O pai-nosso é um texto composto de dez orações sintaticamente coordenadas e subordinadas; muito rezadas e reoradas.
Começa com “Pai-nosso, que estais no céu, santificado seja vosso Nome, …”. Exprime o desejo de que seu Nome seja santo; não ele próprio (deus), apenas o Nome. Muito menos o rezador…
“Pai-nosso, que seja santificado vosso Nome” é oração grávida, pois, traz, dentro de si, a oração subordinada adjetiva explicativa “que estás no céu”, esclarecendo que o orador (aquele que ora) está se dirigindo ao pai divino e não ao pai pecador que mora em casa. Importante ressalva, porque os ‘órfãos de pai’ podem ter dois pais no céu: um divino e um cristão. Isso, se o pai terreno, antes de morrer, se arrependeu dos pecados… Ou, talvez, esteja pedindo ao pai divino que corrija o pai humano nada santo, porque comete muitos pecados.
“Venha a nós o vosso reino e seja feita vossa vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia, nos daí hoje e perdoai nossas ofensas como nós perdoamos a quem nos tem ofendido e não nos deixeis cair em tentação… Mas, livrai-nos do mal.”
Sempre rezo “Livrai-nos do mal” (repito, para mim mesmo e para os outros), a penúltima oração do Pai-nosso (palavra composta; nem pai, nem nosso; apenas o nome próprio da oração) que finaliza com “Amém”, do Hebraico, “assim seja”, declarando a nossa fidelidade e o firme propósito de acreditarmos no que falamos.
Para nós, temorosos humanos (que praticamos o temor a Deus…), reservamos a penúltima oração: “… livrai-nos do mal.” Rogamos que nos livre do mal alheio, parece… Embora (síncope de ‘em boa hora’), possamos sucumbir aos males que causamos a nós mesmos.
O pai-nosso é uma invocação – isso mesmo, uma (in)vocação –, uma não-vocação cristã, que representa a alienação pela fé, a abdicação de assumir a vida real, delegando a um deus as responsabilidades pessoais.
A vocação, ação de chamar de viva voz, apelo, chamamento, pendor, parece insuficiente. Então, os fiéis, conscientes de que não têm vocação, invocam a proteção divina, de deuses que eles mesmos edificam. Se tornam invocados, cismados, desconfiados da própria fé, preocupados, irritados e coléricos, até.
Excelente análise. Destrinchar o texto é algo que aprendi contigo, e gosto de exercitar usando letras de canções, principalmente. Também me encanta conhecer as liberdades que os tradutores tiveram para verter um texto entre idiomas tão distintos quanto português e aramaico (https://hallow.com/pt-br/blog/como-rezar-o-pai-nosso-em-aramaico/#); de cara há o desafio de atravessar abismos culturais impressos no idioma, e no íntimo do tradutor há vieses mil a contaminar as intenções do texto original.
És um grande pensador e questionador.
instiga em seus textos que o leitor desvele o conteúdo escrito.
Observo detalhamento irreverente da oração considerada uma marca forte de súplica, reconhecimento, devoção proclamada por quase todas as doutrinas como reza universal.
interessante que quando recito O PAI NOSSO. REPITO várias vezes parando e respirando o LIVRAI NOS DO MAL, AMÉM!
prática automática até a observância do seu texto.
Gratidão ao acesso a sua produção literária.
Maria Rita,
sou grato a ti, por esses comentários e, principalmente, pela divulgação do que escrevo.
Sou aprendiz: da Vida, de mim mesmo, das pessoas com quem dialogo e dos poetas que me precederam e me inspiram. Como este
https://www.recantodasletras.com.br/poesias-concretas/4194971
Com esforço, analisei o texto religioso, do ponto de vista linguístico, segundo regras de domínio público. Qualquer pessoa poderia ter escrito esse “detalhamento”, sem expor a reverência das pessoas ou as pessoas reverentes.
Talvez, nos dois últimos parágrafos, a análise filosófica possa desagradar a quem repete as palavras sem pensar no que significam ou sem praticar o que rezam. No entanto, eles podem ser retirados, se você julgar necessário.
Agradeço a você e a todas as pessoas com quem você compartilha minhas publicações.