PROFESSOR DE HISTÓRIA

Na infância, encantou-se pela magia das histórias; via nelas mais que a realidade: eram essências cristalinas da vida. Sonhou ser arauto: aprendendo, sabendo, criando e divulgando ‘a verdadeira verdade’. E, como tudo o que acreditamos pode se tornar realidade, tornou-se Professor de História.

Embriagado com a própria convicção, lia, publicava, transmitia e professava os textos históricos; acreditava piamente que aquelas palavras eram expressões de verdade: a História era a realidade do passado vista no presente como se fosse um conjunto de documentários gravados diretamente nas fontes das informações.

Porém, de tanto recitar, começou a perceber que havia versões diferentes e até contraditórias do mesmo fato histórico. Com um pequeno esforço mental, constatou que a História não era uma coleção de fatos da realidade passada; mesmo que ainda acreditasse que os livros de História continham relatos de quem viu os fatos acontecerem.

Em dado momento e a contragosto, constatou que o historiador era um advogado de si mesmo, que defendia a qualidade e a originalidade de suas autorias, que lhe outorgavam méritos publicitários e direitos econômico-financeiros. No entanto, a originalidade estava apenas na edição dos livros e das revistas, porque o historiador contava o que tinha lido ou ouvido de outros.

Ou pior: poderia estar defendendo o que os outros inventavam. De muitos outros. De uma cadeia de ‘historiadores’; pois os textos eram transcrições da realidade ocorrida. A História acabava sendo uma sequência de ecos, tão longa quanto a distância entre as remotas origens e as edições recentes das velhas informações. A cadeia de ecos ganhava a amplitude da antiguidade histórica. Cadeia, nos dois sentidos.

Caía por terra o mito de que o historiador era a fonte primária dos fatos oficiais; o historiador seria apenas mais uma etapa do registro histórico, montado com base em fontes secundárias, terciárias, quaternárias, … até perder os elos dessas fontes artificiais.

Concluiu, a contragosto, que o historiador era um bom contista da ficção da realidade passada. Mais adiante, ficou chocado com a certeza de que a História poderia ser totalmente fictícia, inventada a partir de indícios: fragmentos, sonhos, quimeras, ilusões e más intenções. Era como montar um australopiteco a partir de um pedaço de dente.

Finalmente, caiu na realidade e constatou que professava, com fanatismo, histórias de fadas, histórias de terror, histórias eclesiásticas, histórias militares, histórias sociais, histórias políticas, … Verdades literárias, verdades políticas, verdades bíblicas.

Concluiu que todas as histórias da História poderiam ser contadas em muitas versões, conforme as necessidades dos poderosos e que ele – Professor de História – era apenas um instrumento de enganação no processo de dominação das massas.

Soube ainda que as pessoas usavam a História para formar, conquistar, manter os poderes. Cada vez mais poderes ainda, atormentando os outros com mentiras históricas. E, antes de morrer, envergonhou de saber que era apenas um discurso em si mesmo.

Observações:

  1. As massas humanas são as mais fáceis de cozinhar.
  2. Enquanto os leões não aprenderem a escrever, as caçadas serão descritas pelos caçadores.” Provérbio Africano, que traduzo para: Enquanto os cães não aprenderem a falar, as histórias serão contadas pelos cachorros.

Sítio Itaguá, 2014.