CHORAR, FALAR, ESCREVER, SILENCIAR.

Talvez, eu tenha conversado com minha mãe durante os últimos meses em que estive no útero dela. Talvez. Talvez, minha mãe falasse comigo e, também, meu pai e outros familiares. Talvez, eu tenha sentido o ambiente externo, ouvido vozes, percebido afetos, … Talvez.

Acredito que chorei ao aspirar o primeiro ar. E que continuei chorando até compreender que falavam comigo e reagir com ‘grunhidos’, monossílabos copiados do que eu ouvia. Em seguida, pronunciei os primeiros dissílabos possíveis de interpretar e, depois de meses, aprendi as primeiras palavras.

Durante décadas, desenvolvi a oralidade, a leitura e a escrita, que foram muito úteis para minha sobrevivência, para conquistar autonomia, para escrever textos (e até livros), expondo meus pensamentos, meu modo de estar no mundo.

Continuo revelando minha vida interior, porém, escolhendo as palavras, revelando menos minhas análises, ouvindo as contestações, esperando bastante para interagir, limitando interlocutores e assuntos. Disponibilizo o que falo ou escrevo para quem quiser ouvir ou ler.

Irei silenciando aos poucos … até o silêncio final.

DEUS, UM DELÍRIO … COLETIVO

Eu tenho opinião diferente das opiniões do Richard Dawkins e do Gilvas.
https://mail.google.com/mail/u/0/h/1k1ikw0z3w40a/?&th=16787f1e759d0133&v=c
     Deus existe. Sempre um deus coletivo; nunca ouvi falar em deuses individuais; um deus para si mesmo.

     Existem muitos ‘de eus’; milhares ‘de eus’. Cada vez que algumas dezenas de pessoas se congregam e se concretam numa ‘verdade’, cada vez que algumas dezenas de eus se sentem irresistivelmente atraídos por uma ideia, esse pensamento se torna ‘ideia fixa’ sobre espiritualidade, etnia, identidade de gênero, medo da morte, martírio, futebol, política, penitência, finanças, economia, estrelas, animais, nacionalismo ou liberdade utópica.
     A comunidade adepta constrói um coletivo ‘de eus’ que passa a comandar as subjetividades; pessoas que acreditam em horóscopos, superstições, magias, bruxarias, simpatias, benzeduras, mau-olhado, sucesso, destino, riqueza e compensação celestial.
     Para que uma ideia fixa ou uma crença se torne religião, basta que sejam eleitos guardiões. “Muitos são os chamados; poucos, os escolhidos.” O guardião tem a missão de guardar a verdade que foi divinizada, de proteger os crentes (que, ao acreditarem cegamente, perdem o senso de realidade), de fiscalizar o cumprimento integral das obrigações dos fiéis seguidores e de administrar os tabernáculos que guardam almas e segredos. Daí a existência de confessionários…
     Tudo o que for sagrado deve estar protegido em sacrários. Surgem os templos para abrigar as ‘riquezas espirituais’ e um guardião dos guardiões para organizar a estrutura da igreja; uma hierarquia de guardiões.
     Assim, nascem as religiões: na contínua e cada vez mais intensa convicção da verdade tornada absoluta para pessoas que se prendem indissoluvelmente a um agregado ‘de eus’; pessoas que, guiadas por um salvador, se ligam, se religam e se sustentam em procissão rumo ao paraíso e/ou ao lucro prometidos.
     Pode ser que seja apenas um processo natural, como os processos físico-químicos fundamentais. Quando alguns (ou muitos) elétrons são atraídos irresistivelmente por um núcleo formado por prótons e nêutrons, passam a formar um átomo; quando um ou vários átomos se unem permanentemente uns aos outros, formam moléculas; o aglomerado de moléculas forma matérias, corpos, ligas, artefatos, … reconhecidos internacionalmente.
     Nas Ciências Sociais, as ideias se estruturam em conceitos, teses, sínteses, definições, teorias, doutrinas, … Os cientistas são guardiões das verdades científicas; nesse sentido, os cientistas são os sacerdotes da Ciência.
     “É mais fácil desintegrar um átomo que remover um hábito.” Albert Einstein
     E que diluir uma crença.
     Porém, as instituições (como o dinheiro, por exemplo) só existem enquanto acreditamos nelas.

Notas:

  1. A Bíblia foi a primeira enciclopédia europeia da Humanidade, contendo tudo o que havia sido manuscrito, os textos eruditos, e o que se conseguiu reunir da tradição oral e da sabedoria popular.
  2. De fato, temos imensa dificuldade de assumirmos nossos ceticismos.

Ceticismo, “doutrina segundo a qual o espírito humano não pode atingir nenhuma certeza a respeito da verdade, o que resulta em um procedimento intelectual de dúvida permanente e na abdicação, por inata incapacidade, de uma compreensão metafísica, religiosa ou absoluta do real” Dicionário Houaiss