“Aproveitou para falar de Ana Terra, a personagem de um livro, que reclamava eternamente que o destino das mulheres era esperar, esperar, esperar. Esperavam o príncipe encantado, esperavam os filhos nascerem e esperavam o marido que estava nas revoluções ou nos bolichos bebendo com os amigos. Depois, pelos mesmos motivos, esperavam pelos filhos que tinham virado homens. Como a guerra sangrava os heróis, os homens acabavam morrendo cedo e as viúvas passavam o resto de suas vidas esperando a morte.” Pág. 486
Arquivo mensal: setembro 2023
Outro parágrafo de SUÇURÊ.
“Ela apoiava em tudo, desde que pudesse ficar de fora, quieta no canto dela. Detestava a política, pois o partido político sugava as amizades e envelhecia os homens; depois de fracos e desgastados, ninguém cuidava deles na velhice. O partido arrebanhava os homens na fase em que estavam em pleno vigor e em que poderiam dar atenção à família, se fazendo presentes na educação dos filhos e nas visitas a amigos, nas celebrações cristãs e nas dificuldades com doenças. Ela sempre apoiou e continuaria apoiando, contanto que não precisasse participar daquelas ‘reuniões de cobras negaceando um bom bocado’.” Pág. 257
Trecho do livro SUÇURÊ
“— Ele parecia temeroso com alguma situação...
— Você é ainda muito jovem para entender as redes de intrigas políticas... Podemos considerar que, para atender o pedido do deputado, o Coronel teria de se expor para o Juiz de Paz, pedindo favores que poderiam custar caro mais tarde.
— Quanto devo cobrar para ler e para escrever?
— Icobé, o preço das coisas depende mais da necessidade de quem paga do que do esforço despendido. Você pode carregar pedras para quem não precisa e, é claro, não vai te pagar por isso. No entanto, a carreira política do Coronel depende de um bom secretário.
— Mas, eu tenho apenas catorze anos...
— A qualidade do serviço independe da idade. O valor de teu trabalho será proporcional à utilidade dele; será tão importante quanto o problema que ele resolver. Nós nos fazemos profissionais ao resolver problemas. Mesmo sendo um menino, você pode resolver um grande problema do Coronel.
Icobé tomava consciência das responsabilidades da vida adulta e das complexas relações sociais, políticas e econômicas que se estabelecem mesmo que as pessoas não assumam o controle dos eventos. O livre arbítrio será sempre relativo: se a pessoa escolhe uma profissão e se prepara para ela, poderá exercer com maior competência a sua participação comunitária; se não assume as escolhas e não planeja as ações, acaba sendo escolhido e manipulado por outras pessoas e, até, pelas suas próprias necessidades.”
Pág. 62/63
O BATISMO DAS ÁRVORES
Anos depois de ter plantado árvores no Sítio Itaguá, eu desejei colocar placas penduradas em algumas delas; principalmente, naquelas que foram quase extintas pelos ‘civilizados’.
Duas razões moveram minha vontade: instruir os que venham a se interessar pelas árvores que havia na região e manter o patrimônio cultural. (Usando ironia, uma figura de linguagem que colocaria as árvores como riquezas do ‘pai’; um preconceito machista.)
Hoje, decidi registrar literariamente esse desejo. Comecei imaginando um título para o texto; O BATISMO DAS ÁRVORES surgiu poeticamente em minha mente. Talvez, eco das pressões remanescentes na cultura de minha família. Porém, o dicionário indicou a total incoerência da expressão cristã, pois, nenhuma árvore nasce com “pecado original”. Muito menos, necessita de “purificação” dos ‘fiéis’. Aliás, a “salvação” das espécies naturais pode estar na condição de serem ‘profanas’. Mesmo assim, mantive o título como instigação para os leitores e escreverei sobre O NOME DAS ÁRVORES DO SÍTIO ITAGUÁ.
Minha intenção, confesso, é publicar a existência dessas árvores; ou seja, tornar público que elas existem e merecem viver. Nesse sentido, o batismo pode ser cerimônia humana útil para a preservação da floresta. Batismos são cerimônias públicas que superam em muito rituais simples e insignificantes; a imersão do corpo ou o banho da testa servem apenas como simbolismo para os humanos ‘convidados’ como testemunhos do compromisso social. O importante será a ‘crença’ dos padrinhos (dos que foram incluídos como pais também) de que reconhecem e devem defender aqueles que foram batizados.
Plantei árvores, que receberão nomes escritos em placas penduradas nelas, com a esperança de que os convidados cuidem das árvores que plantei e continuem plantando vidas responsáveis.