ESCOLAS DE ENSINAR E APRENDIZAGENS PRAGMÁTICAS

As escolas de ensinar colocam muros ao redor dos prédios para proteger a verdade acadêmica e a ‘sabedoria consagrada’, do ‘perigo’ de serem entendidas e depreciadas por leigos. Essas escolas e os profissionais que nelas trabalham dependem de leis, de instituições organizadoras e de vigilantes que mantenham e que defendam o ‘ensino tradicional’.

Segundo o Dicionário Houaiss, tradição pode significar “ato ou efeito de transmitir ou entregar; transferência; herança cultural, legado de crenças …; conjunto de valores morais […] transmitidos de geração em geração; em certas religiões, conjunto de doutrinas essenciais ou dogmas […] aceitos por sua ortodoxia e autoridade […] na interpretação (dos fatos)”.

As escolas tradicionais exigem disciplina, frequência e notas mínimas nas provas e nas arguições. Como recompensa pelo sacrifício dos alunos, oferece ajudas financeiras, oportunidades de emprego e diplomas com promessas de maiores salários. Nesse sistema, quem obedecer e seguir estritamente as regras institucionais será considerado bom aluno, mesmo que as teorias acadêmicas possam ser aplicadas apenas em processos escolares e em classificações de intelectualidade.

As turmas do ‘ensino oficial’ são diminutas para proporcionar mais cargos de magistério. Uma turma de vinte energias será menos fecunda do que uma turma de quarenta energias. Porém, mais difícil de convencer e de dominar. Há ensinantes demais, muitos deles, descolados das realidades dos alunos e da comunidade. Nos concursos do magistério, os candidatos buscam boa remuneração e estabilidade funcional, com raríssimas exceções de vocação educadora altruísta.

Organizar o saber e a aprendizagem sobressai como virtude rara dentro e fora das paredes escolares. Sentimos prazer ao aprender; sorrimos de alegria a cada pequena aprendizagem. Podemos aprender sozinhos; na troca de experiências e de ideias, aprendemos mais, com maior rapidez e melhor qualidade. Os aprendizes buscam oportunidades de satisfazer as curiosidades e de resolver os problemas, naturais ou por eles mesmos propostos. Desnecessário cercar e exigir que estudem; estudam sem esforços e estimulam quem com eles convive a desenvolverem atitudes e habilidades.

Aprender resulta em maior e melhor contentamento do que o que sentimos ao sermos ensinados. Ao aprender, resolvemos problemas, satisfazemos necessidades e realizamos nossas potencialidades.

CURSO SALUTAR (para nossa saúde)

   Dor no braço? Qual deles? Importa saber qual braço? O nome da doença? Quando começa doer? Quando alivia? Por que?
Isso é um problema? Quem resolve esse problema? O médico? Os medicamentos? Anestesiar a dor ou descobrir e evitar a causa?
Como era aos vinte anos? Como começou? Qual a tendência? Como prevenir? Ou é melhor esperar o braço cair? O que fazer? Cirurgia? Consumir enganadores das doenças? Ou mudar as atitudes? Reconhecer o envelhecimento e os limites físicos e orgânicos? O que o corpo nos fala? Melhor calar as reclamações do corpo ou tomar consciência dos desgastes pelo excesso de trabalho, pelo estresse?
Quem nos aposenta? O Governo, as empresas ou nós é que devemos saber o momento de reduzir a carga, de fazer diferente, de fazer menos, nos aposentar aos poucos e, depois definitivamente? Vamos planejar a aposentadoria ou aguardamos os ‘prazos legais’? Depois de aposentados vamos viver nos aposentos ou vamos manter o corpo e a mente ativos?
Posso fazer sem ajuda ou vou pedir e contar com ajuda? Continuo ‘sabendo tudo’ ou será mais produtivo dialogar, ouvir pessoas? Ideias coletivas, trabalho em equipe? Heroísmo individual ou trabalho feito por muitas mãos, com humildade e vontade de cooperar?

O PREÇO DOS MORTOS

Como nossos antepassados se sentiam diante da morte e diante do corpo morto de um familiar? Como nos sentimos diante da morte de um amigo? O mesmo que sentimos na morte de um inimigo? Se uma pessoa morrer dentro de nossa casa, deixaremos o corpo ali até só sobrarem os ossos? As doenças que matam continuam ativas nos cadáveres? Há vida após a morte? Acreditamos em reencarnação? No mesmo corpo ou em outro corpo? Ou a alma vai pro céu e fica esperando que o corpo consiga subir pra lá também?

Sou um perguntador quase incansável… Respostas, explicações? Imagino algumas, registro poucas, … Tenho ideias sobre a morte: minha, da Elisa, de outras pessoas importantes para mim, de pessoas com quem mantenho parcerias, de vizinhos, de desconhecidos e de lixos humanos. Vivi algumas experiências de morte na família, de pessoa ao meu lado, de jovens muito jovens pra morrer, de pessoas que prolongam a morte e de outros que antecipam o fim das decepções e dos sofrimentos. Penso muito e tento racionalizar, aceitar que todos morrem. Mesmo assim, sei que essas preparações podem ser insuficientes para suportar a ‘hora derradeira’.

Assisti cenas chocantes de animais ‘irracionais’ diante da morte de um indivíduo do grupo: as reações do grupo às demonstrações de sofrimento do enfermo, do acidentado, do moribundo; a perplexidade e o estranhamento diante da paralisia de um seu semelhante. Será que eles pensam que o outro está morto? Será que eles guardam na memória esses momentos trágicos? Vi animais com medo de morrer e li análises sobre situações registradas. Por observação, sei que os animais têm intuição muito atuante diante de eventos climáticos e de catástrofes. Parece que eles sabem com antecedência quando haverá um terremoto, uma enxurrada, uma avalanche. O que sente uma ave ao presenciar a morte de outra? Alguma espécie de animal ‘irracional’ passa uma noite observando se seu semelhante morreu de fato?

Durante o Século XX, eram construídas casas com salas grandes o suficiente para caber o velório dos familiares, com espaço para caixão, cruz, castiçais, cadeiras e mesa com alimentos para os que ainda não morreram. Ironicamente, durante os anos sem morte na família, a sala do velório era usada como ‘sala de televisão’. Quando, eventualmente, morria um dos residentes, a televisão era retirada para entrar outra morte: o defunto. A televisão mata os diálogos entre os familiares e induz a morte do pensamento crítico.

Outra tradição era velar a pessoa por, pelo menos, vinte e quatro horas. Diziam que era para ‘observar se a pessoa estava morta, mesmo’, ou seja, ela poderia estar numa crise cataléptica. Preocupação baseada em relatos de exumações em que ‘o corpo estava fora de posição’, porque ‘tinha se revirado depois do enterro’.

Lembrando que as flores e as velas são usadas nos ‘guardamentos’ para disfarçar o cheiro do cadáver; catinga natural do ex-vivente e/ou, logo a seguir, indicativo do início de decomposição.

Além dessas crenças e heranças culturais, havia a hipocrisia regada a cachaça e a café. Com a morte, todos ‘se tornavam bons’. Pessoas que ignoravam ou até odiavam quem morreu compareciam ao velório e participavam do enterro. Os primeiros, na ilusão de recuperar os momentos que ‘perderam’ de conviver; os segundos, para terem certeza que o desafeto estava morto, mesmo. Enquanto vivos, temos algum poder, que pode delimitar o poder de outrem. A morte distribui poderes para amigos e para inimigos. Nos jogos de poder, os vazios são ocupados pelos que ainda não morreram. E, quando morrerem, também deixarão vazios.

Em alguns países, em algumas etnias e, em especial, em algumas classes sociais, os cadáveres são mantidos por dias em espaço público para dar tempo de ‘receberem todas as homenagens’. Atitudes similares a participar dos funerais para recuperar o tempo perdido ou o ‘amor’ de quem  morreu. Porque não homenagearam o defunto em vida? Para não dar a ele mais poderes; homenagens pressupõem prestígio, valor social. Podemos elogiar, enaltecer e glorificar os mortos, sem risco de cedermos poder e de ficarmos menos poderosos que eles.

Acredito que, já há milhares de anos, os animais (incluindo o sapiens insapiens) se afastavam dos cadáveres porque percebiam que as doenças poderiam ser transmitidas, mesmo após a morte; ou seja, bacilos, bactérias e vírus continuavam atacando. Mesmo o chorume e as ossadas podiam transmitir doenças infecciosas. Em algumas regiões, havia cemitérios separados (especiais) para leprosos. Talvez, também para outras doenças epidêmicas. A cremação resolve esse e outros problemas.

Em todas as épocas e em todos os continentes, alguns povos enterravam e outros cremavam seus mortos. Talvez, os povos nômades abandonassem os cadáveres e as possíveis doenças latentes; e evitassem, também, o trabalho de enterrar ou de cremar seus mortos. Os mais pobres, até hoje, recebem apenas ‘sete palmos de terra’ sobre o caixão.

Enterrar ou cremar tem custos financeiros: o preço dos caixões, dos túmulos, das lápides de mármore e das capelas. Muitas pessoas reservam dinheiro para a compra do terreno e para a construção do sepulcro ou elas mesmas constroem o jazigo em que querem que depositem o corpo delas; de simples sepulcros a mausoléus imponentes, como as pirâmides. Em alguns casos, os monumentos fúnebres superam as residências em valor e em investimentos; essas pessoas gastam mais com a morte do que para bem viver.

Em geral, os familiares cuidam dos túmulos, capelas e mausoléus. Durante minha juventude, sob o comando da Nonna Luiza, lavei muita cruz e muito mármore. A água era levada sobre carroça puxada por bois, dentro de tambores de ferro; precisava economizar… Também, para ‘economizar, a família comprava ou confeccionava coroas de arame e lata. Assim, no mês de setembro, as coroas eram retiradas do cemitério, passavam por limpeza geral e pelas reformas necessárias, recebiam nova demão de tinta a óleo e voltavam para o cemitério na segunda quinzena de outubro. As cercas também eram consertadas e pintadas.

Mesmo assim, os ossos dos que-já-se-foram não descansavam em paz. Nos primeiros dias após o sepultamento, os tatus-rabo-mole removiam a terra e devoravam os ‘restos mortais’. As formigas saúvas atacavam em qualquer época, formando grandes depósitos de terra vermelha entre os túmulos. Esses animais também espalhavam doenças.

Durante a pandemia de COVID, foram proibidos os velórios e, na sequência, foram promulgadas leis que regulamentam as cerimônias fúnebres, sem ‘guardamentos noturnos’. Assim, são evitados muitos desgastes inúteis e reduzida a transmissão de doenças.

IRMÃOS NÃO-IRMÃOS

Sile soltava gritos de alegria e agitava os braços em direção ao pequeno pássaro de papel colorido que balançava pendurado por um fio. Com a mão direita, segurava um coelhinho de vinil verde claro com tons de branco nas covas das orelhas. De quando em quando, aquietava e, segurando o brinquedo com as duas mãos, mordiscava as orelhas de plástico para coçar as gengivas em que os primeiros dentes forçavam saída.

O berço ainda era seu mundo. Passava as horas se entretendo com tudo que se movesse ao alcance de seu olhar. Depois, na escuridão do sono, revia as cores dos brinquedos, as paredes, as frestas de céu e as árvores próximas da janela.

Porém, mais que as imagens, os sons despertavam nela viva curiosidade: vozes conhecidas, como as da mãe e do pai, barulhos que se repetiam diariamente e o gorjeio dos pássaros no quintal. Sentia prazer ao ouvir as cantigas de ninar e até fechava os olhos para escutar melhor.

Pela manhã, quase todos os dias, algumas vozes diferentes entravam pela janela, vindos sempre da mesma direção; menos harmoniosas e muito mais vibrantes que os gorjeios dos pássaros, quase uma gritaria. Um cantar individual, que, às vezes, recebia a companhia de outros cantares, os quais poderiam chegar a uma cantoria com muitos timbres simultâneos e desorganizados. Ouvia essas cantorias pela manhã, algumas durante a tarde e nenhuma durante a noite. Tinha ouvido também vozes semelhantes, porém, muito mais agudas e aceleradas, como se fossem alertas ou pedidos de socorro.

Ao ouvir esses cantares, ficava em silêncio, só escutando, procurando entender.

Do berço, Sile contemplava as paredes, as janelas e as portas sem poder de ir até elas. No entanto, quando conseguiu se manter sentada sem apoiar as costas, foi posta sobre uma manta estendida no assoalho. Então, sem as grades do berço, Sile viu espaços abertos. Aos poucos, começou a explorar a área: se espichou para alcançar um brinquedo que caíra para além do alcance do braço, deitou de bruços, apoiou as mãos no chão, arrastou as pernas, … por enfim, engatinhou.

Sile ampliava o mundo dela. Porém, as paisagens continuavam menores que seus interesses e o canto dos pássaros continuavam vindo de um lugar que não via. Sile se sentia atraída pelas cantorias; principalmente, por aquelas mais fortes, vindas sempre da mesma direção.

No dia em que foi levada no colo a passear pelo quintal, ouviu de perto uma melodia e conseguiu ver quem cantava: era bem parecido com o passarinho dependurado sobre o berço, mas… movia as asas e o bico.

Foram adiante e ela conheceu as galinhas. Soube que eram galinhas porque disseram que eram galinhas. Eram passarinhos muito grandes, que pareciam assustados com a presença dela. Naquele momento, Sile se apaixonou pelas galinhas.

Passaram-se os meses e Sile começou a andar com as próprias pernas. Primeiro, só até a cerca colocada na porta para impedir que ela fugisse para o quintal; depois, quando já conseguia equilibrar o corpo e andar sobre as irregularidades do pátio, até correu na vã ilusão de que poderia pegar os passarinhos.

Sile cresceu e, com liberdade para explorar o quintal, ia até a tela que prendia as galinhas e ficava falando com elas. No início, elas ficavam assustadas e respondiam com gritos muito diferentes dos gritos das pessoas. (Sile nem percebia que ela também só falava repetições de dizeres incompletos…)  Esse passou a ser seu divertimento preferido: a casa das galinhas.

Num final de tarde, foi com a mãe recolher os ovos que estavam nos ninhos e lembrou que, na cozinha, havia muitos ovos semelhantes e quis saber se todos tinham sido levados dali. Daquele dia em diante, galinhas e ovos passaram a ter uma relação entre si.

Quando já corria com desenvoltura, pulava e até subia nas árvores, Sile cismou com uma galinha que passava o dia todo no ninho e, ao invés de cantar, parecia que chorava. Perguntou ao pai, que lhe disse que ela estava choca. O que seria estar choca? Por que ela chorava?

Parecia ser acontecimento muito importante, porque os pais prepararam com esmero um ninho dentro de uma gaiola, com palhas bem limpas e muitos ovos. Além de visitar várias vezes ao dia o cercado e a casa das galinhas, Sile passou a espiar por uma fresta a galinha choca, sempre muito silenciosa e compenetrada.

Passadas três semanas (Sile aprendera a contar os sábados que passavam…), ela encontrou a choca muito agitada, conversando uma conversa muito estranha e enfiando a cabeça pelo meio das penas, como quem mexe com algo dentro de uma gaveta.

Correu contar aos pais o que vira. Eles disseram que os pintinhos estavam nascendo. Pintinhos? Nunca tinha ouvido essa palavra… O que seriam pintinhos? Naquele dia, Sile soube e foi difícil exigir que se afastasse de perto deles; teve dificuldades para almoçar, para tomar banho e, principalmente, para dormir. Viveu dias de agitação.

Quando conseguiu aquietar, viu que os pintinhos eram muito diferentes uns dos outros; de cores diferentes, alguns eram menores, outros maiores, alguns mais quietos, outros muito agitados, um deles, muito curioso.

Foram dias acompanhando a nova família, os pequenos correndo pela gaiola, aprendendo a comer e, depois, correndo para debaixo da choca, chorando de frio. A choca falava com os filhos e eles pareciam entender. Sile se esforçava para compreender…

Os pintinhos cresceram bem rápido, as penugens foram cobertas por penas mais firmes e as cores foram diferenciando ainda mais um do outro. Sile olhava sem entender: só um se parecia com a mãe, que era preta. Tinha pinto branco, pinto carijó, pinto vermelho, pinto amarelo, pinto de duas cores, pinto de três cores, … Tinha até um sem penas no pescoço e um sem rabo, que o pai chamava de Suro, porque ele não tinha penas grandes no lugar do rabo. Ah! Um deles tinha penas até os pés. “Deveriam ser todos da cor da mãe”, pensava Sile. Perguntou ao pai e perguntou à mãe e eles disseram que era assim mesmo. Não podia ser; deveria haver uma explicação…

Passados seis meses, nenhum deles se parecia com o pintinho do primeiro dia; foram mudando de penas, de tamanho e até de comportamento. Uns ficaram grandões e briguentos; o pai disse que esses eram galos.

Bem mais devagar que os pintinhos, Sile também foi crescendo e, de certa forma, trocando de cor, pois sempre ganhava roupas novas de outras cores e de outros tipos. Começou a frequentar a escola e, depois de se acostumar no meio daquelas crianças, percebeu que elas eram muito diferentes uma da outra, mesmo que o uniforme fosse o mesmo.

Depois do jantar, revelou aos pais a descoberta. Disseram que cada um era parecido com o pai ou com a mãe dele; como não eram irmãos, normal que fossem diferentes. Tudo bem! Os pais deveriam saber mais que ela… Mas… os pintinhos eram irmãos e também eram diferentes um do outro… Os pais sorriram entre si e explicaram: nós escolhemos um ovo de cada galinha que vive no galinheiro e os pintinhos, que hoje já estão bem grandes, ficaram parecidos com a mãe deles. Ué! Então, a choca preta não era a mãe de todos eles?

Sile ficou indecisa e aquietou por uns dias. Observava os galináceos e observava os colegas de escola. Concluiu que não eram irmãos. Todavia, galináceos e crianças se comportavam como se fossem irmãos. Desistiu de interrogar os pais sobre essas grandes dúvidas.

Foi quando ela descobriu que um colega de sala era ‘filho de criação’. Então, pensou muito sobre filhos criados pelos pais e ‘filhos de criação’. Como seria isso? Ficou com vergonha de perguntar para os professores e nem pensava perguntar isso para os pais. Precisava resolver essa questão sem a ajuda de gente grande: uma família poderia ser formada de irmãos e de não-irmãos?

Quanto mais analisava, mais diferenças apareciam. Percebeu que mesmo irmãos poderiam ser bem diferentes entre si.

Você quer ajudar Sile a resolver esses enigmas?

Escrito das 18 às 20 horas do dia 17.04.2023 e reescrito em julho/23.