ARBÍTRIO CONDICIONADO

Livre arbítrio é ilusão; somos seres circunstanciados, influenciados e pressionados por condições externas e por vontades dos outros. Às vezes, somos cobrados por quem desconhece a realidade íntima em que vivemos; de forma similar, todo texto é escrito dentro de um contexto e lido no contexto de cada leitor, podendo ser incompreendido e depreciado.

O modo como vivemos decorre de escolhas. E nossas escolhas dependem de outras escolhas. Somos pouco autônomos; dependemos dos outros… que, sem essas análises filosóficas, sem diálogo franco, colaboram ou cobram.

Longe de ser classificação entre o bem e o mal, entre o que é bom e o que é ruim, entre acertar e errar. São apenas encruzilhadas, dilemas. Nossas escolhas geram desesperanças (Soren Kiekegard), pois, ao escolher um dos caminhos, não mais esperamos benefícios dos caminhos não escolhidos.

Escolher é impreciso, aleatório. Ou seja, escolhas são atitudes subjetivas; às vezes, até irracionais. Todavia, as escolhas alinhavam nossas vidas.

Para evitar esses ‘jogos’, há algum tempo, deixei – intencionalmente – de ser reativo, de agir conforme as ações dos outros; passei a agir de acordo com meus princípios éticos.

ENXERGAR O QUE VÊ

Quando compramos o direito de habitar o Sítio Itaguá, em 2005, havia uma ‘casa de madeira de lei’, assoalho de tábuas alternadas de canela-preta e de peroba-rosa; lindo de se ver! Toda a armação do telhado em peroba-rosa, com ‘tesouras’ encaixadas no capricho e telhado do tempo das sesmarias, de telhas-calhas feitas a mão. Com janelas e a porta da frente “fabricadas em marcenaria”, porém, as portas internas foram “feitas em casa”.

Casa construída em 1977, pelo Antônio Vieira e pela Helena Felisbino, irmã do Lauro, casado com Maria Jovina da Cruz.

A água potável descia da montanha, descansava numa caixa sobre uma torre de tijolos cimentados em cruz até a altura de três metros e meio, assentada sobre uma grande pedra firme. Descia dali por canos de PVC para abastecer a cozinha e o banheiro. A torre original, em tijolos irregulares ‘de quatro furos’, recebeu ao lado, colada a ela com massa de cimento, uma torre mais recente (2003?), de tijolos ‘com seis furos’, assentada em parte (só em parte…) sobre uma pedra menor, talvez colocada ali. Nunca entendemos o porquê dessa maracutaia.

Uma das dificuldades que enfrentávamos com a casa de madeira era o pretume sobre a tinta que cobria as tábuas das paredes. Renovamos a pintura e a situação piorou, até. As portas internas, maciças, estavam revesadas, além de vários problemas no banheiro. A ameaça de cupins também assustava. Por isso, dois anos depois, construímos uma casa totalmente em alvenaria e com janelas de vidros temperados, com exceção das portas internas.

Iniciamos reformando o capril construído pelo Gasparino de Souza Mateus, onde foi instalado um vaso sanitário para o uso dos construtores contratados. Com a inauguração da ‘casa nova’, em 2007, a velha caixa d’água passou a servir apenas para essa latrina e para a torneira do tanque ‘de fora’. A partir dessa data, durante dezessete anos, cuidamos dessa caixa d’água antiga e alta; alta para que, entre 1977 e 2003, a água chegasse com pressão à casa antiga, distante quinze metros.

Em 2024, percebemos que a torre ‘nova’ estava descolando da torre velha, ameaçando desabar com a caixa d’água. Inicialmente, pensamos que teria sido a força do vento. Depois, percebemos que a base havia se soltado da pequena pedra e afundava o lado oposto na terra.

Colocamos uma escorra provisória e, em seguida, colhemos um bambu-chinês bem maduro para garantir a sustentação. Estávamos nessa lida quando me ocorreu que as saídas de água em uso estavam dois metros abaixo; estávamos mantendo um ‘monstro’ desnecessário e perigoso. Então, deixamos a água escorrer, retiramos a torre em queda, cortamos a outra pela metade e, sobre ela, recolocamos a caixa d’água sobre essa base baixa.

Com essa modificação, aproveito aprender sobre as dinâmicas existenciais. Ou, antes, sobre as dificuldades de ver o óbvio, de mudar na mudança. Durante dezessete anos, enfrentamos dificuldades por algo desnecessário, perigos e trabalhos que poderiam ter sido evitados desde aquela época. Trabalheira, acidentes, riscos.