Iluminando a escuridão …

“O pensamento amplia o mundo da luz; o mundo dominado pelo pensamento é mais amplo que o mundo habitado pelo corpo, seja ele racional ou irracional, consciente ou inconsciente. A alegoria ‘andar no escuro’ nos ajuda a entender nossas viagens mentais por domínios e por ‘terras invisíveis’; viagens pelos espaços concretos e conhecidos ou viagens por espaços virtuais, puras criações da mente.

A escuridão não é o não-é. A escuridão encobre um possível espaço onde pode existir algo. O desconhecido pode existir, porém, a existência dele depende de minha curiosidade; isto é, depende de minha busca por conhecimento, do meu interesse, da minha vontade de aprender. Ignorar é um estado inicial que pode ser rompido pela curiosidade, pela vontade de conhecer, pela intenção de desvendar o desconhecido.

No ar, na atmosfera, sempre existiram ondas de rádio. Elas estavam lá, porém os seres humanos desconheciam a existência delas. Elas permaneciam num espaço obscuro ou completamente escuro do conhecimento humano. À medida que fomos colocando luz sobre essa ‘escuridão’, descobrimos algo que existia, mas faltava dimensionar, identificar e conceituar. Hoje, podemos afirmar o que é uma ‘onda de rádio’. Porém, muito dessa realidade está ainda por conhecer; está ainda num ponto escuro que nossa mente pode iluminar.

Para que isso seja efetivado, precisamos gerar, alimentar e assumir uma curiosidade suficientemente forte para romper a escuridão da ignorância.

A existência do frio vai depender do conceito que eu tenha de frio. Possivelmente, cada um de nós tem uma ideia subjetiva de frio. Nessas condições, o frio será sempre relativamente frio. Porém, eu posso admitir a existência objetiva de um objeto ao qual dou o nome de frio. Então, meu objetivo será identificar a existência concreta, real, de um objeto delimitado, identificado com o conceito de frio.

No entanto, o frio – em si – não existe. A não ser que ele seja conceituado como ‘a ausência de calor’. Logo, o calor existe: é uma forma de energia que pode ser sentida, medida e, até, absorvida. A não ser como ausência – relativa ou absoluta – do outro, o calor. O frio seria o não-é do calor. Nesse caso, eu estaria procurando caracterizar o não-é, aquilo que não existe objetivamente.

A escuridão não é o ‘não-é’; a escuridão é a parte do ‘é’ que não vemos. Ela está ali; apenas não está visível: existe, mas ainda não é conhecida para todos. A ampliação do visível – do ‘é’ – passa pelo exercício mental sobre o ‘possível de ser’, que pode ser ‘realizado’; pode ser tornado realidade.”

In https://livrosdomariotessari.wordpress.com/maria-alfabetizadora/.”

A OVELHA QUE MORDEU O CACHORRO

A OVELHA QUE MORDEU O CACHORRO

A Fófi nasceu ovelha em um ambiente humano. Órfão no parto, foi levada para um sítio em que viviam bois, vacas, galinhas, cachorros e humanos. Dentre essas categorias, coube a ela conviver com os cachorros, com quem foi amarrada e junto dos quais era alimentada, nos mesmos horários e no mesmo local.

Cresceu como cachorro e se identificava com eles, porém nunca brigaram, como é normal cachorros fazerem. Assim, sem dentadas e sem agressões, conviviam como cachorros cordiais, mesmo com a dificuldade de ‘falarem línguas diferentes’: ela balia toda vez que um deles ou todos latiam. Isso, porém, não prejudicou a identificação e a amizade.

À medida que ela ia crescendo, passou a sentir vontade de comer as folhas tenras das plantas do quintal e logo percebeu que os cachorros raramente comiam capim; faziam isso somente quando acometidos de problemas intestinais, como indigestões e ataques de vermes. Aparentemente, os colegas de pátio não condenavam o estranho gosto dela, apenas olhavam para ela com benevolência, considerando que ela fazia isso por ser muito jovem e inexperiente; a ‘mania passaria’ tão logo ela ficasse adulta. E assim foram se acostumando com a extravagância dela e ela ampliava o seu espaço vital, buscando folhas cada vez mais distantes.

Outro aprendizado importante foi acompanhar as pessoas como fazem os cachorros. Assim, saía ao encontro dos ‘familiares’ quando estes retornavam ao lar, deitava aos pés deles durante os períodos em que conversavam com vizinhos e acompanhava as pessoas nos deslocamentos domésticos, na lida com o gado e nos afazeres cotidianos. No entanto, lá dentro dela, vivia um sentimento singular, diferente do dos colegas de pátio, uma mistura de mansidão com saudades do que nunca viveu. Quando ficava inquieta, se achegava a um dos cachorros e, se sentindo ‘aceita’, sossegava.

Como desenvolvia duas personalidades, Fófi foi ficando cada vez mais ‘inteligente’ e aprendia ser ovelha ao mesmo tempo em que aprendia ser cadela: se alimentava e andava como ovelha, mas dormia e defendia a casa como cachorro. Observando o comportamento dos cachorros e a reação dos humanos ao comportamento dos cachorros, aprendeu a ‘avançar em intrusos’, pondo a correr quem entrasse no pátio. Seguia o exemplo dado pelos cachorros e se sentia lisonjeada com a ‘gratidão’ dos ‘donos’, que exaltavam seus feitos com palavras amáveis e doses especiais de ração, incluindo aí alguns ‘agrados’.

Coincidentemente, as crianças – e alguns adultos – sentiam medo real, o que confirmava para a ovelha algum ‘poder agressivo’ e a sua competência para ‘cuidar da casa’. Outro aspecto relevante foi ovelhas terem lã ao redor do corpo; a lã cresce mais que ossos e carnes, dando ao aspecto do animal a impressão de um tamanho ilusório. Ouvia inclusive comentários sobre seu tamanho, como crescia rápido e como era grande e destemida. Por isso, cada vez mais, ‘punha a correr’ todos os elementos que despertavam ódio nos cachorros, como humanos – exceto os da ‘família’ ou os que frequentavam amiúde o sítio – e cachorros ‘estranhos’. Com o devido esclarecimento de que ‘estranho’, nesse caso, era qualquer cachorro invasor do território, podendo ele ser esquisito ou, até mesmo, simpático.

Uma das conquistas de Fófi foi a liberdade de ir e vir, desde que não se afastasse muito da propriedade. A princípio, os colegas cachorros ficaram com um pouco de inveja: presos a suas correntes tinham de suportar os privilégios da colega que, solta, alcançava coisas curiosas, colocadas fora do alcance de suas correntes. As liberdades e a possibilidade de comer a toda hora eram vantagens consideráveis, em relação aos cachorros tradicionais, que permaneciam nas cadeias e eram alimentados em horas incertas.

O que parecia ser motivo de divergência foi interpretado pelos cachorros como uma possibilidade de alcançar os intrusos, pois eles – com seus dentes afiados – estavam presos e Fófi, solta e cheia de vontade de correr, podia – por todos eles – ‘dar uma lição’ aos que ousassem adentrar em seus domínios. Assim, cada vez que eles latiam, ela saia ao encalço dos ‘invasores’, incentivada pelo alarido canino, que aplaudia a coragem e a eficiência da ‘guarda da casa’. Assim, muito vira-lata foi expulso aos atropelos.

Fófi era uma prova viva de que a coragem pode mais que dentes afiados, principalmente quando os outros correm e, impossíveis de alcançar, não podem ser mordidos.

Era. Isto é: foi. Porque, com o passar do tempo, a menina que foi presenteada com ela foi perdendo o interesse; a menina crescia mais que a lã de Fófi. E a sujeira e o mau cheiro também cresciam em Fófi, pois ela deitava nos dejetos caninos e, também, nos dejetos dela. Assim, o pelego ficou imundo e ela foi deportada para um potreiro distante.

Não sendo mais vista, perdeu a importância e os sentimentos ‘familiares’. Passado algum tempo, nem mais era lembrada pelos humanos e passou a ser uma ovelha para os cachorros. Além disso, ela tinha boas carnes e carnes valem dinheiro. Assim, o dono dos cachorros encontrou um interessado nas carnes ovinas; recebeu um dinheiro inesperado e livrou a pastagem de uma boca voraz.

Nota: Fato ocorrido no outro lado da estrada na primeira década do terceiro milênio.

 Em https://livrosdomariotessari.me/wp-content/uploads/2013/12/cronicontos.pdf, página 98.

AS SANGAS DE UM POETA GENUÍNO

O poeta, mais que a sensibilidade para captar a poesia que permeia a vida, precisa de oportunidades e de incentivos para produzir o poema, síntese de suas percepções.

Genuíno Martins é um operário da poesia, divulgando e participando de eventos em homenagem à arte de compor e de declamar versos. Porém, dedicava todo seu tempo na divulgação de poesias alheias que admirava, musicadas ou ainda por musicar.

Entretanto, solicitado a participar da criação poética, começa a mostrar seu estilo, simples e profundo, em poemas genuínos como esse:

 

                  SANGAS

 

São sangas que correm soltas

entre vargedos e serranias;

às vezes calmas, outras revoltas,

ao sabor de chuvas e ventanias.

 

Cada sanga tem um nome:

Sanga da Mata, Sanga da Areia,

Sanga da Bruxa, Sanga do Lobisomem,

Sanga Encantada, Sanga Feia.

 

Tantas sangas ninguém memoriza.

Tem Sanga Grande, Clara, Bravia,

mas a sanga do Mario e da Elisa,

nunca sei se é Grande, Funda ou Fria.

 

                                         Genuíno Martins

MENOS AMIGOS, MAIS AMIZADE

                 MENOS AMIGOS, MAIS AMIZADE

A certeza de que a vida é curta aumenta com a idade.

Até os quatro anos, nem sabemos que pensamos.

Até a adolescência, carecemos de consciência moral.

As primeiras décadas transcorrem sem economia de tempo,

pois parece que seremos eternos.

No entanto, a meia-idade vem nos avisar de que a manhã já se foi

e que a tarde se esvai: o vigor físico cede lugar à debilidade.

Tomamos consciência de que o aclive chegou ao fim

e que a ‘melhor idade’ escorre cachoeira a baixo.

Se na juventude esbanjamos energia e corremos atrás de aventuras,

na maturidade, passamos a escolher com cuidado os encontros e as companhias.

E, à medida que a vida avança, os calendários encolhem,

indicando a necessidade de escolhas cada vez mais criteriosas.

Quando nos resta a velhice, passamos a ser avarentos dos nossos últimos tempos.

Já não perdemos tempo com ilusões;

estamos mais preparados para lidar com as mentiras e com propagandas enganosas.

Preferimos refeições leves e roupas mais confortáveis,

independente da moda e da mídia.

Na velhice, contamos com menos amigos, mas com melhor amizade.

VELHOS DE FUTURO

Vivo no momento atual com um pensamento futuro. Sempre me senti assim, mas não sabia: Jeremy Rifkin me contou isso no livro SOCIEDADE COM CUSTO MARGINAL ZERO.

Tenho essa alegria de saber agora que estou além do capitalismo e do socialismo. Sou avesso ao lucro, mesmo ao lucro social e ao capital político. Dispenso também a remuneração cultural. Sou um dos fundadores da ‘economia do campartilhamento’.

Compartilho meus talentos, minhas habilidades e minhas ideias sem vendê-los como mercadorias. Sou um colaborador; colaboro com minhas obras, sem cobrar, sem esmolar e sem dar esmolas.

Disponibilizo minhas invenções (tecnológicas, literárias ou filosóficas), minhas teorias pedagógicas, meus poemas, meus contos e meus livros como contribuições conscientes e gratuitas; com responsabilidade e sem lucros.

Olá, Jeremy Rifkin! Somos dois velhos de futuro…

A SABEDORIA DO CORPO

A SABEDORIA DO CORPO

O corpo é nosso chão,

nosso universo.

É nele que vivemos

e nele que morremos.

Ele deseja viver bem

para, na hora derradeira,

morrer em paz.

O corpo sabe o que lhe faz bem:

pede água quando está com sede,

pede carícias quando está carente…

E reclama de toda dor…

https://livrosdomariotessari.wordpress.com/poemas-de-mario-tessari-que-eu-gosto-maria-elisa-ghisi/

Capa de CRONICONTOS

O raio de sol carrega em si um arco-íris, que procura uma gota de água para, através dela, se abrir em cores.

De maneira similar, as palavras do escritor podem despertar as ideias que estão encriptadas nas mentes dos leitores.

Ao passar pelo prisma de cada olhar, os pensamentos encontram diferentes experiências de vida que propiciam desvios de sentido, produzindo espectros de novas ideias.

https://livrosdomariotessari.wordpress.com/cronicontos/

Processo de escrita.

Compartilho essas confissões com quem me incentiva e dá exemplo literário.

Estou escrevendo um livro; não no livro. Meus dedos (dígitos) teclam letras e vertem frases na tela. Desta forma, estou sendo um escritor.

No entanto, vez em quando, as ideias represam e tenho de voltar ao texto pretérito para ler o que eu próprio escrevi; as leituras soam como se fossem novidades. E, de fato, assim parecem ser. Nessas condições, sou um leitor de mim mesmo.

Surpreendentemente, encontro, no passado do texto, as revelações do que os personagens serão no futuro e volto a escrever o presente da história, que se desenvolve espontaneamente, entrelaçando vidas e destinos.

Às vezes, me sinto conduzido pelo enredo que brota ao acaso, sem a necessidade de dominar o texto. Deixo que ele me domine e flua naturalmente.

No trecho atual (1928), Maria e Carlos iniciam um romance proibido pelos interesses latifundiários do coronel da Guarda Nacional (que, nessa época, já havia sido extinta…). Na história real, eles acabam casando com outras pessoas e só se reencontram trinta anos depois, após o casamento dos filhos ‘individuais’.

Essa sensação estranha de que os personagens se apresentam no momento que necessito deles e que tudo vai se encaixando com minhas pesquisas históricas assusta um pouco. Mas, me deixo levar e a escritura prossegue.

Mario Tessari

O DIREITO AUTORAL DAS SEMENTES

As palavras e as ideias são de domínio público, sem direitos autorais. O direito autoral é do texto, que pode ser uma leitura ou releitura, escritura ou reescritura. Há textos totalmente inéditos, também, cuja autoria deve ser reconhecida.

As aves e as árvores não estão preocupadas com a ‘maternidade/paternidade’ das sementes; elas apenas contribuem para a continuidade da vida.

Os seres humanos, com suas imbecilidades, é que lutam e brigam por vitrines, palcos, passarelas, aparências e vaidades.

APARÊNCIA DE MULHER

Maria Junior, filha de Maria Só.

De pai nenhum: produção independente.

Pretensamente, de beleza ímpar.

Por onde caminhasse,

ia encantando genros e estrangeiros,

mas passava incólume como um cisne.

A mãe, fascinada, declarou que

a filha estava consagrada a deus;

seria uma intocável.

Construiu uma casa em formato de igreja.

A torre tinha janelas com vitrais coloridos,

que refratavam os raios solares em arcos-íris

e produziam luares multicolores.

Nas noites de lua cheia, Maria Só e Maria Junior

se vestiam inteiramente de branco

e ficavam uma contemplando a outra,

como duas flores que se admiram mutuamente.

Assim, Maria Junior se fez mulher;

mulher só na aparência.

DO LIVRO POESIAS DO MARIO TESSARI QUE EU GOSTO – Maria Elisa Ghisi, 2014