Comentário de Gilvanni de Amorim

Caro amigo, Mario Tessari,

Passei os últimos dois meses seguindo os passos de Icobé nas andanças entre Suçurê, Tapiraí, o seminário e, depois, a permanência em Ibiabaré.
Acompanhei suas aventuras e desventuras desde a sorte de ter escapado ao massacre na igreja até o definhar da última centelha, em Tapiraí, quando sua alma alçou silencioso voo, talvez para se encantar numa estrela, tal qual um macunaíma das paragens catarinas.

Pois vamos lá ao que me pede, uma apreciação sobre a obra. De já, minhas escusas por qualquer tom que não se pareça ao de um aprendiz. Me detive mais nos processos literários, não fiz revisão formal da gramática, pois logo de cara percebi a correção e a clareza do texto. Distingo aqui
apenas os aspectos comuns e básicos da análise literária.   

a) Personagens: tanto o personagem principal, Icobé, como os adjacentes, o Coronel, Speziale, Frauenkochen, Dona Lenice, Wiegando, Schreiner, Vasaro, Ângela, e são muitos, que fico apenas nestes; como ia dizer, os personagens são bem delineados: há conformidade em suas reações
(inter-relacionamentos) com seus universos psíquicos (caráter e temperamento).

b) Diálogos: de maneira geral, os diálogos mantêm a coerência com o nível de escolaridade dos personagens: para personagem culto, diálogo próximo da linguagem escrita e para personagem inculto, diálogo próximo da linguagem falada (fonema). 

c) Estrutura: divisão em capítulos e subcapítulos, obedecendo a uma ordem linear de começo, meio e fim, de acordo com a temporalidade da trama.

d) Trama: o enredo segue ordem linear, temporal, de começo, meio e fim, tendo como sequência principal a trajetória de vida de Icobé (infância, adolescência, idade adulta, velhice e morte). À trajetória de Icobé, ladeiam-se, também em linha reta, peripécias e acontecimentos, como a criação e desenvolvimento de Tapiraí (fazenda de gado, vila e cidade).

e) Estilo: sóbrio, direto, de períodos frasais curtos, para melhor clareza do texto. 
Feita esta análise rasa, coloco para sua apreciação algumas propostas, deixando já claro que não há regra, nem molde, para uma obra de ficção.
Neste tipo de escritura, o autor tem total liberdade de imaginar, de inventar, de criar a obra conforme a sua maneira de pensar. Para mim, este é o grande barato da ficção.

1) Supressão dos boxes, das plaquetas, que resumem os capítulos. É bom para a ficção distanciar-se da didática, e, sempre que possível, é melhor sugerir do que explicar, muitas vezes alguma ambiguidade, mistério ou enigma, fazem bem à obra e põem o leitor para pensar. Além disso, Suçurê já possui capítulos e subcapítulos, com títulos e subtítulos, penso não ser mais essencial os boxes explicativos. a) No primeiro capítulo, o boxe, ao se referir à 'decisão fatal' de José, antecipa a tragédia na igreja e tira-lhe o suspense, que é um recurso de qualidade literária que o autor deve buscar. b) No capítulo 'Vida Urbana', o resumo do boxe é redundante com o subtítulo logo abaixo: 'Pai e Professor'.

2) Pelo mesmo motivo do item anterior, sugiro suprimir a nomenclatura. Ao ler a obra, o leitor vai conhecendo as atividades dos personagens, não sendo essencial, a meu ver, repetí-las em nota no início da obra.
3) No Pós-escrito, sugiro retirar os três últimos parágrafos. Na ficção, mesmo sendo num pós-escrito, penso não ser necessário o autor justificar suas convicções para a escolha dos personagens, sejam eles dentro ou fora do padrão. Ao autor, toda a liberdade de criar qualquer personagem: cruel ou generoso, íntegro ou inescrupuloso... O autor é neutro e conduz a ação conforme o livre arbítrio dos próprios personagens.

Em resumo, minha apreciação tem o fim de reduzir uma certa faceta de didatismo da obra, uma vez que trata-se de ficção. Mas é o autor quem mais conhece as profundezas do seu trabalho e sabe o caminho a escolher.   

No mais, parabéns por este romance panorâmico, que tem como cenário um século de idas e vindas dos atores ali concebidos e certamente enriquece a sua obra de ficcionista. A mim, deu-me prazer viajar por suas entrelinhas.

Um grande abraço do amigo,

Gilvanni de Amorim

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