RESPONSABILIDADE CRÍTICA

Nada lembramos do que vivemos inconscientemente quando bebês. Durante a infância e a adolescência, agimos mais por impulso que por raciocínio lógico. Aos poucos, fomos tomando consciência de nossos acertos e de nossos erros. Passamos a pensar antes de fazer e a acreditar que nossas vivências são construídas por nossas escolhas e não pelo azar ou pela sorte.

À medida que envelhecemos, passamos a pensar mais sobre o cada vez menos que fazemos; substituímos a ingenuidade e a espontaneidade por responsabilidade crítica.

Se analisarmos o que formos fazer ou o que fizemos, poderemos reduzir o volume de decepções e de fracassos, bem como, viver sem tantos sobressaltos e sofrimentos.

CHORAR, FALAR, ESCREVER, SILENCIAR.

Talvez, eu tenha conversado com minha mãe durante os últimos meses em que estive no útero dela. Talvez. Talvez, minha mãe falasse comigo e, também, meu pai e outros familiares. Talvez, eu tenha sentido o ambiente externo, ouvido vozes, percebido afetos, … Talvez.

Acredito que chorei ao aspirar o primeiro ar. E que continuei chorando até compreender que falavam comigo e reagir com ‘grunhidos’, monossílabos copiados do que eu ouvia. Em seguida, pronunciei os primeiros dissílabos possíveis de interpretar e, depois de meses, aprendi as primeiras palavras.

Durante décadas, desenvolvi a oralidade, a leitura e a escrita, que foram muito úteis para minha sobrevivência, para conquistar autonomia, para escrever textos (e até livros), expondo meus pensamentos, meu modo de estar no mundo.

Continuo revelando minha vida interior, porém, escolhendo as palavras, revelando menos minhas análises, ouvindo as contestações, esperando bastante para interagir, limitando interlocutores e assuntos. Disponibilizo o que falo ou escrevo para quem quiser ouvir ou ler.

Irei silenciando aos poucos … até o silêncio final.

CAÇULICE

   Caçula, do vocábulo quimbundo kasule, filho/a ou irmã/o mais novo de uma família. A palavra caçula também é usada, pelos bantos de Angola, “para descrever um jogo entre duas pessoas que usam o pilão para socar o milho, o arroz ou outro grão, batendo alternadamente. Este movimento alternado também é conhecido como sula, que nesse contexto, corresponde a um sinônimo de caçula.” Podemos comparar com a mãe e o pai socando alternadamente os desejos de influenciar a criança.
A formação, as características e os comportamentos de quem é caçula resultam de circunstâncias sociais, principalmente, da influência de familiares através de 'depósitos' psicológicos. Um dos pais ou os dois deposita(m), no último (ou único) filho(a), os desejos reprimidos (segunda ou outra chance de realizar projetos ou planos pessoais frustrados por falta de oportunidade ou de capacidade de realizar algo).
A genética acaba 'levando a culpa' de heranças impostas como missão depositada no bebê, criança ou jovem, como se fosse o planejamento de uma obra material executada com falhas ou não executada. Há influências genéticas, sabemos. Porém, o senso comum (linguagem de rebanho) encobre traços culturais inconvenientes (manias e comportamentos anormais, modo de viver que destoa dos costumes e propicia má conduta; concessão de situação incomum, equivocada ou inadequada) com a pretensa justificativa de que os desvios comportamentais decorrem de determinismos genéticos.
Nesses casos, o excesso de amor e a projeção de expectativas justificariam a bajulação que permite a licenciosidade das ‘pessoas amadas’ (licenciosidade: “abuso de liberdade, desrespeito às normas e às convenções sociais; desregrado, indisciplinado”). Esse distúrbio compensatório de frustrações gera mais frustrações e confusões na família. Receber a missão de realizar o que os depositantes não conseguiram (por dificuldades naturais ou por ser busca utópica) se configura como a pior das heranças; herança cultural e não predisposição genética.
E não precisa ser o último ou a última; basta que seja construída a anomalia social. A ‘síndrome do caçula’ pode ocorrer com o primogênito tardio, com a filha numa irmandade de muitos ‘masculinos’ (ou único filho-homem com muitas irmãs), filhos de qualquer gênero com limitações congênitas ou os cônjuges entre si. Essa relação doentia exacerba em caso de filho ou de filha que se torna órfã ainda criança ou mesmo antes do parto.
Podemos encontrar o exemplo de caçulice plena quando os avós 'precisam' criar os netos porque as crianças ficaram órfãs ou os pais se divorciaram em busca de aventuras sexuais mais prazerosas que as conjugais. (netice, no caso)
As vítimas da Síndrome de Caçula podem aceitar, rejeitar ou reforçar o depósito afetivo. Quanto mais aceitam e reforçam a anomalia dessa relação interpessoal, mais dengosas e dependentes se tornam: quando assumem a caçulice, chantageiam atenções, se frustram por ninharias, permanecem infantis e não desenvolvem autonomia.