Para Marlene Tessari, minha irmã:
sabedoria de quem une retalhos
para vestir pessoas ou
para pavimentar caminhos.
O poeta alinhava palavras desiguais
em frases estendidas sobre poemas-mosaicos.
Nossas realidades não surgem
como surpresas monolíticas ‘caídas do céu’
ou como criaturas fantásticas que emergem
das águas plácidas de lago desabitado.
Cada um de nós compõe e recompõe
a realidade (em que imagina viver)
ao organizar e reorganizar fiapos do passado
com novidades que criamos por força de viver.
O tecido resultante dessa costura
sempre será híbrido: mosaico de fragmentos
com lembranças, ilusões e propósitos.
A realidade individual que inventamos
para nos sentirmos ‘com os pés no chão’
mais parece taipa de pedras irregulares
ou parede de tijolos desiguais
do que estátua de bronze único,
de cor uniforme e aparência morta.
Arquivo da categoria: Literatura
O CANHÃO DO SIRINEU
O CANHÃO DO SIRINEU
Aos dez anos, o Sirineu ‘saiu de casa’, deixando para as seis irmãs dele a responsabilidade de cuidarem dos pais, dos parreirais e demais plantações, além de algumas vaquinhas magras e desanimadas. Foi para o seminário aperfeiçoar a alma através do estudo do Latim e de outras línguas mortas, da Matemática, da oratória, da música e do teatro, para se tornar digno do sacerdócio. E deve ter sido bem aplicado, pois, dos cento e sessenta e dois principiantes, foi o único a receber a ordenação. Porém, para adquirir o direito de rezar missas, enfrentou muitas dificuldades.
Nascido e criado nos pedrentos vales do oeste catarinense, sem conhecer alpargatas ou botinas, havia usado chinelas de couro cru apenas nas festas religiosas de maior importância. Por andar descalço sobre os seixos, as solas dos pés desenvolveram um cascão que amassava até espinhos e os dedos adquiriram a resistência necessária para enfrentar as normais topadas nas andanças e trabalhos diários.
Para ingressar no colégio religioso, recebeu o primeiro par de sapatos, confeccionados pelo rude sapateiro da vila, que, conhecendo o pé-duro, comentou:
— Só use os sapatos em ocasiões solenes ou na igreja, onde o enorme sacrifício será um louvor a deus.
E o seminarista seguiu o conselho. No mais, andava descalço ou com os pés metidos nas velhas chinelas de couro cru, o que pouca diferença fazia, pois eram tão sujas que ele continuava a pisar em terra.
Na segunda série ginasial, o Sirineu continuava a sorrir candura provinciana para todos e para tudo, mesmo que sofresse com apelidos e brincadeiras de mau gosto. Sorria superior à grosseria, ao conforto e ao calçado moderno. Entrava na sala de aula pisando as chinelas… que depositava sob a carteira, de onde eram recolhidas ao final das aulas. Sempre, extrovertido, sorrindo e se comportando com a inocência dos seres naturais.
Quando o padre, professor de Língua Portuguesa, foi transferido de repente, o reitor pediu para uma freira que suprisse temporariamente a ausência do mestre. Naqueles santos tempos, somente padres (nem todos másculos…) lecionavam para seminaristas. As freiras, responsáveis pela cozinha e pela lavanderia, permaneciam invisíveis, atrás de janelas e portas giratórias opacas, já que as mulheres – símbolos do pecado – poderiam pôr a perder as vocações sacerdotais.
Logo, a aparição de uma freira, mesmo que fosse velha e encarquilhada, por si só, já era fato extraordinário. O véu impedia de ver a cor dos cabelos, entretanto, as peles e o andar arrastado poderiam comprovar a idade avançada. Enxergava bem; estava praticamente surda. Ela havia consumido a existência no ensino da Língua Pátria para meninas e moças noviças, candidatas à vida monástica; jamais lecionara para meninos, moços ou homens.
Na apresentação, o reitor não mencionou o nome dela; só reafirmava: “a nova professora”. Os alunos-seminaristas entenderam que ela seria a nova professora, mesmo não sendo uma professora nova. E mesmo que o reitor não tenha informado, eles concluíram que os ouvidos da ‘nova professora’ estavam falidos, pois ela se mantinha impassível diante da ladainha do ‘chefe’, reagindo apenas aos gestos e às mímicas. E, na primeira aula, recebeu um apelido.
Ela chegava à sala, lia cada nome da lista de alunos e, como surda convicta, aguardava que aqueles que estivessem presentes levantassem um braço para que ela pudesse conhecer ou reconhecer cada um dos ‘novos’ alunos. A seguir, escrevia na lousa as tarefas e os exercícios que cobrava com rigor. Na última linha, lembrava aos pupilos que as perguntas deveriam ser feitas por escrito.
Com autoridade, ela exigia disciplina. Isto é, que não saíssem de suas carteiras, que não andassem pela sala. Poderiam falar à vontade, poderiam até gritar. Todavia, sem sair do lugar. Se o olhar dela percebesse algum movimento individual ou se a turma se contorcesse em gargalhadas, ela soltava uns gritinhos e ordenava com energia:
— Meninas, silêncio!
Satisfeita com o controle exercido sobre a turma, abria o livro didático e convocava um aluno para iniciar a leitura, mantendo sempre o dedo magro e trêmulo sobre o nome até um momento imprevisto em que gritava:
— Cêga, menina.
Declamava um segundo nome e vendo alguém se levantar (nem sempre aquele que ela designava), emitia sua palavra de ordem:
— Gontinua.
Nem é preciso dizer que, para cumprir a ordem, bastava um dos alunos permanecer em pé, falando qualquer coisa, como, por exemplo, conversar com o colega ao lado, pois ela só observava se o pseudoleitor movia os lábios. Assim, a leitura de uma página durava uma aula inteira, … sem ser lida.
Naquele dia, o Sirineu estava com os intestinos lotados de gases… que, vez em quando, alcançavam a liberdade… com ruídos e com odores bastante desagradáveis. Numa explosão mais proeminente, até a freira, surda consagrada, conseguiu ouvir o estrondo. Assustada, ela indagou:
— Que foi isso?
— O Sirineu soltou um canhão.
— O qué?
Repetiram, mas a professora Gontinua continuava sem entender e ficava cada vez mais exaltada. Apontaram na direção do réu e, como a turma caísse na gargalhada, exigiu por escrito a razão de tamanha bagunça. Reafirmaram por escrito que o Sirineu soltara um canhão. Ao que ela sentenciou:
— Menina, traga aqui esse objeto.
Na carteira em frente a ele, o Adelar consertava uma bola de capotão, com as mãos trabalhando embaixo da carteira. Sugeriram que ele entregasse a bola para a freira. Ele não aceitou porque ‘a bola não era dele’. Além do que a freira notaria que o autor do trovão tinha sido outro. Queria mesmo era ver o canhão do Sirineu. Alguém disse para o ‘criminoso’:
— Leva uma chinela.
E ele, vermelho e chorando de tanto rir, foi andando com a chinela nas pontas dos dedos das duas mãos até à mesa sobre o estrado. Formavam uma imagem ridícula: o aluno risonho babando sobre a chinela imunda e rota, fedendo como nunca.
Enojada, a freira gritou:
— Isso é um canhão? Como você conseguiu soltar isso? Nunca mais solte canhão durante a aula.
GRAMÁTICA PESSOAL
Gramática para uso pessoal de Mario Tessari.
Especialistas em gramática assumem o papel de policiais e avocam para si o direito de disciplinar as escritas dos usuários da Língua Portuguesa. Para sorte dos falantes, ainda há alguma liberdade na prosódia, na ortoépia e na ortofonia.
A maioria dos gramáticos categoriza todos os sinais impressos como ‘ortográficos’. A Ortografia disciplina a grafia ‘correta’ das ‘palavras’, usando as letras do alfabeto latino conforme um conjunto de regras estabelecidas pela gramática normativa. Algumas palavras recebem sinais gráficos complementares usados para indicar valores fonéticos específicos para determinadas letras: os acentos (agudo, grave ou circunflexo), o cedilha, o til e o trema; o hífen une elementos de palavras compostas.
No entanto, os sinais ‘de pontuação’ (vírgula, ponto, dois-pontos, ponto-e-vírgula, ponto de exclamação, ponto de interrogação, reticências, parênteses, aspas e travessão), criados para facilitar a leitura e o entendimento das ideias, são utensílios da Sintaxe (conjunto de regras da estrutura linguística) e da Análise Sintática (estudo das funções das palavras e das orações em uma frase).
Por exemplo, a vírgula pode substituir a conjunção ‘e’ na função de unir “vocábulos ou orações de mesmo valor sintático” [Dicionário Eletrônico Houaiss]. Ao invés de escrevermos: ‘Anna e Marcos e Tadeu estão lendo essa análise.’ e ‘José preparou a terra e plantou as sementes e adubou as plantas e colheu boa safra.’, podemos escrever ‘Anna, Marcos e Tadeu estão lendo essa análise.’ e ‘José preparou a terra, plantou as sementes, adubou as plantas e colheu boa safra.’, evitando, assim, a repetição excessiva da conjunção ‘e’.
A Ortografia estabelece regras ‘oficiais’ de como as palavras devem ser escritas, diferenciando ‘escritas populares’ de ‘escritas eruditas’. Porém, não prescreve padrões de sintaxe, de textos ou de estilos literários.
Os professores de gramática são formados por academias científicas com a responsabilidade de professar a ‘pureza gramatical’ e as academias literárias escolhem seus membros dentre os que obedecem a padrões eruditos, como a ortografia e o formato dos textos (prosa, poema, conto, novela, romance).
Os linguistas analisam a funcionalidade da linguagem falada e/ou escrita, a evolução e a diversificação dos sistemas de representação do pensamento humano.
PARELALISMO SINTÁTICO
Eu dou importância relativa às regras gramaticais e, em alguns pontos, discordo de gramáticos, de acadêmicos, de editores e de críticos literários. Ao invés de perder tempo com arbitrariedades ‘legais’, estudo, analiso e sigo os princípios universais da Linguística, das lógicas estruturais das palavras, das frases e dos textos, conforme a finalidade a que se destinam.
Para meu uso pessoal, com o objetivo consciente de facilitar para o leitor o acesso direto e sem sofrimento às ideias que coloco em palavras, releio várias vezes o que escrevo, peço opinião de leitores exigentes, aguardo a ‘maturação’ dos textos e, só então, publico. Tento, desse modo, evitar ‘abortos literários’.
Um dos meus cuidados está no paralelismo sintático, como eu explico a seguir.
Analisando as frases:
- Estão convocados Maria e Paulo. Estão convocados a Maria e o Paulo.
- Ana e Ivo estudam a linguagem escrita. A Ana e o Ivo estudam a linguagem escrita.
- Cesar gosta de ler e de escrever.
Nos três casos, há aglutinação de orações ligadas pela conjunção ‘e’, conectivo que correlaciona dois termos na mesma oração ou duas orações de um mesmo período.
As orações ‘Está convocada Maria.’ e ‘Está convocado Paulo.’ foram sintetizadas em ‘Estão convocados Maria e Paulo.’ De forma análoga, ‘Está convocada a Maria.’ e ‘Está convocado o Paulo.’ foi reduzida a ‘Estão convocados a Maria e o Paulo.’ ‘Ana estuda a linguagem escrita.’ e ‘Ivo estuda a linguagem escrita.’ Então, ‘Ana e Ivo estudam a linguagem escrita.’
Cesar gosta de ler e, também, gosta de escrever. Numa só oração, ‘Cesar gosta de ler e de escrever’. Sem o ‘de’ (sem paralelismo sintático: ‘Cesar gosta de ler e escrever.’), pode ser que ‘Cesar gosta de ler e escrever virou consequência’. Ou que ‘Cesar gosta de ler e escrever ficou mais fácil para ele’.
Em ‘Estão convocados a Maria e o Paulo.’, a presença dos artigos definidos indica que as duas pessoas (ou personagens) são conhecidas (e reconhecidas) pelo escritor e pelo leitor. A ausência dos artigos ‘a’ e ‘o’ deixa em aberto a identidade dos sujeitos. Por outro lado, podemos usar artigos indefinidos: ‘Estão convocados uma Maria e um Paulo.’ São opções, por questão de necessidade, de escolha ou de estilo.
Porém, escrever ‘Estão convocados a Maria e Paulo.’ indicaria que o escritor alterna as regras conforme ‘sua vontade’; óbvio, se estiver consciente de como escreve… ‘Está convocada a Maria.’ e ‘Está convocado Paulo.’; um, determinado e o outro, não. Parece que a frase continuaria: ‘Está convocada a Maria e Paulo sabe disso.’
Você já viu escrito ou ouviu dizer “Gosto disso e aquilo.”? É normal ler ou ouvir “Gosto disso e daquilo.”, porque é a lógica linguística, a linguagem natural, sem afetação. Caso contrário, parece que a frase continuaria, como em “Gosto disso e aquilo me repugna.”
A PONTUAÇÃO NA PRÁTICA LITERÁRIA
Posso usar dois-pontos (:), ponto-e-vírgula (;) ou ponto e vírgula (. e ,). Na prática, uso vírgula e ponto (, e .), nessa sequência. Nas frases, uso vírgula para separar ideias que complementam a oração principal, ponto-e-vírgula para incluir ideias divergentes ou paralelas, ponto para indicar que completei o enunciado e ponto-final para encerrar o assunto.
Ao afirmar que o ponto-e-vírgula (;) é “sinal de pontuação que indica pausa mais forte que a da vírgula e menos que a do ponto”, o dicionarista obrigaria o gago a colocar ponto-e-vírgula a cada ‘pausa gaguejada’, além de uma procissão de vírgulas, para as pausas ‘menos fortes’. O especialista deixa outro desafio: mensurar as pausas (“mais forte que a da vírgula e menos que a do ponto”). Imagino que as pausas possam ser breves ou longas. Como seriam pausas fracas ou fortes?
Mais preocupantes ainda são as afirmações que a vírgula é uma “ligeira pausa para respirar”. Provavelmente, esses autores sejam biólogos preocupados com nossa fisiologia respiratória.
RETICÊNCIAS
As reticências, além das funções técnico-linguísticas, podem ser usadas como recurso estilístico. Vai depender se as reticências são dúvidas da palavra… ou indecisões das ideias …
No caso, estou indicando ceticismo, dissimulação, hesitação, indeterminação da palavra… ou a omissão de algo que deixo de escrever para que o leitor continue … a frase por conta dele. Ou seja, deixo o leitor decidir como continua a ideia.
Também uso reticências para indicar uma ‘pausa emocional’ (aposiopese) ou uma insinuação.
Nesses trechos de Suçurê, aparecem reticências em:
“— Vejo que a aliança ainda está no dedo… Logo … para o povo daqui, a situação continua na mesma: só mistério.” (P. 485)
“— Mesmo assim, o Icobé vai ficar sozinho e não sabe lidar com o gado; a gente vai deixar tudo organizado, pra ele apenas atender alguma eventualidade. Por falar nisso, seria bom se você, Icobé, pudesse dar seu passeio de reconhecimento agora pela manhã porque cismo de saber que você saia por aí sozinho… Pode lhe acontecer algo e … – opinou Genuíno.
— Boa ideia! Vou encilhar o Zaino e dar uma volta pela invernada. Mas não demoro… – concordou Icobé.” (P. 504)
“— Tem que ver… – ponderou o capataz. Eu devo me afastar por uns dias… O João não pode ficar solito por muito tempo…
— Si desse … fais tempo qui num falo c´a mana Maria Rosa … – choramingou o Silvino.” (P. 505)
“— Não sou eu que procuro antes de ser chamado. São eles que me perturbam com vozes estranhas…
— Estranhas, porém bem audíveis, claras, pois indicam quem é e o local exato em que estão …” (P. 605)
O USO DA VÍRGULA ANTES DO PRONOME RELATIVO ‘QUE’
1. Os senadores que foram eleitos no último dia 15 tomarão posse hoje.
2. É difícil encontrar os gatos que fogem de casa durante a noite.
3. O povo cobra dos senadores, que foram eleitos democraticamente, a responsabilidade política.
4. Os gatos, que são venerados desde o tempo dos faraós, preferem viver livres, sem coleiras.
Nas duas primeiras frases, o pronome ‘que’ indica a delimitação dos sujeitos, através de oração subordinada restritiva, com função de adjunto adnominal da palavra antecedente, indispensável para expressar o sentido pretendido. Sem vírgula; ligadas diretamente aos sujeitos das orações.
1a. Apenas os senadores que foram eleitos no último dia 15 tomarão posse hoje.
2a. É difícil encontrar apenas os gatos que fogem de casa durante a noite.
Nas duas últimas, o pronome relativo ‘que’ é usado para iniciar uma explicação (oração subordinada adjetiva explicativa); oração opcional que acrescenta uma informação complementar, com características dos sujeitos, que continuam os mesmos. Deve ser escrita ‘entre vírgulas’.
3a. O povo cobra dos senadores[, os quais foram eleitos democraticamente,] a responsabilidade política.
3b. O povo cobra dos senadores a responsabilidade política.
4a. Os gatos[, os quais são venerados desde o tempo dos faraós,] preferem viver livres, sem coleiras.
4b. Os gatos preferem viver livres, sem coleiras.
USO DE LETRAS MAIÚSCULAS
Escrevo siglas em letras maiúsculas. Uso letras maiúsculas para iniciar nomes próprios; tecnicamente, substantivos próprios. Escrevo Antônio (nome da pessoa) e os antônios (todas as pessoas de nome Antônio); o Brasil e os vários brasis; o Estado (substituto de substantivo próprio) e os estados (substantivo usado para designar nações em comum).
Uma palavra composta é um vocábulo resultante da junção de duas ou mais palavras. Se uma palavra composta exercer a função de substantivo próprio, deverá ser grafada com letra inicial maiúscula: Serra-abaixo, Serra-acima, Baia-norte, Baia-sul, …
EXEMPLOS DE USO DE HÍFEN
Abelha-sem-ferrão é palavra composta (substantivo) que nomeia abelhas com uma característica específica: uma espécie de abelha. E abelha sem ferrão é locução substantiva usada para designar a abelha que perdeu o ferrão.
Se for nome da espécie, deve ser escrito ‘uruçu-amarela’. Se determinada espécie de uruçu tiver indivíduos uns pretos e outros amarelos, haverá abelhas uruçu pretas e abelhas uruçu amarelas. Mirim-guaçu preta e mirim-guaçu amarela; manduri preta e manduri amarela; porque as espécies são denominadas mirim-guaçu e manduri, respectivamente.
É questionável que os meliponíneos não possuam ferrões; todavia, com certeza, não ferroam. Logo, a locução deveria ser: abelha que não ferroa. Abelha-sem-ferrão ou abelha-da-terra: espécie de abelhas dos gêneros melípona, trigona, … Uma abelha do gênero Apis que deixou o ferrão em alguém será uma ‘abelha sem ferrão’. Se os chifres de um boi forem decepados, teremos um ‘boi sem chifres’. Os que já nascem mochos serão bois-sem-chifres.
Batata-doce é uma espécie vegetal; batata doce pode ser uma batata adoçada. Boca-de-leão: uma flor; boca de leão: abertura inicial do tubo digestivo do ‘rei dos animais’. Copo-de-leite nomeia uma flor e ‘copo de leite’ é uma porção de leite que pode estar num copo ou em outra vasilha; a expressão se refere à quantidade do alimento. Ponto-e-vírgula nomeia um sinal de pontuação; ponto e vírgula são dois sinais de pontuação.
Mesmo depois da última Reforma Ortográfica, as palavras compostas que designam espécies animais ou vegetais continuam sendo grafadas com hífen: bem-te-vi, copo-de-leite, boca-de-renda, porco-bravo, porco-do-mato, aroeira-folha-de-salso, uruçu-boi, formiga-açucareira, formiga-cabeça-de-vidro, …
SEO OU SEU
A palavra ‘seu’ é pronome possessivo.
Eu uso ‘seo’ para traduzir a pronúncia caipira de ‘senhor’. A fala coloquial abrevia as palavras, ‘comendo letras’, economizando tempo e voz, através de síncopes, pronunciando apenas as ‘essências’ da palavra. Maior / mor, senhor / seo, está / tá, estive / tive, em boa hora / embora, … Logo, ‘seo’ – síncope da palavra senhor – é pronome de tratamento. Da mesma forma, ao transcrever falas, uso sinhá ou siá, para designar senhora. Quem escreve ‘seu’ José, deveria, também, escrever ‘sua’ Maria em vez de escrever ‘dona’ Maria.
ETCÉTERA
Et cetera, do Latim, significa “e outras coisas, e assim por diante, …”
A abreviatura (etc.) já vem precedida do conetivo ‘e’ (et). Logo, não uso vírgula antes de ‘etc’. Aliás, uso reticências ao invés de usar etcétera. Deixo o ‘et cetera’ para os romanos. Sou de época mais recente.
ASPAS
Uso aspas duplas para indicar trecho de outro autor ou de outro texto meu. Para destacar palavras ou expressões, uso aspas simples, caracteres em tipo itálico ou palavras em caixa-alta.
APRENDER PRATICAR SABER
APRENDER PRATICAR SABER
Você sabe ler?
Sei, sim senhor.
Sei.
Mais ou menos.
Não sei, não.
Pergunta banalizada na boca
de quem julga saber;
de quem julga o saber.
Pergunta impensada;
resposta protocolar
cumprindo formalidade.
A maioria que aprendeu a ler
pratica apenas leituras rasas
de placas, de preços e de moedas.
A maioria lê o de sobrevivência
e o de interesse, o de lucro.
Mas, poucos praticam
analisar ideias escritas.
Leituras ativam memórias,
geram sentimentos,
traduzem o que foi escrito,
aceitam, acrescentam ou restringem,
mudam a cor dos significados.
Inventar ideias a partir de
ideias gravadas no papel…
Quem é que pratica?
Desafios físicos e aventuras
são jogos nas idades de vigor.
Quais as dinâmicas na velhice?
Quando o corpo pouco age e reage?
Feliz quem sabe aprender na velhice
a praticar jogos mentais e se encanta
com segredos que as letras revelam.
Mais feliz ainda quem exerce o desafio
de esconder ideias nas dobras das palavras.
Quem sabe proclamar, na velhice,
a sabedoria construída aos poucos?
Quem consegue manter a mente jovem?
MODA LITERÁRIA
Nesse início do Século XXI, despontam modismos no mundo literário, como “simplificar as frases”, engolir letras (esse, já bem conhecido…), engolir palavras, não usar vírgulas (porque “nunca estudou Análise Sintática” e nem imagina que elas são ferramentas da sintaxe e não, regras ortográficas…) e americanizar o modo de escrever.
Pode o leitor argumentar que eles usam ‘elipses’ e ‘síncopes’… Tenho convicção de que esses ‘confrades’ nem mesmo ouviram falar e muito menos pesquisaram para saber o que sejam análise sintática, elipses literárias e síncopes morfológicas ou as diferenças entre gramática e linguística.
Um escritor que eu valorizo me criticou por escrever ‘seguir em frente’. “Só se pode seguir em frente. Então, basta escrever seguir.” Evidente que ele prefere seguir os ditames da máfia jornalística e da indústria editorial, sem analisar os significados do verbo ‘seguir’, pois, posso seguir até uma minhoca andando em zigue-zague… indo para os lados ou indo para trás.
Esses mesmos editores e escritores consideram que eu seja um louco por analisar os vocábulos em dicionários e por pesquisar na WEB, sempre em busca de aperfeiçoamento do que escrevo, para escrever melhor, com maior clareza e mais objetividade, buscando facilitar o trabalho do leitor. Para ler os textos desses modistas, o leitor terá de investir tempo, energia e paciência para interpretar os enigmas, restando pouca vontade e nenhum interesse nas ideias ‘encriptadas por modismos’.
Para completar minha perplexidade, os ‘intelectuais’ delegam à ‘Inteligência Artificial’ a tarefa de escrever poemas, contos e romances. Eles concluíram que escritores (pessoas) são incapazes de ler a realidade e devem ser arquivados em museus ou abandonados em sítios arqueológicos.
LER O QUE NOS MANDAM LER
No jogo político-social, cada personagem defende a sua trincheira. Os bandidos (que andam em bando…) espertos, os canalhas eficientes, os malvados e os maldosos diplomados exercem funções da Sociedade ‘elevada’ … para a sociedade levada…
“Quando o dedo aponta a lua, os idiotas olham o dedo.” Herbert Marshall McLuan
Ou seja, enquanto o povo olha o dedo, o Sistema age livre de análises críticas.
Lendo a reportagem https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2023/05/01/escritor-tem-livro-retirado-de-vestibular-de-universidade-apos-deputado-criticar-obra.ghtml, concluo (talvez, só eu, louco, Lúcifer, …):
Os professores e os reitores ‘responsáveis’ (ir…) pelo ‘vestibular’ não leem os livros que usam como texto-base … que são indicados por professores/atores de ‘cursinhos pré-vestibular’.
Segue a quadrilha educativa (com bem mais que quatro…), não é José Pacheco?
“… Hoje, o tirano governa não pelo cassetete e pelo punho; mas, disfarçado em pesquisador de mercado, ele conduz seu rebanho pelos caminhos da utilidade e conforto.” Herbert Marshall McLuan
“É a experiência, e não a compreensão, que influencia o comportamento.” Herbert Marshall McLuan
“A esquizofrenia pode ser uma consequência inevitável da alfabetização.” Herbert Marshall McLuan
RECONHECIMENTO
Desconheço as razões pelas quais escrevo; apenas, escrevo. Ler e escrever foram desejos gerados por meus pais, Anna Maria e Vitorino, bem antes de "deus lhes dar um filho". (Nem imaginavam existir óvulos e espermatozoides...) Devo a eles muito do que sou. Além de me darem corpo, cultivaram minha mente e forjaram valores que prezo e procuro praticar. Escrevi literariamente a partir da adolescência. O primeiro poema, que guardo por escrito, foi dedicado a meu pai, matado anos antes. Durante o Ensino Médio, a professora de Língua Portuguesa, Irmã Maria Rosa, como avaliação escrita, determinou: “Escreva uma redação sobre o tema: RUAZINHA DA MINHA INFÂNCIA”. Escrevi um soneto, contemplado com nota dez e estrelinhas. O poema está na página 9 do livro Ipoméia. Segundo poema, logo a seguir do poema-título. À medida que o tempo passava, mais e melhor fui escrevendo. Escrevi e escrevo por escrever, para ajudar pessoas a escreverem, para organizar meu código de valores, para construir vida intelectual e como possibilidade pós-morte. Alguns mestres escolares me incentivaram e orientaram. Quando ganhei dinheiro, comprei uma máquina de escrever e papel em resma. Montei livros datilografados... O primeiro computador, a primeira ferramenta de digitação eletrônica (o aplicativo Fácil), depois, o Windows e o Word. Em 1977, as senhoras luteranas da OASE, de Canoinhas SC, estavam organizando um grande evento cultural e Ederson Luis Matos Mota, diretor da EEB Almirante Barroso, propôs que fosse lançado um livro e que poderia ser um livro com poemas do Mario Tessari. O Ederson selecionou trinta e um poemas que receberam capa e ilustrações de Maria de Lourdes Brehmer e formaram o pequeno livro Ipoméia. A partir dessa publicação, recebi convite de jornais e de revistas, onde pratiquei as artes poéticas, narrativas, cronicontadas, ... Aos dezesseis anos, tive a sorte de conviver com um homem culto, que colocou à minha disposição sua biblioteca e que me propunha desafios todos os dias. Eu admirava imensamente o casal e considerava a história do amor deles algo com direito a ser narrado; iniciei as escrituras de SUÇURÊ. Depois de aposentado, voltei à UFSC como aluno do Curso de Psicologia. Como participante daquele centro cultural, me senti no direito de publicar um livro pela EdUFSC. O poeta que presidia a Editora, me tratou com desdém e encaminhou a negativa com o conselho de que aguardasse alguns anos 'para amadurecer' e reescrever os poemas. Eu estava com cinquenta e três anos... E os leitores poderão avaliar a 'maturidade' dos poemas que compõe o livro MOMENTOS, publicado em 2004. Essa publicação foi o desencadear de muitas outras publicações. E não por acaso: a partir desse ano passei a conviver dia-e-noite com Maria Elisa Ghisi. Além de parceiros nas lidas cotidianas, domésticas e profissionais, unimos nossas mentes em leituras compartilhadas e no esforço para bem escrever. A Elisa tem ótimas ideias. Porém, as ideias dela permanecem orais, ágrafas. Apenas anota e registra pensamentos ... em letra cursiva; tudo manuscrito. No entanto, sem ela, não haveria tantos ‘livros do Mario Tessari’, nem tantos textos publicados no blogue. Ela também é a principal divulgadora de minhas obras. Todavia, a maior contribuição dela sempre foi e continua sendo a leitura atenta, as críticas assertivas e acertivas, a indicação da presença de obscuridade ou de ideias confusas (falta de clareza ou ambiguidade), a denúncia de incoerências, vazios ou absurdos, o questionamento das construções frasais, o apontamento da necessidade de coerência ética, os alertas sobre estética e fluência e a exigência de responsabilidade sobre o que se escreve. Sem ela, a qualidade dos meus livros (conteúdo e redação) estaria bem abaixo. No início do ano 2022, fui movido pelo desejo de escrever estórias para meus netos. As ideias foram surgindo em minha mente e transformadas em textos digitais. Porém, dependeria de alguém que conseguisse desenhar melhor do que eu, que consigo apenas rabiscar... Com auxílio da WEB, encontrei a ilustradora Renata Ramos e iniciamos uma parceria literária. Além de criar imagens lindas e comunicativas para cada ideia escrita, ela trabalhou bastante e conseguiu publicar nosso primeiro livro para crianças de alguns países.
INSPIRAÇÃO
Inspirar pressupõe absorção de algo que estava fora de nós, seja o ar que respiramos ou sensações e/ou imagens que atraem nossa atenção e despertam sentimentos capazes de gerar energia para agir, decidir, registrar, ... (Imagens e sensações podem ser apenas aparências externas do que acreditamos ver...) Durante a vida, inspiramos ar, dele, retirando oxigênio para incorporar ao sangue que alimenta as células para produzir energia. Processo mecânico, possível de comprovar e de medir. Para viver, todos os animais dependem do ar que respiram. No processo mental, formamos ideias e representações do que percebemos na realidade objetiva. Como não absorvemos os objetos e imagens, só podemos dizer, em sentido figurado, que ‘inspiramos’ ideias. Não inspiramos (puxamos para dentro de nós) percepções ou ideias; formamos, em nossa mente, imagens e representações sobre o que observamos ou recebemos pelos órgãos dos sentidos. Ideia, “representação mental de algo concreto, abstrato ou quimérico” [Houaiss]. Porém, cada um de nós constrói a sua realidade – realidade subjetiva –, que, raramente, coincide com a realidade objetiva; por isso, sempre será transitória, substituível. Construímos nossas realidades através da intuição, por forças instintivas espontâneas que influenciam nossos pensamentos sem que tenhamos desejado ou planejado. Vemos e interpretamos, revemos e reinterpretamos o mundo, formando conceitos, opiniões e códigos de conduta. Por isso, pode parecer estranho o que o outro sente, seus temores, suas ilusões, seus valores, seus julgamentos, ... Nem sempre acreditamos no que o outro acredita e muitas mágoas e muitos traumas podem parecer absurdos para os outros. Eventos similares podem desencadear e manter sofrimento intenso em alguns (por longo período ou, até, por toda vida) e ser irrelevante e, imediatamente, esquecido por outros. Nossas realidades serão sempre ‘realidades relativas’. A arte e a criatividade resultam mais do ócio e da transpiração do que de ‘dons sobrenaturais’. Quem vive ‘de rendas’ dispõe de todo seu tempo para se dedicar a exercícios mentais ‘sem fins lucrativos’. Operários que trabalham doze horas por dia terão pouco tempo e pouca disposição para ‘cultivar devaneios’. Embaixadores e afortunados (herdeiros de fortunas) terão maior chance de pintar lindos quadros e de escrever livros excepcionais. Mesmo assim, podem ser exigentes e lapidar e aprimorar suas artes, por determinação e com esforços extras.
ANOTAÇÕES GRAMATICAIS
PARA USO PESSOAL do Mario Tessari.
ANOTAÇÕES GRAMATICAIS PARA USO PESSOAL
do Mario Tessari
Especialistas em gramática assumem o papel de policiais e avocam para si o direito de disciplinar as escritas dos usuários da Língua Portuguesa. Para sorte dos falantes, ainda há alguma liberdade na prosódia, na ortoépia e na ortofonia.
A maioria dos gramáticos categoriza todos os sinais impressos como ‘ortográficos’. A Ortografia disciplina a grafia ‘correta’ das palavras, usando as letras do alfabeto latino conforme um conjunto de regras estabelecidas pela gramática normativa. Algumas palavras recebem sinais gráficos complementares usados para indicar valores fonéticos específicos para determinadas letras: os acentos (agudo, grave ou circunflexo), o cedilha, o til e o trema; o hífen une elementos de palavras compostas.
No entanto, os sinais ‘de pontuação’ (vírgula, ponto, dois-pontos, ponto-e-vírgula, ponto de exclamação, ponto de interrogação, reticências, parênteses, aspas e travessão), criados para facilitar a leitura e o entendimento das ideias, são utensílios da Sintaxe (conjunto de regras da estrutura linguística) e da Análise Sintática (estudo das funções das palavras e das orações em uma frase).
Por exemplo, a vírgula pode substituir a conjunção ‘e’ na função de unir “vocábulos ou orações de mesmo valor sintático” [Dicionário Eletrônico Houaiss]. Ao invés de escrevermos: ‘Anna e Marcos e Tadeu estão lendo essa análise.’ e ‘José preparou a terra e plantou as sementes e adubou as plantas e colheu boa safra.’, podemos escrever ‘Anna, Marcos e Tadeu estão lendo essa análise.’ e ‘José preparou a terra, plantou as sementes, adubou as plantas e colheu boa safra.’, evitando, assim, a repetição excessiva da conjunção ‘e’.
A Ortografia estabelece regras ‘oficiais’ de como as palavras devem ser escritas, diferenciando ‘escritas populares’ de ‘escritas eruditas’. Porém, não prescreve padrões de sintaxe, de textos ou de estilos literários.
Os professores de gramática são formados por academias científicas com a responsabilidade de professar a ‘pureza gramatical’ e as academias literárias escolhem seus membros dentre os que obedecem a padrões eruditos, como a ortografia e o formato dos textos (prosa, poema, conto, novela, romance).
Os linguistas analisam a funcionalidade da linguagem falada e/ou escrita, a evolução e a diversificação dos sistemas de representação do pensamento humano.
A PONTUAÇÃO NA PRÁTICA LITERÁRIA
Posso usar dois-pontos (:), ponto-e-vírgula (;) ou ponto e vírgula (. e ,). Na prática, uso vírgula e ponto (, e .), nessa sequência. Nas frases, uso vírgula para separar ideias que complementam a oração principal, ponto-e-vírgula para incluir ideias divergentes ou paralelas, ponto para indicar que completei o enunciado e ponto-final para encerrar o assunto.
Ao afirmar que o ponto-e-vírgula (;) é “sinal de pontuação que indica pausa mais forte que a da vírgula e menos que a do ponto”, o dicionarista obrigaria o gago a colocar ponto-e-vírgula a cada ‘pausa gaguejada’, além de uma procissão de vírgulas, para as pausas ‘menos fortes’. O especialista deixa outro desafio: mensurar as pausas (“mais forte que a da vírgula e menos que a do ponto”). Imagino que as pausas possam ser breves ou longas. Como seriam pausas fracas ou fortes?
Mais preocupantes ainda são as afirmações que a vírgula é uma “ligeira pausa para respirar”. Provavelmente, esses autores sejam biólogos preocupados com nossa fisiologia respiratória.
RETICÊNCIAS
As reticências, além das funções técnico-linguísticas, podem ser usadas como recurso estilístico. Vai depender se as reticências são dúvidas da palavra… ou indecisões das ideias …
No caso, estou indicando ceticismo, dissimulação, hesitação, indeterminação da palavra… ou a omissão de algo que deixo de escrever para que o leitor continue … a frase por conta dele. Ou seja, deixo o leitor decidir como continua a ideia.
Também uso reticências para indicar uma ‘pausa emocional’ (aposiopese) ou uma insinuação.
Nesses trechos de Suçurê, aparecem reticências em:
“— Vejo que a aliança ainda está no dedo… Logo … para o povo daqui, a situação continua na mesma: só mistério.” (P. 485)
“— Mesmo assim, o Icobé vai ficar sozinho e não sabe lidar com o gado; a gente vai deixar tudo organizado, pra ele apenas atender alguma eventualidade. Por falar nisso, seria bom se você, Icobé, pudesse dar seu passeio de reconhecimento agora pela manhã porque cismo de saber que você saia por aí sozinho… Pode lhe acontecer algo e … – opinou Genuíno.
— Boa ideia! Vou encilhar o Zaino e dar uma volta pela invernada. Mas não demoro… – concordou Icobé.” (P. 504)
“— Tem que ver… – ponderou o capataz. Eu devo me afastar por uns dias… O João não pode ficar solito por muito tempo…
— Si desse … fais tempo qui num falo c´a mana Maria Rosa … – choramingou o Silvino.” (P. 505)
“— Não sou eu que procuro antes de ser chamado. São eles que me perturbam com vozes estranhas…
— Estranhas, porém bem audíveis, claras, pois indicam quem é e o local exato em que estão …” (P. 605)
O USO DA VÍRGULA ANTES DO PRONOME RELATIVO ‘QUE’
1. Os senadores que foram eleitos no último dia 15 tomarão posse hoje.
2. É difícil encontrar os gatos que fogem de casa durante a noite.
3. O povo cobra dos senadores, que foram eleitos democraticamente, a responsabilidade política.
4. Os gatos, que são venerados desde o tempo dos faraós, preferem viver livres, sem coleiras.
Nas duas primeiras frases, o pronome ‘que’ indica a delimitação dos sujeitos, através de oração subordinada restritiva, com função de adjunto adnominal da palavra antecedente, indispensável para expressar o sentido pretendido. Sem vírgula; ligadas diretamente aos sujeitos das orações.
1a. Apenas os senadores que foram eleitos no último dia 15 tomarão posse hoje.
2a. É difícil encontrar apenas os gatos que fogem de casa durante a noite.
Nas duas últimas, o pronome relativo ‘que’ é usado para iniciar uma explicação (oração subordinada adjetiva explicativa); oração opcional que acrescenta uma informação complementar, com características dos sujeitos, que continuam os mesmos. Deve ser escrita ‘entre vírgulas’.
3a. O povo cobra dos senadores[, os quais foram eleitos democraticamente,] a responsabilidade política.
3b. O povo cobra dos senadores a responsabilidade política.
4a. Os gatos[, os quais são venerados desde o tempo dos faraós,] preferem viver livres, sem coleiras.
4b. Os gatos preferem viver livres, sem coleiras.
USO DE LETRAS MAIÚSCULAS
Escrevo siglas em letras maiúsculas. Uso letras maiúsculas para iniciar nomes próprios; tecnicamente, substantivos próprios. Escrevo Antônio (nome da pessoa) e os antônios (todas as pessoas de nome Antônio); o Brasil e os vários brasis; o Estado (substituto de substantivo próprio) e os estados (substantivo usado para designar nações em comum).
Uma palavra composta é um vocábulo resultante da junção de duas ou mais palavras. Se uma palavra composta exercer a função de substantivo próprio, deverá ser grafada com letra inicial maiúscula: Serra-abaixo, Serra-acima, Baia-norte, Baia-sul, …
EXEMPLOS DE USO DE HÍFEN
Abelha-sem-ferrão é palavra composta (substantivo) que nomeia abelhas com uma característica específica: uma espécie de abelha. E abelha sem ferrão é locução substantiva usada para designar a abelha que perdeu o ferrão.
Se for nome da espécie, deve ser escrito ‘uruçu-amarela’. Se determinada espécie de uruçu tiver indivíduos uns pretos e outros amarelos, haverá abelhas uruçu pretas e abelhas uruçu amarelas. Mirim-guaçu preta e mirim-guaçu amarela; manduri preta e manduri amarela; porque as espécies são denominadas mirim-guaçu e manduri, respectivamente.
É questionável que os meliponíneos não possuam ferrões; todavia, com certeza, não ferroam. Logo, a locução deveria ser: abelha que não ferroa. Abelha-sem-ferrão ou abelha-da-terra: espécie de abelhas dos gêneros melípona, trigona, … Uma abelha do gênero Apis que deixou o ferrão em alguém será uma abelha sem ferrão. Se os chifres de um boi forem decepados, teremos um boi sem chifres. Os que já nascem mochos serão bois-sem-chifres.
Batata-doce é uma espécie vegetal; batata doce pode ser uma batata adoçada. Boca-de-leão: uma flor; boca de leão: a abertura inicial do tubo digestivo do ‘rei dos animais’. Copo-de-leite nomeia uma flor e ‘copo de leite’ é uma porção de leite que pode estar num copo ou em outra vasilha; a expressão se refere à quantidade do alimento. Ponto-e-vírgula nomeia um sinal de pontuação; ponto e vírgula são dois sinais de pontuação.
Mesmo depois da última Reforma Ortográfica, as palavras compostas que designam espécies animais ou vegetais continuam sendo grafadas com hífen: bem-te-vi, copo-de-leite, boca-de-renda, porco-bravo, porco-do-mato, aroeira-folha-de-salso, uruçu-boi, formiga-açucareira, formiga-cabeça-de-vidro, …
SEO OU SEU
A palavra ‘seu’ é pronome possessivo.
Eu uso ‘seo’ para traduzir a pronúncia caipira de ‘senhor’. A fala coloquial abrevia as palavras, ‘comendo letras’, economizando tempo e voz, através de síncopes, pronunciando apenas as ‘essências’ da palavra. Maior / mor, senhor / seo, está / tá, estive / tive, embora / em boa hora, … Logo, ‘seo’ – síncope da palavra senhor – é pronome de tratamento. Da mesma forma, ao transcrever falas, uso sinhá ou siá, para designar senhora. Quem escreve ‘seu’ José, deveria, também, escrever ‘sua’ Maria em vez de escrever ‘dona’ Maria.
ETCÉTERA
Et cetera, do Latim, significa “e outras coisas, e assim por diante, …”
A abreviatura (etc.) já vem precedida do conetivo ‘e’ (et). Logo, não uso vírgula antes de ‘etc’. Aliás, uso reticências ao invés de usar etcétera. Deixo o ‘et cetera’ para os romanos. Sou de época mais recente.
ASPAS
Uso aspas duplas para indicar trecho de outro autor ou de outro texto meu. Para destacar palavras ou expressões, uso aspas simples, caracteres em tipo itálico ou palavras em caixa-alta.
ANOTAÇÕES GRAMATICAIS
ANOTAÇÕES GRAMATICAIS PARA USO PESSOAL
do Mario Tessari
Os especialistas em gramática assumem o papel de policiais e avocam para si o direito de disciplinarem as escritas dos usuários da Língua Portuguesa. Para sorte dos falantes, falta tempo para que eles policiem também a prosódia, a ortoépia e a ortofonia.
Os gramáticos, na sua maioria, categorizam todos os sinais impressos como ‘ortográficos’. Sabemos que a Ortografia disciplina a grafia correta das palavras, conforme um conjunto de regras estabelecidas pela gramática normativa; o hífen une elementos de palavras compostas e os sinais diacríticos (cedilha e acentos) e os pontos colocados sobre as letras ‘i’ e ‘j’ são sinais gráficos usados para indicar valores fonéticos específicos para determinadas letras.
No entanto, os sinais ‘de pontuação’ (vírgula, ponto, dois-pontos, ponto-e-vírgula, reticências, parênteses, travessão e aspas), criados para facilitar a leitura e o entendimento das ideias, são ferramentas da Análise Sintática, estudo das funções das palavras e das orações em uma frase.
A Ortografia estabelece regras ‘oficiais’ de como as palavras devem ser escritas, diferenciando ‘escritas populares’ de ‘escritas eruditas’. E não, regras de sintaxe ou o estilo literário correto.
Os professores de gramática são formados pelas academias científicas com a responsabilidade de professar a ‘pureza gramatical’ e as academias literárias escolhem seus membros dentre os que obedecem a padrões científicos, como a ortografia e o formato dos textos (prosa, poema, conto, novela, romance).
A ciência linguística analisa a funcionalidade da linguagem falada e/ou escrita, a evolução e a diversificação dos sistemas de representação do pensamento humano.
A PONTUAÇÃO NA PRÁTICA LITERÁRIA
Posso usar dois-pontos (:), ponto-e-vírgula (;) ou ponto e vírgula (. e ,). Mais provavelmente, usarei vírgula e ponto (, e .), nessa sequência. Nas frases, uso vírgula para separar ideias que complementam a oração principal, ponto-e-vírgula para incluir ideias divergentes ou paralelas, ponto para indicar que completei o enunciado e ponto-final para encerrar o assunto.
Ao afirmar que o ponto-e-vírgula (;) é “sinal de pontuação que indica pausa mais forte que a da vírgula e menos que a do ponto”, o dicionarista obrigaria o gago a colocar ponto-e-vírgula a cada ‘pausa gaguejada’, além de uma procissão de vírgulas, para as pausas ‘menos fortes’. O especialista deixa outra complicação: mensurar as pausas “mais forte que a da vírgula e menos que a do ponto”. Imagino que as pausas possam ser breves ou longas. Como seriam as pausas fracas ou fortes?
Mais preocupantes ainda são as afirmações que a vírgula é uma “ligeira pausa para respirar”. Provavelmente, esse autor seja um biólogo preocupado com nossa fisiologia respiratória.
RETICÊNCIAS
As reticências, além das funções técnico-linguísticas, podem ser usadas como recurso estilístico. Vai depender se as reticências são dúvidas da palavra… ou indecisões das ideias …
No caso, estou indicando indeterminação, hesitação, dissimulação, dúvida da palavra… ou a omissão de algo que deixo de escrever para que o leitor continue … a frase por conta dele. Também uso reticências para indicar uma ‘pausa emocional’ (aposiopese) ou uma insinuação.
Em Suçurê, aparecem reticências em:
“— Vejo que a aliança ainda está no dedo… Logo … para o povo daqui, a situação continua na mesma: só mistério.”
“— Mesmo assim, o Icobé vai ficar sozinho e não sabe lidar com o gado; a gente vai deixar tudo organizado, pra ele apenas atender alguma eventualidade. Por falar nisso, seria bom se você, Icobé, pudesse dar seu passeio de reconhecimento agora pela manhã porque cismo de saber que você saia por aí sozinho… Pode lhe acontecer algo e … – opinou Genuíno.
— Boa ideia! Vou encilhar o Zaino e dar uma volta pela invernada. Mas não demoro… – concordou Icobé.”
“— Tem que ver… – ponderou o capataz. Eu devo me afastar por uns dias… O João não pode ficar solito por muito tempo…
— Si desse … fais tempo qui num falo c´a mana Maria Rosa… – choramingou o Silvino.”
“— Não sou eu que procuro antes de ser chamado. São eles que me perturbam com vozes estranhas…
— Estranhas, porém bem audíveis, claras, pois indicam quem é e o local exato em que estão …”
O USO DA VÍRGULA ANTES DO PRONOME RELATIVO ‘QUE’
- Os senadores que foram eleitos no último dia 15 tomarão posse no dia …
- É difícil encontrar os gatos que fogem de casa durante a noite.
- O povo cobra dos senadores, que foram eleitos democraticamente, a responsabilidade…
- Os gatos, que são venerados desde o tempo dos faraós, preferem viver livres, sem coleiras.
Nas duas primeiras frases, o pronome ‘que’ indica a delimitação dos sujeitos, através de oração subordinada restritiva, com função de adjunto adnominal da palavra antecedente, indispensável para expressar o sentido pretendido. Sem vírgula.
1a. Apenas os senadores que foram eleitos no último dia 15 tomarão posse no dia …
2a. É difícil encontrar apenas os gatos que fogem de casa durante a noite.
Nas duas últimas, o pronome relativo ‘que’ é usado para iniciar uma explicação (oração subordinada adjetiva explicativa); oração opcional que acrescenta uma informação complementar, que pode ser retirada sem prejuízo de entendimento; escrita ‘entre vírgulas’.
3a O povo cobra dos senadores[, os quais foram eleitos democraticamente,] a responsabilidade…
3b O povo cobra dos senadores a responsabilidade…
4a Os gatos[, os quais são venerados desde o tempo dos faraós,] preferem viver livres, sem coleiras.
4b – Os gatos preferem viver livres, sem coleiras.
USO DE LETRAS MAIÚSCULAS
Escrevo siglas em letras maiúsculas. Uso letra maiúsculas para iniciar nomes próprios, tecnicamente, substantivos próprios. Uma palavra composta é uma palavra composta e não duas palavras ‘amarradas’. Se uma palavra composta exercer a função de substantivo próprio, deverá ser grafada com letra inicial maiúscula: Serra-abaixo, Serra-acima, Baia-norte, Baia-sul, …
EXEMPLOS DE USO DE HÍFEN
Abelha-sem-ferrão é palavra composta (substantivo) que nomeia abelhas com uma característica específica: uma espécie de abelha. E abelha sem ferrão é locução substantiva usada no caso do animal ter perdido a ‘arma’.
Se for nome da espécie, deve ser escrito ‘uruçu-amarela’. Se determinada espécie de uruçu tiver indivíduos uns pretos e outros amarelos, haverá abelhas uruçu pretas e abelhas uruçu amarelas. Mirim-guaçu preta e mirim-guaçu amarela; manduri preta e manduri amarela; porque as espécies são denominadas mirim-guaçu e manduri, respectivamente.
É questionável que os meliponíneos não possuam ferrões; mas, com certeza, não ferroam. Logo, a locução deveria ser: abelha que não ferroa. Abelha-sem-ferrão ou abelha-da-terra = espécie de abelhas dos gêneros melípona, trigona, … Uma abelha do gênero Apis que deixou o ferrão em alguém será uma abelha sem ferrão. Se os chifres de um boi forem decepados, teremos um boi sem chifres. Os que já nascem mochos serão bois-sem-chifres.
Batata-doce é uma espécie vegetal; batata doce pode ser uma batata adoçada. Boca-de-leão: uma flor; boca de leão: a abertura inicial do tubo digestivo do ‘rei dos animais’. Copo-de-leite nomeia uma flor e ‘copo de leite’ é uma porção de leite que pode estar num copo ou em outra vasilha; a expressão se refere à quantidade do alimento. Ponto-e-vírgula nomeia um sinal de pontuação; ponto e vírgula são dois sinais de pontuação.
Mesmo depois da última Reforma Ortográfica, as palavras compostas que designam espécies animais ou vegetais continuarão sendo grafadas com hífen: bem-te-vi, copo-de-leite, boca-de-renda, porco-bravo, porco-do-mato, aroeira-folha-de-salso, uruçu-boi, formiga-açucareira, formiga-cabeça-de-vidro, …
SEO OU SEU
A palavra ‘seu’ é pronome possessivo.
Eu uso ‘seo’ para traduzir a pronúncia caipira de ‘senhor’. A fala coloquial abrevia as palavras, ‘comendo letras’, economizando tempo e voz, através de síncopes, pronunciando apenas as ‘essências’ da palavra. Maior / mor, senhor / seo, está / tá, estive / tive, … Logo, ‘seo’ é pronome de tratamento. Da mesma forma, uso Sinhá ou Siá, para designar senhora.
ETCÉTERA
Et cetera, do Latim = e outras coisas, e assim por diante, …
A abreviatura (etc.) já vem precedida do conetivo ‘e’ (et). Logo, não uso vírgula antes de ‘etc.’ Aliás, uso reticências ao invés de usar etcétera. Deixo o ‘et cetera’ para os romanos. Sou de época mais recente.