burocrático: dispor de banheiros e água potável em volume adequado ao contingente que se quer abrigar, instalar sistemas de proteção contra incêndios, garantir segurança, prevenir surtos de doenças contagiosas, tratar com dignidade os sem-teto e requerer alguns alvarás da prefeitura, dos bombeiros e da vigilância sanitária. As mesmas obrigações legais de outras ‘entidades’. Obrigações legais? Das organizações da sociedade civil? Iguais às dos governos municipais?

Moradores de rua, moradores de debaixo da ponte, moradores de viadutos, moradores de prédios abandonados, moradores de barrancas de rio, moradores de marquises, moradores de rodovias, moradores de parques, … não são responsabilidade do governo? O governo instala sistemas de prevenção a incêndios e garante segurança em ruas, pontes, viadutos, prédios abandonados, matas ciliares, marquises, rodovias e parques? O governo mantém banheiros funcionando e oferece água potável e alimentação para os que residem em locais públicos? Quais as ações de governo para evitar os surtos de fome e a propagação de doenças entre os desajustados? Os moradores em espaços públicos são tratados com dignidade pelo governo?

 

FIGURANTES POLÍTICOS

Em 1988, foi promulgada a Constituição Cidadã da (Nova ou Sexta) República Federativa do Brasil, assim denominada por apresentar avanços significativos nos direitos civis, individuais e sociais. Dentre eles, o direito de participar de conselhos de políticas públicas em que seriam analisados e debatidos projetos e ações dos governos municipais, estaduais e federais.

Os conselhos sociais deveriam ser espaços democráticos em que representantes das comunidades pudessem propor obras de interesse coletivo, fiscalizar gastos públicos e vetar abusos dos governantes. Porém, exceto os conselheiros tutelares (que recebem salários para executar funções administrativas, judiciais e/ou policiais), os conselheiros são meros fantoches preenchendo vagas em colegiados ‘pro forma’, constituídos apenas para cumprir formalidades legais que garantem verbas para os setores da Saúde, da Assistência Social, … Conselheiros ‘pegos a laço’ ou indicados pelos chefes políticos; conselhos deliberativos constituídos e acionados somente para preencher exigências burocráticas.

Participei de conselhos nas áreas de Cultura, de Educação e de Saúde. Profunda decepção. Muita encenação para colher assinaturas de títeres nas atas que preenchidas antecipadamente. No máximo, as autoridades liam ou falavam algo sobre os assuntos previamente deliberados pelas ‘esferas superiores’; nenhum espaço para reivindicações populares. Os conselheiros deveriam se resignar a ouvir explanações e a assinar atas pré-formatadas.

A criação e as ações efetivas de estâncias deliberativas a partir da base social poderiam contribuir para a melhoria do bem-estar da população, aliviar os quadros do funcionalismo público e reduzir os gastos governamentais. Entretanto, existe um abismo entre as comunidades de bairro e o primeiro degrau da hierarquia deliberativa oficial.


Vez em quando, aparecem divulgações de eventos com ‘vereadores mirins’ ou ‘deputados mirins’; ainda não li ou ouvi a expressão ‘senadores mirins’. Oferecem espaço a quem não tem poder; oferecem passeios para as crianças. Nunca são convidadas pessoas críticas que possam dizer umas verdades aos parlamentares; sempre crianças alegres, faceiras e ingênuas. Se os adultos tivessem oportunidade de avaliar e de afastar os maus legisladores, possivelmente, haveria menos gastos e melhores leis.


A ‘Defesa Civil’ é órgão de governo responsável pela proteção da população, que se mantém alheia, delegando a estâncias superiores a prevenção e os socorros pós-acidentes naturais. A quem serve a Defesa Civil: aos detentores de poder ou ao povo? Como se consolidou o alheamento e a omissão dos cidadãos? Com o distanciamento das esferas de governo da efetiva participação popular? Por que as pessoas negligenciam os cuidados básicos e aguardam passivamente que os políticos resolvam tudo? Além do que a Defesa Civil desenvolve poderes institucionais próprios que manipulam e entravam as ações de auxílio.

Procuro retirar o lixo da boca dos bueiros e abrir as valetas que margeiam a estrada. Pago alto preço por isso… É proibido; a Prefeitura está atenta a quem ‘mexe na estrada’. Não faz, nem deixa fazer. Preserva apenas o direito de exclusividade sobre a via pública, o que garante às autoridades mais poder e bons salários.


No Brasil, a Justiça é uma esfera governamental de poder que detecta e pune as violações das normais estatais; os delitos, as análises e as penas são propriedades do governo. Decreta que os cidadãos são incompetentes para se reconciliarem-se e para reconstruírem a harmonia nas relações interpessoais. Se nós dois nos descuidarmos, dirigirmos mal e amassarmos os para-lamas dos nossos automóveis um contra o outro, quem tomará conta do caso será a Justiça. Ela vai julgar, punir e cobrar os prejuízos, mesmo que eles sejam nossos.

E a (In)Justiça joga nos dois times: mantém equipes para acusar e para defender os infratores. Os promotores da Justiça promovem justiça? E os defensores públicos defendem o povo? Estranho!!! Seria como um clube que mantivesse todas as equipes do campeonato. Ao Judiciário, não basta ganhar dinheiro acusando e julgando os infratores; quer (e ganha) dinheiro também defendendo os ‘pobres’. Ou seja, os ricos podem pagar pela justiça; toda população paga compulsoriamente por aqueles ‘que não podem pagar’.


São muitas instituições públicas e muitos os beneficiados com os cargos públicos.

São muitas e variadas as fôrmas… preenchidas com a mesma massa. Mudam os formatos, as estruturas e as dimensões dos colegiados… compostos por pessoas atreladas aos mesmos mandatários, com características semelhantes e com vantagens recíprocas.

GALANTEIOS, IRONIAS E MACHISMO.

GALANTEIOS, IRONIAS E MACHISMO.

Alguns homens são especialistas em galanteios: gostosão, bonitona, mulherão, princesa, …

Habilidade de cortejar uma dama, namorador, elegante, espirituoso, esbelto, distinto, amável com as mulheres, sensual, delicadamente obsequioso, brincalhão, espirituoso, malicioso, engraçado, picante. Enfim: um galo. Os galanteios, atitudes com suas muitas galinhas. Legítimas ou alheias.

Quando os galanteios são destinados a pessoas do mesmo sexo, podem ser falsos elogios, ironias dissimuladas, estratégias de convivência com desafetos; ironia ou desdém. A ironia é uma figura de linguagem “por meio da qual se diz o contrário do que se quer dar a entender”; sarcasmo, zombaria, “riso amargo”.

Quando retribuímos os galanteios, por ingenuidade ou para manter a cordialidade social, entramos no jogo perigoso da dissimulação, sendo indulgentes ou fazendo que não vemos, para evitarmos envolvimento afetivo, fugindo da franqueza e da lealdade. Falsos amigos; relações defensivas. A conivência consolida e exacerba essas relações doentias.

Possivelmente, ao elogiar atributos físicos d(a)o colega de trabalho, ao chamar de ‘dama’ uma mulher [“a dama de vermelho”, da cornimúsic], ao usar os pronomes de tratamento senhor e senhora para ‘pessoas mais velhas’, ao homenagear uma mulher pobre e desvalida com o título honorífico ‘dona’ [mesmo que ela não tenha domínio nem sobre o próprio corpo e nenhuma posse, sendo ela mesma posse do marido],  estamos fingindo cortesias e respeito ou manifestando, dissimuladamente, desdém, menosprezo ou indiferença por atributos que invejamos. Assim, interpomos uma distância respeitável.

Respeito, do Grego, res pecto: coisa alheia. Reconhecimento que não temos o domínio, que não podemos controlar as ações ou os atos. Consciência de que devemos permanecer à parte, por atitude ética ou por reconhecimento de incapacidade física ou moral para solucionar os impasses. Decisão de manter a neutralidade.

O machismo – resquício do domínio dos animais machos pela força física – sobrevive entre humanos e se perpetua com a conivência das mulheres. Algumas mães incutem orgulho masculino nos filhos; se sentem realizadas por terem desenvolvido neles o sentimento de domínio, de liderança autoritária, de direito ao uso e ao abuso.

PERSUASIVIDADE

A propaganda nada faz; ela é feita.

Ela é feita para difundir o que alguns seres humanos
julgam ser importante para os outros;
para que os outros pensem e ajam de acordo com o propalado.
Muitas vezes, que os outros façam aquilo que eles mesmos não fazem.

Podem ser propagadas ideias, teorias, práticas, comportamentos, exemplos, ...
No entanto, mais importante do que identificar o que é propagado
é saber a intenção de quem propaga.

Ideias podem ser verdades, mentiras, meias-verdades ou meias-mentiras.
As mentiras absolutas são vulneráveis ao discernimento.
Mas, como identificar a parte que é verdade e a parte que é mentira?

Infelizmente, a propaganda tem sido instrumento de enganação,
de impor meias-verdades com o objetivo de tirar proveito
da ingenuidade popular, da boa-fé das pessoas para
tirar vantagens sociais, econômicas ou políticas.
E, tem pressa, pois precisa chegar antes que o espírito desperte
e analise com criticidade as falsas bondades.

A propagação de princípios éticos
independe de urgência e foge dos absolutismos;
ela se fortalece na diversidade de pensamentos.

Nos meios de comunicação, em geral,
a propaganda tem a função de enganar,
de criar necessidades inúteis, de explorar os incautos.

A propaganda ‘profissionalizada’ se alimenta de mentes ingênuas;
porém enfrenta resistências nas mentes críticas.
Por isso, os profissionais das agências de propaganda,
principalmente da propaganda política,
precisam manter o povo na ignorância,
precisam garantir um rebanho de ingênuos.
Simultaneamente, campo para semear ilusões
e vetor para propagação de ‘epidemias ideológicas’.

Assim, os falsos líderes e os ídolos ocos
são plantados e cultivados em massas acéfalas.
A população domesticada passa a executar,
fielmente, as ideias desses charlatões.
Executa inconscientemente, hipnotizada,
incapaz de pensar criticamente,
de tomar decisões, de fazer escolhas.

Como não pensam por si mesmas,
são pensadas pelos outros.