Cada um é louco do seu jeito.
E ri das loucuras dos outros.
Cada um é louco do seu jeito.
E ri das loucuras dos outros.
Quando criança, ouvia minha mãe dizer: “Quem fala a verdade não merece castigo.” E, realmente, não castigava. Por isso, quando ela desconfiava de alguma traquinagem e recitava frase, preferíamos contar tudo de uma vez.
A Igreja Católica catalogava a mentira como pecado grave e desenvolvi a convicção de que só haveria mentiras-pecados, sujeitas a pesadas penitências para livrar o mentiroso do fogo do inferno.
Na velhice, desenvolvi melhor minhas análises e comecei a perceber que as pessoas mentiam bastante e sem complexo de culpa; muito menos, com medo do inferno. Pesquisei e li que a maioria dos psicólogos e de outros estudiosos consideram salutar e útil o ato de mentir.
“Se você disser que nunca mentiu, provavelmente estará mentindo. Por mais repreensível que seja esse comportamento, as pequenas mentiras que contamos no dia a dia são uma forma de manter o convívio social agradável, uma estratégia essencial para a nossa evolução. E o cérebro tem grande papel nisso.”
“A capacidade de mentir está relacionada às conexões cerebrais que também envolvem a imaginação e a criatividade, auxiliando o cérebro a preencher lacunas de memórias.”
De fato, da mais leve à mais grave, as mentiras passam por um processo complexo para serem convincentes. Para piorar, sempre que postas em dúvida, cada mentira exige outras, cada vez mais elaboradas e distantes da verdade.
Meu filho esperou a idade madura para revelar algumas mentiras que usou na adolescência para se sentir importante, seguro ou aceito nas turmas escolares. Essas mentiras dele não causaram prejuízos contabilizáveis e foram suportes para enfrentar a timidez.
Na minha formação acadêmica, conheci estudei e apliquei as ideias de Joseph Luft e Harrington Ingham desenvolveram o modelo e escreveram o livro Janela de Johari (1955), como ferramenta de dinâmica de grupos, para melhorar a comunicação interpessoal e o autoconhecimento. Percebo que as mentiras e as meias-verdades podem ser analisadas por essa matriz.
Podemos mentir sobre algo que estejamos convictos de que os outros não sabem, sob risco de julgamento pelo que os outros sabem do que não sabemos; por exemplo, sobre aspectos, motivações e consequências ‘invisíveis para nós’. A aposta dos mentirosos explora a “área cega”, imaginando que ninguém sabe.
Quando a confiança recíproca se estabelece, as pessoas se sentem mais leves e podem ‘confessar’ tudo o que precisaram esconder. Esse o ideal para todos nós: que a comunicação possa ser aberta, franca e sincera e que consigamos aceitar e ser aceitos como somos.
Caro amigo, Mario Tessari, Passei os últimos dois meses seguindo os passos de Icobé nas andanças entre Suçurê, Tapiraí, o seminário e, depois, a permanência em Ibiabaré. Acompanhei suas aventuras e desventuras desde a sorte de ter escapado ao massacre na igreja até o definhar da última centelha, em Tapiraí, quando sua alma alçou silencioso voo, talvez para se encantar numa estrela, tal qual um macunaíma das paragens catarinas. Pois vamos lá ao que me pede, uma apreciação sobre a obra. De já, minhas escusas por qualquer tom que não se pareça ao de um aprendiz. Me detive mais nos processos literários, não fiz revisão formal da gramática, pois logo de cara percebi a correção e a clareza do texto. Distingo aqui apenas os aspectos comuns e básicos da análise literária. a) Personagens: tanto o personagem principal, Icobé, como os adjacentes, o Coronel, Speziale, Frauenkochen, Dona Lenice, Wiegando, Schreiner, Vasaro, Ângela, e são muitos, que fico apenas nestes; como ia dizer, os personagens são bem delineados: há conformidade em suas reações (inter-relacionamentos) com seus universos psíquicos (caráter e temperamento). b) Diálogos: de maneira geral, os diálogos mantêm a coerência com o nível de escolaridade dos personagens: para personagem culto, diálogo próximo da linguagem escrita e para personagem inculto, diálogo próximo da linguagem falada (fonema). c) Estrutura: divisão em capítulos e subcapítulos, obedecendo a uma ordem linear de começo, meio e fim, de acordo com a temporalidade da trama. d) Trama: o enredo segue ordem linear, temporal, de começo, meio e fim, tendo como sequência principal a trajetória de vida de Icobé (infância, adolescência, idade adulta, velhice e morte). À trajetória de Icobé, ladeiam-se, também em linha reta, peripécias e acontecimentos, como a criação e desenvolvimento de Tapiraí (fazenda de gado, vila e cidade). e) Estilo: sóbrio, direto, de períodos frasais curtos, para melhor clareza do texto. Feita esta análise rasa, coloco para sua apreciação algumas propostas, deixando já claro que não há regra, nem molde, para uma obra de ficção. Neste tipo de escritura, o autor tem total liberdade de imaginar, de inventar, de criar a obra conforme a sua maneira de pensar. Para mim, este é o grande barato da ficção. 1) Supressão dos boxes, das plaquetas, que resumem os capítulos. É bom para a ficção distanciar-se da didática, e, sempre que possível, é melhor sugerir do que explicar, muitas vezes alguma ambiguidade, mistério ou enigma, fazem bem à obra e põem o leitor para pensar. Além disso, Suçurê já possui capítulos e subcapítulos, com títulos e subtítulos, penso não ser mais essencial os boxes explicativos. a) No primeiro capítulo, o boxe, ao se referir à 'decisão fatal' de José, antecipa a tragédia na igreja e tira-lhe o suspense, que é um recurso de qualidade literária que o autor deve buscar. b) No capítulo 'Vida Urbana', o resumo do boxe é redundante com o subtítulo logo abaixo: 'Pai e Professor'. 2) Pelo mesmo motivo do item anterior, sugiro suprimir a nomenclatura. Ao ler a obra, o leitor vai conhecendo as atividades dos personagens, não sendo essencial, a meu ver, repetí-las em nota no início da obra. 3) No Pós-escrito, sugiro retirar os três últimos parágrafos. Na ficção, mesmo sendo num pós-escrito, penso não ser necessário o autor justificar suas convicções para a escolha dos personagens, sejam eles dentro ou fora do padrão. Ao autor, toda a liberdade de criar qualquer personagem: cruel ou generoso, íntegro ou inescrupuloso... O autor é neutro e conduz a ação conforme o livre arbítrio dos próprios personagens. Em resumo, minha apreciação tem o fim de reduzir uma certa faceta de didatismo da obra, uma vez que trata-se de ficção. Mas é o autor quem mais conhece as profundezas do seu trabalho e sabe o caminho a escolher. No mais, parabéns por este romance panorâmico, que tem como cenário um século de idas e vindas dos atores ali concebidos e certamente enriquece a sua obra de ficcionista. A mim, deu-me prazer viajar por suas entrelinhas. Um grande abraço do amigo, Gilvanni de Amorim
Opiniões sobre o livro Suçurê. Li, neste livro, além da história de amor, a trajetória de uma pessoa rejeitada pela sociedade por causa de uma tragédia ocorrida em sua infância. No entanto, a força de vontade e a determinação contaram sempre com o apoio e auxílio de amigos verdadeiros (os avôs, o dono da farmácia, o vizinho, o padre...). A narrativa mostra também, os laços de amor, a amizade e a confiança entre as pessoas; a importância do diálogo e das opiniões de pessoas amigas para analisar as escolhas, as decisões, os caminhos a seguir. Mostrou, ainda, o Amor verdadeiro entre Icobé e Ângela, que supera o tempo e os preconceitos de uma sociedade. As relações familiares, com os casamentos de interesses, a família sobre o poder patriarcal... Por outro lado, a união consciente onde existe ajuda mútua, respeito, amizade, amor. A coragem, a força e as atitudes positivas de muitas mulheres daquela época que foram em busca da sua independência econômica, sua realização pessoal e profissional. O poder econômico e político do Coronel, também o poder religioso com padre austero, dominando o jeito de viver e ser do povo. A formação de uma vila, cidade, com tudo de que precisa para ser implantada: os projetos de ruas, casas residenciais, comerciais, escolas, igreja, a parte física e jurídica. Os sentimentos entre as pessoas; a lealdade, respeito, gratidão. Muitas vezes me imaginei em vários cenários: na cozinha da casa grande, na roda de chimarrão rindo com amigos, passeando com um lindo cavalo no meio daquela natureza esplendida, viajando de trem com Icobé, ... Essa obra aborda muitas situações e assuntos em diversas áreas: familiar, política, espiritual, paranormal, psicológica, social, ambiental, educacional, transportes, saúde, habitação, costumes, ... Como já lhe falei, amigo Mário, esse livro poderia se transformar num filme ou novela, pois tem uma linda história de superação, de amor, e, juntamente, as transformações políticas, econômicas, culturais e sociais do Brasil. Acredito que possa ser utilizado como fonte de pesquisa. Pesquisei, inclusive, o Monge João Maria de Agostini, citado no livro; queria saber como era sua vida, sua aparência para ter uma ideia de como seria a aparência do padre italiano, Isidoro. Não ria de mim! A obra mostra o seu lado poético, romântico, amigo, humano, pesquisador, instigador... Gostei do final de Icobé, vivendo com serenidade entre os amigos e os livros. E da frase final: “O voo da alma deixou a casa em silêncio”. Forte abraço! Maria Elisabeth Ghisi
“Os fatos históricos e os personagens em geral foram bem situados e, ao mesmo tempo, o autor extrapolou os acontecimentos da época. Muito bem descrito o protagonista que viveu uma mistura de trauma, culpa, bondade, desapego das coisas, intelectualidade, ternura, reflexivo, sensação de estar presente na vida do povo. E, ao mesmo tempo, ele viveu isolado, quieto, mas, sempre laborioso, ocupado, de bem consigo mesmo. Icobé soube viver o momento presente.” Maria Elisa Ghisi
Depois de sete anos em maturação, está ganhando corpo o meu livro mais pesado, literalmente: 943 gramas, 624 páginas.
Foram muitas leituras, muitos comentários e muitas pequenas melhorias. Agradeço a todos.
Enfim, será plasmado sobre folhas em branco.
“Aproveitou para falar de Ana Terra, a personagem de um livro, que reclamava eternamente que o destino das mulheres era esperar, esperar, esperar. Esperavam o príncipe encantado, esperavam os filhos nascerem e esperavam o marido que estava nas revoluções ou nos bolichos bebendo com os amigos. Depois, pelos mesmos motivos, esperavam pelos filhos que tinham virado homens. Como a guerra sangrava os heróis, os homens acabavam morrendo cedo e as viúvas passavam o resto de suas vidas esperando a morte.” Pág. 486
“Ela apoiava em tudo, desde que pudesse ficar de fora, quieta no canto dela. Detestava a política, pois o partido político sugava as amizades e envelhecia os homens; depois de fracos e desgastados, ninguém cuidava deles na velhice. O partido arrebanhava os homens na fase em que estavam em pleno vigor e em que poderiam dar atenção à família, se fazendo presentes na educação dos filhos e nas visitas a amigos, nas celebrações cristãs e nas dificuldades com doenças. Ela sempre apoiou e continuaria apoiando, contanto que não precisasse participar daquelas ‘reuniões de cobras negaceando um bom bocado’.” Pág. 257
− Mas, então, como as mandaçaias se defendem, se elas não têm ferrão? – perguntou o menino.
− A triste resposta talvez não responda tua pergunta. Nós destruímos tudo o que não se defende.
Havia muitas espécies de abelhas nativas, que produziam mel saboroso, nutritivo e, até, medicinal: bugia, guaraipo, mandaçaia, manduri, mirim, tubuna. Como elas não picam, não se defendem com armas, nós – da espécie Homo Sapiens Sapiens – as destruímos… As que hoje estão aqui foram trazidas de longe, de onde ainda não haviam sido extintas.
Muitos jacarés viviam em nossas lagoas e nossos rios. Matamos pra comer, acabamos com eles. Eles não usavam espingardas ou arpões, nem tinham mãos; se defendiam apenas com seus dentes.
Aqui onde agora passa essa estrada municipal, havia uma lagoa, com muitos peixes. A lagoa ‘não soube se defender dos tratores que ‘removem montanhas’. Os Sapiens têm tratores e, com eles, aterram vales, nascentes e lagoas; um homem endinheirado, aqui ao Sul, comprou as pequenas propriedades e enterrou árvores e casas: “aplainou o terreno”, “limpou tudo”. As grandes nascentes secaram…
As densas matas que aqui havia, com grandes cedros, canelas e perobas, foram derrotadas pelos machados, pelas serras e, mais rapidamente, pelas motosserras e pelas serrarias. A floresta retinha a água das chuvas, que era liberada aos poucos em cristalinas nascentes. E abrigava muitas aves: mutuns, perdizes, pombas, nhambus e urus; algumas com até cinco quilos. Patos do tamanho de um peru… Nenhuma dessas aves usava espingarda pra se defender ou pra caçar humanos. Por isso, acabamos com a maioria delas… E, das árvores, nem sobrou semente; agora, compramos sementes pela internet…
O Rio Itaguá já foi bem mais que esse córrego sujeito a enxurradas… por estar com as margens nuas… Derrubamos as matas ciliares pra fazer carvão, lenha, fogo. Pra onde foram os peixes que alimentaram os índios e os primeiros moradores?
Menino, nós somos da espécie SS; nos consideramos os sábios dos sábios. Nós sabemos tudo sobre sabedoria… Lembra dos SS nazistas? Armados, eles ‘matavam os seres inferiores’. Como nós – seres superiores – destruímos animais inferiores… abelhas nativas, por exemplo.
Nossa Nação voltou a se armar… de mentiras, inclusive. Depois de destruir a Natureza, estamos começando a destruir a nós mesmos. Matamos, primeiro, os mais fracos; e seguimos matando… talvez, até o penúltimo forte…
O cacique Tuba-Nhorõ, o ‘Pai Feroz’, vendeu os fracos, as mulheres, as crianças, … Quando só restava a SS dele, os colonizadores o convidaram pra festejar o sucesso ‘do empreendimento’; embebedados, foram amarrados e levados – também eles – como escravos. Porém, desta vez, sem pagamento.
Os povos nativos seguem sendo violentados e mortos. Como foram os neandertais… hoje, extintos.
Em breve, poderemos ser a última geração da espécie Homo Sapiens Sapiens… Talvez, o último capítulo da História Antropológica.
Somos compostos de matéria e espírito. Nem sempre os dois caminham juntos: às vezes, o corpo quer o que a mente nega; outras, a mente quer o que o corpo não pode. Vivemos assim entre o sonho e a realidade. A realidade nos parecendo sempre limitada, com urgente necessidade de ampliação; o sonho se colocando tão além, longe do alcance das nossas mãos. Queremos o abraço, o carinho, o afeto... Sem abrir mão de nossas regras, de nossas vontades, de nossos desejos. Queremos o conforto e a segurança de uma família, mas, também, a liberdade e a intimidade negadas pelos familiares. Queremos a autonomia, a independência, o poder... Porém, com eles, perdemos a fragilidade, a ajuda, o mimo, o aconchego, a proteção. Queremos silêncio ou música, jejum ou extravagância, abstinência ou luxuria, distância ou abraços, sol ou chuva... conforme nossa mente ou conforme nosso corpo alternem nossos desejos. Estamos eternamente insatisfeitos, somos completamente incompletos. Por isso, a vida é bela: sempre há o que fazer, sempre há pelo que lutar.